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O choque e a reação
Por Revista VEJA    28 de janeiro de 2002
O assassinato do prefeito Celso Daniel lança o Brasil numa mobilização que
pode finalmente reduzir a criminalidade no país
Raras vezes o Brasil se mobilizou tanto e tão rapidamente como na semana passada ao saber do assassinato do prefeito Celso Daniel, do PT, da cidade de Santo André, na Grande São Paulo. A execução bárbara do prefeito na noite de sábado 19 chocou o país quase instantaneamente. O assassinato tocou um nervo exposto mas profundo da sensibilidade nacional. Por todo o Brasil, em meio às explorações políticas de costume, os cidadãos das grandes cidades foram às ruas pedir providências contra o crime, contra a impunidade dos assassinos e para o começo de uma faxina nas polícias. Não é a primeira vez que as capitais do país são tomadas por passeatas pela paz ou contra a violência. Dessa vez foi diferente, não apenas pela amplitude dos protestos ou pela indignação sincera dos manifestantes. A diferença foi que os gritos da rua da semana passada vieram acompanhados de uma reação rápida das autoridades. Mesmo que atabalhoadas num primeiro momento, as medidas anunciadas e a arregimentação de governantes de todos os níveis, parlamentares e juízes permitem supor que, ao contrário do que se viu no passado, desta vez o país vai levar a sério o combate ao crime.
Numa mostra clara do momento que o país atravessa, Luís Inácio Lula da Silva, presidente de honra e eterno candidato do PT à Presidência, foi ao Palácio do Planalto cobrar providências e ao mesmo tempo oferecer ao presidente Fernando Henrique Cardoso sua ajuda para um amplo programa de combate ao crime. A imagem do aperto de mãos de Lula e FHC num momento de comoção nacional provocada por um crime de grande repercussão pode entrar para a história como um daqueles momentos transformadores. Eles são muito pouco freqüentes. No ano passado, em menor intensidade, houve no racionamento de eletricidade um mutirão semelhante que harmonizou medidas corretas do governo com a vontade das pessoas de evitar a situação pior de um país no escuro.
A morte do prefeito sinaliza de modo trágico que ninguém está a salvo. Nem mesmo os políticos, que muitos brasileiros julgam viver num mundo encantado de favorecimentos e imunidades. Até o presidente da República já teve seu carro particular roubado duas vezes. O prédio onde Fernando Henrique tem um apartamento em São Paulo também já foi assaltado. Num país onde o assalto no semáforo se tornou rotina e o seqüestro já faz vítimas na classe média, o assassinato de Celso Daniel funcionou como o alarme estridente dando conta de que a explosão da violência já foi longe demais.
Até sexta-feira à noite não havia uma explicação clara para a morte do prefeito de Santo André, seqüestrado quando saía com um amigo de uma churrascaria em São Paulo e assassinado 24 horas depois. Em virtude de outro crime de morte em que a vítima foi um prefeito do Partido dos Trabalhadores, Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT, de Campinas, interior de São Paulo, chegou-se a cogitar de uma conspiração política destinada a matar integrantes do partido de Lula. A morte de Celso Daniel, segundo essa interpretação, teria sido um crime político. Os próprios líderes do PT, no entanto, admitem que essa é a mais fraca das hipóteses a ser investigadas.
Outra possibilidade, bem mais forte, é a de crime comum. Os seqüestradores teriam abordado o carro em que estavam o prefeito e um amigo, o empresário Sérgio Gomes da Silva, na esperança de seqüestrar e fazer dinheiro com o resgate. Ao descobrirem que tinham levado um político conhecido, cujo sumiço teve enorme repercussão, resolveram simplesmente matá-lo, com receio de ser apanhados na gigantesca operação de busca que se seguiria. Por fim, há dúvidas a respeito dos depoimentos do amigo, dono da Mitsubishi Pajero blindada que foi abordada pelos seqüestradores. Ele não foi levado pelos bandidos. Na polícia contou uma história que depois se revelou cheia de contradições. Silva, o melhor amigo de Celso Daniel, disse aos policiais que as travas elétricas das portas da Pajero se abriram sozinhas, depois de seu veículo ter sofrido abalroamento pelos carros dos seqüestradores. Assim, os bandidos teriam podido tirar o prefeito da Pajero e levá-lo para o cativeiro. Silva disse também que desistiu de continuar tentando fugir dos bandidos depois que a Pajero perdeu tração. Com os abalroamentos, o motor teria girado em falso mesmo com as marchas engatadas. Os peritos não conseguiram encontrar nem reproduzir os defeitos relatados por Silva. "Eu não sou mecânico e não entendo nada disso, mas tudo o que eu disse foi o que aconteceu", defendeu-se. Os policiais dizem que esse tipo de confusão é consistente com o quadro de pânico e terror vivido pelo empresário ao lado do amigo.
