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Parcerias multiplicam as iniciativas

Por Jornal Valor    21 de dezembro de 2001
Com a soma de forças, organizações conseguem desenvolver seus programas e manter as portas abertas e empresas divulgam suas marcas

Há dois anos, a Bauducco procurou a Fundação Abrinq disposta a ampliar sua atuação social, então restrita a um punhado de iniciativas pontuais. Orientada pela instituição, lançou o projeto "No Natal todo mundo merece um Bauducco" e passou a contribuir com festas natalinas de organizações que atendem crianças carentes. No primeiro ano, beneficiou 35 instituições e 12 mil crianças. No segundo, mais 50 instituições e 23 mil crianças. Há alguns meses, decidiu dar um passo além e dirigir seus recursos para capacitar profissionais de organizações vinculadas ao Programa Nossas Crianças, ação que se desenvolverá durante o ano todo.

O envolvimento crescente da Bauducco com a área social se deu, obviamente, por razões internas da empresa, mas é um indicativo do poder impulsionador de uma boa parceria. "Queríamos fazer mas não sabíamos como. A credibilidade da fundação, o bom relacionamento que estabelecemos e sua presença no ambiente da Bauducco foram decisivos para que aumentássemos nossa participação nos seus projetos " , avalia Roberto Holzheim, diretor de marketing da empresa.

A lógica embutida nesse exemplo é a mesma que fez com que a colaboração entre diferentes organizações e setores em torno de objetivos sociais comuns se disseminasse por várias áreas: sem parcerias, o capital não teria valor social e as organizações não-governamentais, por sua vez, não teriam capital.

É uma relação ganha-ganha. As organizações conseguem desenvolver seus programas e manter as portas abertas. As empresas divulgam suas marcas e conquistam admiração e confiança dos consumidores. E o Estado, quando está presente, passa a contar com um executor confiável e eficiente para programas estratégicos.

"Quando bem feitas, as parcerias maximizam os recursos materiais, humanos e financeiros utilizados, asseguram eficiência dos resultados e reúnem o melhor da expertise organizacional de cada setor", resume Rosa Fischer, coordenadora do Centro de Estudos em Administração do Terceiro Setor da Universidade de São Paulo (Ceats-USP).

"As parcerias são a alma do terceiro setor e da construção de uma rede de investimentos sociais", concorda Ana Maria Wilheim, vice-presidente de Relações com o Terceiro Setor do Gife - Grupo de Instituições Fundações e Empresas. Pode parecer simples mas, na prática, reunir atores sociais de natureza e culturas tão diferentes é um exercício puxado. "É necessária muita disponibilidade para que dê certo. Uma parceria de peso leva em média de nove a dez meses para se concretizar", explica.

Apesar dos desafios, nunca as parcerias se avolumaram e diversificaram tanto como agora. São ações orientadas para uma multiplicidade de áreas, como educação, saúde, inclusão digital, cultura, família ou comunidade. Algumas se dedicam à capacitação profissional, como o projeto Construindo Conhecimento, em que as empresas Casa&Construção e Sulvinil se uniram à ONG Hope Brasil para oferecer cursos profissionalizantes a moradores de favelas. Outras, simplesmente doam seu conhecimento a uma instituição, como a DPTO Propaganda, que assumiu a comunicação publicitária do Centro Infantil Boldrini e está começando a reformular o site do hospital.

A demanda por informações acerca de potenciais parceiros é tão grande que a Fundação Getúlio Vargas se prepara para elaborar um guia de transparência das ONGs . A aposta nas parcerias se deve, em parte, a uma constatação muito presente no mundo dos negócios, que começa a ganhar corpo no terceiro setor: a cooperação gera mais eficácia do que conflito.

"Organizações dos diferentes setores estão descobrindo que é possível criar cadeias de valor agregando suas diversidades em torno de objetivos sociais comuns", afirma Rosa Fischer. Enquanto empresas, fundações empresariais, ONGs, entidades beneficentes e associações buscam e encontram formas criativas e eficazes de parceria, o governo ainda se mantém na retaguarda e é o setor que avança mais timidamente nesse processo. "Os recursos públicos geralmente estão presentes nas organizações mas, em geral, esse fato não configura uma parceria, mas sim uma fonte de captação da entidade", explica a professora da USP.

