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Igualdade em cotas

Por RITS    8 de janeiro de 2002
Portaria assinada em 19 de dezembro de 2001 pelo ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, estabeleceu a reserva de cotas iguais de 20% para negros e mulheres e de 5% para portadores de deficiência em cargos de chefia - direção e asessoramento superior (DAS) - no ministério e em empresas terceirizadas e entidades conveniadas que prestam serviços para órgãos federais. Em setembro, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, já decidira criar cotas de 20% para negros em licitações públicas para contratação de empresas terceirizadas. Esse percentual é progressivo, podendo chegar a 30% no próximo ano.

O órgão responsável pelo controle e pela fiscalização do cumprimento das cotas é o Conselho Nacional de Combate à Discriminação, vinculado ao Ministério da Justiça. Criado pelo Decreto nº 3952, de 4 de outubro de 2001, o CNCD é composto por 22 representantes - 11 do governo e 11 da sociedade civil. Entre as organizações não-governamentais e os movimentos sociais participantes estão, entre outros, o Viva Rio, o Grupo Gay da Bahia, o Ceneg (Centro Nacional de Valorização da Raça Negra) e o Capoib (Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil).

A idéia das cotas ainda é polêmica. Seus críticos alegam que o critério da competência fica em segundo plano e que a medida serve apenas para acobertar a necessidade de mudanças estruturais profundas. Os representantes das "minorias" (com as devidas aspas) beneficiadas concordam que ainda trata-se de uma tímida iniciativa. Por outro lado, vêem na decisão do governo um passo adiante para a conquista de seus direitos.

"De fato, é algo histórico na vida política e social brasileira", comenta Marcelo Paixão, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos coordenadores do Atlas Afro-Brasileiro. "Genericamente, reflete um avanço, mas ainda é uma ação muito limitada. Não sou contra", afirma, "significa um reconhecimento de que a população negra precisa de ações específicas, mas acho que é uma política paternalista. É importante ver essas questões como conquista de direitos, não como concessão de favores. E é preciso utilizar essa experiência como pretexto para avançar mais". Paixão acredita que a decisão de criar cotas foi, em parte, resultado de um constrangimento moral provocado pela participação brasileira na Conferência Mundial sobre Racismo e Discriminação, realizada em Durban, África do Sul, no ano passado. Naquela ocasião, as propostas levadas a plenário pelo governo brasileiro - representado pelo então ministro da Justiça, José Gregori - foram tidas como fortemente progressistas. "Mas aquele discurso não correspondia às suas ações internas", diz o professor. "A democracia racial brasileira era um mito que serviu para acobertar uma prática de omissão. Então o governo viveu um dilema que refletiu esse constrangimento moral e o aumento da legitimidade do movimento negro".

Beneficiadas com o mesmo percentual reservado aos negros, as mulheres vislumbram a possibilidade de acesso às mesmas oportunidades oferecidas aos homens. Thais Corral, coordenadora geral da ONG Cemina - Comunicação, Educação e Informação em Gênero, comemora a política de cotas como um dos mais importantes resultados da Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Pequim, em 1995. Segundo ela, esse sistema é efetivo em sociedades de grande desigualdade, como a nossa. "Basta observarmos que tivemos, até hoje, no Brasil, três ou quatro mulheres à frente de ministérios. Com as cotas, estaremos forçando a sociedade a prestar atenção nessa desigualdade".

Sobre as críticas de que o gênero poderia se sobrepor ao mérito profissional no preenchimento das vagas, Thais é enfática: "O ideal é que a gente vivesse numa sociedade meritocrática, sem dúvida, mas a realidade não é essa. Então isso vai forçar as pessoas a terem um critério, e é importante que sejam escolhidas as mais competentes dentro desse critério".



