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ONG prepara alunos da rede pública para o vestibular

Por Correio da Bahia    8 de outubro de 2001
Lançado ontem, projeto Manuel Faustino ministra aulas gratuitas para 240 jovens

Mônica Celestino

Professor Jorge Portugal é o idealizador e coordenador do projeto, que oferece oito disciplinas aos estudantes

Um grupo de estudantes de escolas públicas pode competir com melhores chances de aprovação no vestibular graças ao projeto Manuel Faustino, lançado oficialmente ontem, pela manhã, em Salvador. Ao todo, 240 jovens da capital (180) e do município de Santo Amaro (60), no recôncavo, assistem a aulas preparatórias gratuitas em oito cursos. Os estabelecimentos são parceiros da organização não-governamental Manuel Faustino, idealizada e coordenada pelo professor e poeta Jorge Portugal. Para o ano que vem, planeja-se dobrar a oferta de vagas, com a participação de novas unidades de pré-vestibular.

O curso intensivo de Salvador começou em setembro, enquanto as atividades do recôncavo se iniciaram em março. Os soteropolitanos têm apenas três meses para revisar o conteúdo dos ensinos fundamental e médio, por vezes ministrado com deficiências na rede oficial. Porém, Portugal assegurou ontem que há possibilidade de aprendizado. "O momento decisivo é agora. É neste período que começam as aulas extras, nos finais de semana, etc. Eu preciso de 15 dias para ver os assuntos de português para o vestibular", disse o professor, garantindo que, nos meses iniciais de cursos extensivos, dá aulas

da língua "para aplicação na vida". Dois alunos de Santo Amaro já foram aprovados pela Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), para este segundo semestre.

Na capital, os 180 estudantes selecionados entre 43 mil concorrentes em potencial receberam bolsas integrais concedidas pelos cursos DNA, Mendel, Exato, Base e Status. Os beneficiários fizeram os ensinos fundamental e médio e foram indicados pelos colegiados e diretorias dos colégios onde estudam. Entre os critérios estão assiduidade, disciplina, aproveitamento e renda. Já os 60 santo-amarenses têm as mensalidades bancadas pela prefeitura local, após conquistarem as suas vagas num concurso envolvendo 884 candidatos. As colegas Rosemeire Souza, 18 anos, e Roberta Silva, 20, estão entre os pré-vestibulandos incluídos no projeto.

Alunas do Colégio Estadual Teixeira de Freitas, no bairro de Nazaré, as adolescentes sonham com o ingresso nos cursos de medicina e direito, respectivamente. "A expectativa é a melhor possível. Estou esperançosa", afirmou Souza, minutos antes do início do "aulão" de português sobre morfologia e sintaxe programado para o lançamento. Em cerca de dez minutos, Jorge Portugal revisou as dez classes gramaticais. Depois, começaram as explicações sobre sintaxe. Até o final do ano, quando será aberta a temporada de vestibulares na Bahia, devem ser realizados outros cinco encontros, provavelmente na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, no Campo Grande. Abertas a outros estudantes carentes não-beneficiados pelo Manuel Faustino, estas aulas devem ser encerradas com shows musicais.

Além do incremento da quantidade de bolsas disponibilizadas para o ano que vem, a Manuel Faustino planeja a conquista de isenção da taxa de inscrição nos concursos das quatro universidades estaduais (Uneb, de Feira de Santana, do Sudoeste Baiano e Santa Cruz). O coordenador da ONG informou que pretende solicitar a gratuidade à Secretaria estadual da Educação. A Universidade do Estado da Bahia (Uneb) já franquia a participação de estudantes comprovadamente carentes no seu vestibular.

TV Bahia apóia projeto

Com apoio da TV Bahia na divulgação e do Fundo das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Tecnologia (Unesco) na avaliação do perfil dos secundaristas, a organização não-governamental Manuel Faustino é, pelo menos, a terceira entidade a desenvolver ações para facilitar o acesso de jovens ao ensino superior em Salvador. As demais são o Instituto Steve Biko e o Curso Conexão, que cobram apenas taxas simbólicas para custeio. A primeira cooperativa é dirigida ao público afro-descendente - minoria nas universidades brasileiras -, enquanto que a segunda instituição é voltada para pessoas da periferia.

Professor de cursos preparatórios há anos, Jorge Portugal ministra aulas como voluntário para alunos da rede pública, nos finais de semana, no Colégio Central, bairro de Nazaré. Seu trabalho ganhou colegas de profissão como aliados. Das aulas, surgiu o atual projeto educacional, com concessão de bolsas para quem não dispõe de R$80 a R$280 para bancar o curso pré-vestibular.

O programa e a ONG receberam o nome de um dos líderes da Inconfidência Baiana. Os outros foram Luiz Gonzaga das Virgens, Lucas Dantas e João de Deus. Em 1798, Manuel Faustino, santo-amarense de 19 anos, foi enforcado com os confrades por reivindicar a independência do Brasil do jugo português, a abolição da escravatura e o ensino público universal.

Voluntários se mobilizam

Jovens das classes média e alta, estudantes pagantes de cursos pré-vestibulares de Salvador, se tornam aliados dos estudantes beneficiários do projeto Manuel Faustino. Um grupo de, pelo menos, 20 pessoas se reúne para ministrar aulas de reforço para os colegas vindos de escolas públicas. Pelo programa, seriam oferecidas apenas as aulas sobre os conteúdos indicados pelas universidades e também a monitoria para tirar as dúvidas surgidas no processo educacional. Os voluntários devem receber chamadas por telefone e dar as explicações num espaço cedido pelo professor Jorge Portugal, na Pituba.

Cada subgrupo se responsabiliza pelas disciplinas que mais dominam. Três dos participantes voluntários são Saionara Pereira, Silber Rodrigues e Roger Araújo, alunos do Mendel e concorrentes a vagas no curso de medicina. "Temos consciência de que essas pessoas não têm a mesma oportunidade que nós. Vamos nos colocar à disposição para passar um pouco do que temos para eles. É uma oportunidade para formarmos uma espécie de frente pelo ensino superior", disse ontem Araújo, 23 anos, ressaltando que o sistema de ensino universitário está em crise. Ambos enfatizaram que não encaram uns aos outros como concorrentes, mas, sim, como colegas desta etapa da vida.

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