Considera-se genericamente como parceria qualquer forma de associação ou cooperação. Porém, os estudiosos entendem que uma associação só evolui para parceria quando as partes envolvidas colaboram entre si da concepção do projeto ao tipo de resultado que desejam alcançar. E isso nada tem a ver com terceirização de serviços. "A parceria só faz jus ao nome quando, do trabalho conjunto entre as partes envolvidas, surge uma terceira coisa", define Stephen Kanitz, diretor do site www.filantropia.org. "Muitas empresas se dizem parceiras quando são, na verdade, doadoras. O que elas pretendem é passar para o consumidor a imagem de que fazem mais do que realmente fazem", aponta.

Na avaliação de Kanitz, esta não é a única conduta enviezada no imenso leque de relacionamentos estabelecidos entre organizações e empresas. Existem também, adverte, corporações que se aproximam das entidades do terceiro setor que têm visibilidade com o único intuito de obter vantagens mercadológicas.. "O terceiro setor virou uma mina de ouro e muitas entidades estão sendo usadas por empresas como um instrumento torto de marketing social."

Segundo a coordenadora do Ceats-USP, o processo de parcerias ganhou força nos anos 90, quando as entidades de cooperação multilateral começaram a exigir o trabalho conjunto de órgãos públicos com ONGs , principalmente em projetos de interesse público. Mas há registros anteriores de forte cooperação nas organizações da sociedade civil, tanto entre financiadores e executores de projetos como entre ONGs.

"Durante o período militar, foram feitas inúmeras parcerias internacionais voltadas às questões de direitos humanos e luta pela democracia", revela Luiz Carlos Merege, coordenador do Centro de Estudos do Terceiro Setor da Fundação Getúlio Vargas. Na década de 70 já havia, a nível nacional, uma tradição consolidada entre governo e fundações, em especial na área de meio ambiente. "As próprias ONGs formaram redes em torno de temas comuns."

As formas de associação, porém, se aperfeiçoaram. Do "boom" dos anos 90 ao atual estágio de cooperação, as relações de empresas, organizações e Estado passaram por um intenso processo de aprendizado. A questão deixou de ser apenas a captação de recursos.

O grande desafio que as instituições entendem ter agora pela frente diz respeito à ampliação da escala de atuação e do impacto produzido por suas ações. "Quando estabeleço alianças, não proponho mais aos meus parceiros que dêem um cheque ou apóiem um projeto. Convido as empresas a adotar uma causa e assumir compromissos com ela. O projeto é apenas uma ferramenta, uma estratégia", explica Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna.

Foi essa visão que levou antagonistas clássicos como bancos e sindicatos a se uniram em torno do Projeto Travessia. O propósito do programa, que atende crianças de rua de São Paulo, é reduzir a violência e dar condições dignas a essa população. É o mesmo motor que propulsiona os projetos sociais do Grupo Pão de Açúcar. A boa parceria, diz Eduardo Romero, diretor de marketing corporativo da empresa, é a que resulta da sinergia de objetivos e foco, a que promove troca de experiências e competências. A má parceria é a que não transforma a realidade. "Não queremos ser patrocinadores de causas sociais, mas agentes de transformação social. Adotamos não apenas a gestão compartilhada, mas também a responsabilidade compartilhada", diz.

É uma transformação e tanto. Nos anos 90, a maioria das empresas e fundações iniciou seus projetos criando parcerias com organizações de atendimento e beneficiando um número reduzido de pessoas. A escolha tinha a ver com os interesses da empresa. Com o tempo, aprenderam que, associando-se a outras instituições, produziriam maior impacto, em especial se as universidades estivessem envolvidas, porque haveria repasse tecnológico de mão dupla. "Agora estamos em fase de estabelecer redes e criar alianças estratégicas" explica Wilheim.

Essa nova tendência que começa a se delinear na área social, de acordo com a vice-presidente do Gife, passa por uma revisão também das parcerias com o Estado. O movimento é de aproximação e a ótica a de que as ações sociais só transformarão de fato a realidade se contribuírem para aperfeiçoar as políticas públicas. Caso contrário, o esforço pode se diluir. "No passado, muitas organizações mantinham parcerias com o Estado desempenhando um papel de substituição. Agora, estão empenhadas em somar, ocupar o espaço público sem ser estatal. É uma grande mudança de foco."



Fanny Zygband ,para o Valor

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