O engenheiro e economista Celso Daniel, um dos políticos mais populares do PT, tinha 50 anos. Ele conheceu Silva em 1988, em sua primeira campanha vitoriosa à prefeitura de Santo André. Silva prosperou. De motorista e segurança do prefeito, tornou-se empresário. Uma investigação do Ministério Público de Santo André resultou num dossiê de quarenta páginas em que os promotores descrevem seu espanto com a súbita riqueza de Silva. Em quatro anos, sua renda aumentou dez vezes. Segundo levantamento dos promotores, em 1996, tinha rendimentos anuais de 30.000 reais. Em 2000, eram 300.000 reais. Há um complicador. Silva é sócio de um certo Ronan Pinto, dono de três empresas de ônibus e beneficiário de contratos milionários com a prefeitura de Santo André, muitos deles investigados por irregularidades. O próprio Silva foi investigado por ter recebido 272.000 reais de uma das empresas de coleta de lixo de Ronan Pinto, a Rotedalli Serviços e Limpeza Urbana, que na época tinha contratos de 1,7 milhão de reais com a prefeitura de Santo André. Todos esses detalhes deverão ser examinados pelos policiais envolvidos na elucidação da morte de Celso Daniel. Eles não descartam a hipótese de que o assassinato pode estar relacionado a interesses econômicos contrariados pelo prefeito. Seja qual for o desfecho das investigações, ele não atenuará a indignação demonstrada pelos brasileiros na semana passada. Está claro que a sociedade está disposta, como nunca, a colocar um limite à ação criminosa no país.
Raras vezes o Brasil se mobilizou tanto e tão rapidamente como na semana passada ao saber do assassinato do prefeito Celso Daniel, do PT, da cidade de Santo André, na Grande São Paulo. A execução bárbara do prefeito na noite de sábado 19 chocou o país quase instantaneamente. O assassinato tocou um nervo exposto mas profundo da sensibilidade nacional. Por todo o Brasil, em meio às explorações políticas de costume, os cidadãos das grandes cidades foram às ruas pedir providências contra o crime, contra a impunidade dos assassinos e para o começo de uma faxina nas polícias. Não é a primeira vez que as capitais do país são tomadas por passeatas pela paz ou contra a violência. Dessa vez foi diferente, não apenas pela amplitude dos protestos ou pela indignação sincera dos manifestantes. A diferença foi que os gritos da rua da semana passada vieram acompanhados de uma reação rápida das autoridades. Mesmo que atabalhoadas num primeiro momento, as medidas anunciadas e a arregimentação de governantes de todos os níveis, parlamentares e juízes permitem supor que, ao contrário do que se viu no passado, desta vez o país vai levar a sério o combate ao crime.
Numa mostra clara do momento que o país atravessa, Luís Inácio Lula da Silva, presidente de honra e eterno candidato do PT à Presidência, foi ao Palácio do Planalto cobrar providências e ao mesmo tempo oferecer ao presidente Fernando Henrique Cardoso sua ajuda para um amplo programa de combate ao crime. A imagem do aperto de mãos de Lula e FHC num momento de comoção nacional provocada por um crime de grande repercussão pode entrar para a história como um daqueles momentos transformadores. Eles são muito pouco freqüentes. No ano passado, em menor intensidade, houve no racionamento de eletricidade um mutirão semelhante que harmonizou medidas corretas do governo com a vontade das pessoas de evitar a situação pior de um país no escuro.
