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Desenvolvimento sustentável: um conceito operacional?
São Paulo - Graças aos dados verificáveis e mensuráveis produzidos por muitos pesquisadores, foi possível chamar a atenção para o esgotamento da capacidade de suporte dos recursos mundiais. Movimentos espontâneos de pessoas originaram-se na análise destes dados, demandando a reversão das tendências negativas. A `resposta` política foi dada na Rio 92, com a definição do conceito de desenvolvimento sustentável e princípios correlatos.
Daquele momento em diante, dois atores mundiais principais - as companhias multinacionais e a sociedade civil - desenvolveram seus próprios caminhos para organizar e lidar com a dimensão global. Eles atuaram fora das estruturas políticas governamentais existentes. O mundo científico, com seus impressionantes resultados no campo das comunicações, das pesquisas biomoleculares e físicas, contribuiu para profundas mudanças no comportamento social e humano. Este `processo` continuou praticamente incontrolado e os pesquisadores contribuíram com instrumentos limitados para se compreender, escolher e modificar positivamente a situação.
Atualmente temos um outro contexto mundial. A globalização não pode ser mais considerada um conceito abstrato. Torna-se, cada vez mais, uma realidade palpável. Os eventos trágicos nos Estados Unidos (11 de Setembro de 2001) são apenas sinais do que isso pode significar. De fato, além das guerras e catástrofes, é possível vislumbrar as profundas mudanças ocorridas nos hábitos e comportamento das pessoas, devido, principalmente, aos contatos diários com pessoas e objetos de todo o Planeta.
Neste sentido, a sociedade civil reclamou e ainda reclama a criação de uma nova sociedade mundial baseada em processos de decisão mais democráticos. Nós temos que aceitar que o mundo é um único sistema integrado e que cada indivíduo interage com todo o sistema mundial. O único paradigma capaz de lidar com esta dimensão mundial, que é aceito por todos os atores envolvidos, é o conceito de desenvolvimento sustentável: a moldura que deve enquadrar toda e qualquer atividade e decisão. Mais ainda, desenvolvimento sustentável implica em atuar num contexto de incerteza e instabilidade. Logo os parâmetros a serem medidos devem ser suficientemente `flexíveis` e `adaptáveis` para lidar com estas duas condições básicas.
Os poucos elementos acima nos fornecem um quadro complexo de uma situação ainda mais complexa. Na realidade, muito poucos parâmetros físicos vão continuar os mesmos nas próximas duas ou três gerações. Compare-se, por exemplo, os mapas políticos do mundo em 1980 e 2000. Fronteiras estão mudando continuamente. Identidades `nacionais` podem variar de acordo com a modificação destas fronteiras. Além disso, já somos membros de diversas famílias `planetárias`: Microsoft, Monsanto, DelMonte, Shell, Danone, Siemens, Nokia, Ericsson, os sistemas internacionais de bancos e seguros, Nike, Benetton... Outra realidade palpável são as mudanças ambientais globais e as novas tecnologias de comunicação, que reduziram drasticamente a importância da distância física.
Claro, estes elementos não significam que as estruturas atuais ou as identidades governamentais devem ser abandonadas. Ao contrário, nós somos chamados a criar um novo contexto democrático mais profundo. Agora é o melhor momento para pesquisadores e instituições, que lidam com estatísticas e indicadores, unirem esforços e levantarem temas pragmáticos para a implementação dos princípios do desenvolvimento sustentável num mundo globalizado. Isto significa definir novos limites, tarefas, regras e instituições.
Felizmente existe um ponto de partida comum: os capítulos 8 e 40 da Agenda 21, definida na Rio 92, ilustram que tipo de dados são necessários. Além disso, nos últimos anos o desenvolvimento sustentável foi melhor definido e agora diversos pontos específicos devem ser evidenciados, como a necessidade de se usar linguagem compreensível, dados e indicadores compreensíveis, parâmetros integrados, orientadores e concordância entre disciplinas científicas.
A principal crítica a todos os dados comumente empregados é a de que eles estão olhando para situações específicas atuais e não proporcionam interatividade particular. Em outras palavras, eles demonstram que existem metodologias e instrumentos poderosos para analisar, comparar e integrar dados, parâmetros e indicadores ligados não apenas a elementos da terra mas também ao comportamento humano. E mais, ao trabalhar com tais dados é possível `vê-los` no futuro e tomar decisões de acordo. Esta `abordagem` pode ser definida como `estática` porque é baseada em observações mensuráveis, também extremamente sofisticadas, relacionadas a um `momento` específico do meio ambiente ou da economia ou da sociedade, considerados separadamente.
A União Européia, através do `Programa de Pesquisa Quadro` da Comissão Européia, escolheu seguir uma outra abordagem para testar meios mais interativos de tomar decisões. Há vários anos, lançou uma série de atividades de pesquisa para elucidar quais metodologias deveriam ser utilizadas na implementação dos planos de desenvolvimento sustentável, concentrados principalmente ao nível regional (infra nacional). As metodologias se provaram flexíveis e interativas, baseadas em orientadores e demandando de seus usuários um processo transparente de tomada de decisões. Algumas destas metodologias foram consolidadas num documento chamado `Manejo Sustentável de Qualidade` (http://www.sqm-praxis.net).
Uma das maiores preocupações era manter os indicadores compreensíveis e o mais aplicáveis possível. Agora, os indicadores só são úteis se definidos de acordo com as necessidades dos usuários ou alvos potenciais. Isso só é possível quando uma comunicação (diálogo) correta ocorre entre pesquisadores e usuários potenciais.
É preciso, ainda diminuir o sobreuso da palavra `indicador`, adotada para propósitos diferentes demais. Ela não pode cobrir, ao mesmo tempo, todos os aspectos e os níveis nacional, setorial e corporativo. Deveria ser possível usar palavras distintas, como `orientadores` para cobrir a tendência ou evolução das condições do desenvolvimento sustentável; `elemento educacional`, para indicar os riscos/limites de permitir/induzir mudanças no comportamento humano; `referências decisionais` para facilitar o entendimento de situações complexas ligadas à síntese de diferentes indicadores científicos e `indicador` apenas para a função identificada por um pesquisador no escopo de sua própria pesquisa.
Se esta breve sugestão é válida, ao menos parcialmente, então precisamos também criar `arenas` comuns para permitir a confronto entre os atores e construir novas instituições, capazes de lidar com as dimensões globais. Estas estruturas/instituições nacionais/internacionais devem ser mais representativas e permitir melhor participação. Não é mais uma questão de `se` mas de `como`.
* Mario Catizzone é pesquisador sênior da Comissão Européia e coordenador de projetos de pesquisa sobre Desenvolvimento Sustentável, no Naturvardsverket, em Estocolmo, Suécia. Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 12 de novembro de 2001.