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A responsabilidade social e as incertezas

Por Jornal Valor - Oded Grajew   9 de janeiro de 2002
Os atentados aos Estados Unidos, pelo papel que este país desempenha no cenário internacional, e a guerra contra o Afeganistão mobilizaram a atenção de todo o mundo para o desenrolar dos acontecimentos. Críticas aos atentados a ação militar norte-americana, temor de novos atentados, guerra biológica, massacre civil num país miserável foram alguns dos temas que dominaram a arena política internacional. Na Economia, ficou a incerteza provocada por uma crise sem perspectiva de fim, o que fez empresas reverem seus investimentos, suas estratégias de mercado. E a responsabilidade social, como ficou num panorama de corte de custos? Num cenário como esse, parece difícil convencer de que a melhor estratégia não é o salve-se quem puder. Empresas socialmente responsáveis não cortaram seus planos e projetos na área, porque entendem que um fator de sucesso para seus negócios é estabelecer laços de comprometimento, confiança com os vários públicos, alimentando um círculo virtuoso na economia, em vez apenas de buscar um bom desempenho imediato.

Não foi por acaso que, durante a 9ª conferência do Business for Social Responsibility (BSR) - parceiro do Instituto Ethos juntamente com várias organizações similares em várias partes do mundo -, realizada em novembro em Seattle, o sr. Howard Schultz, dono de uma das maiores redes de coffee shops do mundo, a Starbucks, pediu para que as empresas não alterassem seus investimentos em responsabilidade social. Ninguém pode acusar Schultz de demagogia ou de militar em trincheira diferente do ambiente empresarial. Suas lojas são um sucesso nos Estados Unidos, no Canadá, no Japão. Ele garante que o sucesso deriva em boa parte da confiança que seus funcionários têm na atividade e no envolvimento com a comunidade. Ninguém suspeitaria de que sua forma de administração busca sucesso econômico. É, porém, um sucesso que leva em conta valores. O mesmo conselho de Schultz poderia ser dado ao Brasil: crises significam oportunidades para reforçar o comprometimento e reafirmar a responsabilidade social.

Muitas foram as discussões na conferência do BSR que poderiam ser válidas para o Brasil. Frances Hesselbein, representante da Peter Drucker Foundation, citando o próprio Peter Drucker, acredita que o setor social, que ela prefere não identificar diretamente com o terceiro setor, deverá ser o responsável pela grande mudança nas relações de trabalho e, de maneira mais ampla, sociais. Este setor social seria a aliança entre as organizações não-governamentais e empresas, capazes de levar adiante mudanças e políticas públicas que contemplem as necessidades sócio-ambientais. Na opinião de Frances, o grande trauma provocado nos Estados Unidos pelos atentados despertaram novos laços para articulação comunitária, inclusive entre diferentes classes sociais, etnias e profissionais. Despertou-se ainda para a reflexão de que a enorme disparidade entre ricos e pobres produz um ambiente de violência em termos globais. As empresas com preocupação social precisam pensar, juntamente com a sociedade e públicos envolvidos, em estratégias que levem a um desenvolvimento sustentável a longo prazo, que gere benefícios para todos. Não é utopia se observarmos a experiência internacional e de algumas empresas que já perceberam o valor de ações transparentes, éticas e responsáveis. Grandes corporações mostraram como empresas podem compor planos de negócios a partir de diálogo com a comunidade, respondendo ao mesmo tempo aos anseios de mercado e de desenvolvimento social. A aplicação dessas idéias nem sempre é fácil, porque é necessário adotar a transparência e a ética como parâmetro das relações, conciliando uma enorme gama de interesses.

A responsabilidade social como cultura da gestão empresarial, abarcando todas as relações da empresa, suas práticas e políticas, deve nortear a organização em todo os momentos, nas crises e em épocas de expansão econômica. E é exatamente em momentos de crises e incertezas que ela retorna mais importante e estratégica. É nesta hora que é testado o real compromisso dos dirigentes com os valores da empresa.

Ao preservar o emprego dos seus funcionários, procurando implementar soluções criativas que possibilitem o enfrentamento das crises, a empresa cria um ambiente de reconhecimento nos seus colaboradores que resultam em melhoras significativas de desempenho. A lealdade e a segurança gerados garantem o desenvolvimento da organização a médio e longo prazo. Atitudes precipitadas provocam desconfiança por parte das pessoas que abandonarão a empresa na primeira oportunidade.

Se todas as empresas agissem desta forma, o emprego e a renda preservados garantem a manutenção do poder aquisitivo fundamental para a retomada econômica. Mas, acima de tudo, é uma atitude ética em relação às pessoas e suas famílias, que sempre confiaram nas empresas e em reconhecimento à sua dedicação.

Oded Grajew é diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e presidente do Conselho de Administração da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança



E-mail: ethos@ethos.com.br

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