A morte do prefeito sinaliza de modo trágico que ninguém está a salvo. Nem mesmo os políticos, que muitos brasileiros julgam viver num mundo encantado de favorecimentos e imunidades. Até o presidente da República já teve seu carro particular roubado duas vezes. O prédio onde Fernando Henrique tem um apartamento em São Paulo também já foi assaltado. Num país onde o assalto no semáforo se tornou rotina e o seqüestro já faz vítimas na classe média, o assassinato de Celso Daniel funcionou como o alarme estridente dando conta de que a explosão da violência já foi longe demais.
Até sexta-feira à noite não havia uma explicação clara para a morte do prefeito de Santo André, seqüestrado quando saía com um amigo de uma churrascaria em São Paulo e assassinado 24 horas depois. Em virtude de outro crime de morte em que a vítima foi um prefeito do Partido dos Trabalhadores, Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT, de Campinas, interior de São Paulo, chegou-se a cogitar de uma conspiração política destinada a matar integrantes do partido de Lula. A morte de Celso Daniel, segundo essa interpretação, teria sido um crime político. Os próprios líderes do PT, no entanto, admitem que essa é a mais fraca das hipóteses a ser investigadas.
Outra possibilidade, bem mais forte, é a de crime comum. Os seqüestradores teriam abordado o carro em que estavam o prefeito e um amigo, o empresário Sérgio Gomes da Silva, na esperança de seqüestrar e fazer dinheiro com o resgate. Ao descobrirem que tinham levado um político conhecido, cujo sumiço teve enorme repercussão, resolveram simplesmente matá-lo, com receio de ser apanhados na gigantesca operação de busca que se seguiria. Por fim, há dúvidas a respeito dos depoimentos do amigo, dono da Mitsubishi Pajero blindada que foi abordada pelos seqüestradores. Ele não foi levado pelos bandidos. Na polícia contou uma história que depois se revelou cheia de contradições. Silva, o melhor amigo de Celso Daniel, disse aos policiais que as travas elétricas das portas da Pajero se abriram sozinhas, depois de seu veículo ter sofrido abalroamento pelos carros dos seqüestradores. Assim, os bandidos teriam podido tirar o prefeito da Pajero e levá-lo para o cativeiro. Silva disse também que desistiu de continuar tentando fugir dos bandidos depois que a Pajero perdeu tração. Com os abalroamentos, o motor teria girado em falso mesmo com as marchas engatadas. Os peritos não conseguiram encontrar nem reproduzir os defeitos relatados por Silva. "Eu não sou mecânico e não entendo nada disso, mas tudo o que eu disse foi o que aconteceu", defendeu-se. Os policiais dizem que esse tipo de confusão é consistente com o quadro de pânico e terror vivido pelo empresário ao lado do amigo.
O engenheiro e economista Celso Daniel, um dos políticos mais populares do PT, tinha 50 anos. Ele conheceu Silva em 1988, em sua primeira campanha vitoriosa à prefeitura de Santo André. Silva prosperou. De motorista e segurança do prefeito, tornou-se empresário. Uma investigação do Ministério Público de Santo André resultou num dossiê de quarenta páginas em que os promotores descrevem seu espanto com a súbita riqueza de Silva. Em quatro anos, sua renda aumentou dez vezes. Segundo levantamento dos promotores, em 1996, tinha rendimentos anuais de 30.000 reais. Em 2000, eram 300.000 reais. Há um complicador. Silva é sócio de um certo Ronan Pinto, dono de três empresas de ônibus e beneficiário de contratos milionários com a prefeitura de Santo André, muitos deles investigados por irregularidades. O próprio Silva foi investigado por ter recebido 272.000 reais de uma das empresas de coleta de lixo de Ronan Pinto, a Rotedalli Serviços e Limpeza Urbana, que na época tinha contratos de 1,7 milhão de reais com a prefeitura de Santo André. Todos esses detalhes deverão ser examinados pelos policiais envolvidos na elucidação da morte de Celso Daniel. Eles não descartam a hipótese de que o assassinato pode estar relacionado a interesses econômicos contrariados pelo prefeito. Seja qual for o desfecho das investigações, ele não atenuará a indignação demonstrada pelos brasileiros na semana passada. Está claro que a sociedade está disposta, como nunca, a colocar um limite à ação criminosa no país.