"Só muda se a sociedade mudar"

No caso dos portadores de deficiência, a criação de cotas não chega a ser uma novidade. Há dez anos ela existe por lei, segundo a qual 5% das vagas em empresas devem ser reservadas para pessoas com algum tipo de deficiência. No entanto, a falta de acompanhamento adequado tem sido um empecilho ao acesso desses profissionais ao mercado de trabalho. Tereza Costa D'Amaral, superintendente do Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência (IBDD), admite que apenas recentemente começou a haver fiscalização. "Antes disso", lamenta, "a lei praticamente não tinha efeito. Mas não creio que haja no Brasil alguma empresa que cumpra a cota estabelecida na lei". Para ela, em um momento de recessão e desemprego, não há como demitir empregados unicamente com o propósito de preencher a cota. "Nem isso faria sentido. Um resultado efetivo só vai ser possível se houver consciência social das empresas. Elas precisam estar conscientes da necessidade social de empregar minorias - de raça, gênero ou portadores de deficiência. Por decreto, a gente não consegue fazer nada", garante.

Tereza entende que a idéia das cotas é a construção de um patamar de igualdade, não a concessão de privilégios. Mas, particularmente na questão do portador de deficiência, vê um aspecto que qualifica como interessante: "No caso de gênero ou raça, a gente sabe que a igualdade existe, mas está sendo barrada pela falta de respeito ou pelo preconceito que existe há séculos. No caso do deficiente, é preciso antes, para aceitá-lo, compreender por que ele é diferente e perceber que ele pode ser eficiente e participar do mesmo ambiente de trabalho".

Em relação aos cargos públicos, embora elogie a iniciativa, a superintendente do IBDD ainda vê essa possibilidade como distante, pois será necessária a abertura de concurso público. Tereza defende a mobilização da sociedade para que essa experiência não fracasse. "Temos muitos casos de concursos públicos que não atendem às cotas para deficientes. Na área de saúde, por exemplo, em vez de realizarem concurso para as vagas totais, ele era feito para cada hospital. Isso porque a cota não pode ser cumprida quando não resulta, no mínimo, em uma vaga. Não é possível, por exemplo, estabelecer cota de meia vaga. Então o que acontecia é que, nesses casos, não havia vagas para deficientes. E nós impetramos algumas ações judiciais para combater isso. É preciso, portanto, que as pessoas compreendam seus direitos e cobrem o seu cumprimento. Só muda se a sociedade também mudar".



Cotas para homossexuais

O antropólogo Luiz Mott, presidente do Grupo Gay da Bahia e integrante do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, defende a criação de cotas também para homossexuais. Logo na primeira reunião do conselho, quando foi sugerida a nomeação de negros e mulheres como ministros, Mott interveio: "E por que não também um ministro homossexual assumido?". A proposta das cotas, assegura, foi bem-recebida. "Foi aprovada por unanimidade, não só pelos representantes das ONGs, mas também pelos representantes do governo presentes. O secretário de Direitos Humanos, Paulo Sérgio Pinheiro, declarou que temos de nos acostumar com a isonomia de todas as minorias, inclusive os homossexuais".

Por esse motivo, o Grupo Gay da Bahia, o Grupo Quimbanda-Dudu de Gays Negros e a Associação de Travestis de Salvador estão preparando uma campanha nacional a ser iniciada tão logo seja divulgado o primeiro concurso público em que já esteja em vigor o sistema de cotas. "Estamos fazendo um levantamento sobre situações concretas de discriminação contra os homossexuais negros, mulheres e deficientes físicos, demonstrando que sofrem muito mais discriminação. Vamos mobilizar os homossexuais de todos os estados para que concorram às cotas e insistam em sua condição de dupla ou triplamente discriminados, reivindicando prioridade".

Mott considera que o sistema de cotas é uma medida de alcance imediato, necessária a curto prazo, enquanto não se realiza na sociedade uma transformação profunda que promova a igualdade. "Imagino que dentro de alguns anos ou décadas, quando as diferenças socioeconômicas que hoje excluem as minorias do acesso igualitário à educação, ao funcionalismo etc. deixarem de existir, então não mais serão necessárias políticas afirmativas, que podem ser chamadas de 'discriminação positiva', pois favorecem temporariamente quem durante muitas gerações foi discriminado devido à sua condição".

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