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Inclusão de deficientes dá bons resultados

Por O Estado de São Paulo - MARTA AVANCINI   19 de fevereiro de 2002
Tese de doutorado mostra que crianças surdas têm desempenho igual ao dos colegas

Crianças com deficiência auditiva que estudam em escolas regulares não têm, necessariamente, um desempenho pior do que aquelas que ouvem normalmente - desde que tenham um acompanhamento especial. Essa é uma das conclusões de uma tese de doutorado defendida na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em dezembro. A autora, a fonoaudióloga Marisa Sacaloski, acompanhou o desempenho de 24 crianças com diversos graus de deficiência auditiva matriculadas em escolas públicas de Mauá, município da Grande São Paulo.

Ela aplicou diversos tipos de testes para verificar habilidades acadêmicas e também ouviu pais e professores. "Meu objetivo era saber se a inclusão funciona, por isso apliquei diversos testes pontuais", explica Marisa, referindo-se à política de inclusão de portadores de deficiências física e mental na escola comum em vigor no Estado de São Paulo e em diversas partes do País.

Embora a inclusão faça parte das diretrizes educacionais oficiais e seja defendida por vários educadores, psicólogos e profissionais da área da saúde, ela esbarra em dois problemas: a falta de estrutura da escola e de preparação do professor. Apesar disso, a partir da pesquisa de Marisa percebe-se que as defasagens que as crianças surdas apresentam decorrem muito mais da falta de apoio do que de seus problemas de audição.

"Existe sim uma defasagem decorrente da deficiência auditiva, mas muitas crianças que estudam em classes especiais têm um rendimento muito baixo e não aprendem nada. O aluno tem rendimento baixo porque a escola é ruim e não por causa do problema dele", afirma a fonoaudióloga.

Desempenho - Alguns dados levantados por Marisa sustentam essa afirmação: 83,3% das crianças pesquisadas compreendem o que lêem, mas somente 16,7% são capazes de compreender um texto. Em matemática, 41,7% conseguem fazer contas de multiplicação e divisão, desempenho comparável ao das crianças normais.

A pedagoga Denise Aparecida Debartolo Pereira que trabalha com Marisa na Escola de Educação Especial da Prefeitura de Mauá explica que, em geral, os deficientes auditivos têm desempenho melhor em matemática do que em português. "O mundo do deficiente auditivo é muito limitado porque ele não ouve. Por isso, ele costuma ir melhor nas disciplinas que trabalham com dados concretos. Tudo o que envolve texto é mais complicado para ele", diz Denise.

Por isso, é importante que o surdo tenha um acompanhamento paralelo às aulas, a fim de se desenvolver nas áreas em que tem mais dificuldade. Apesar disso, alguns casos isolados chegam a surpreender, como o de uma menina que estuda na 4.ª série do ensino fundamental e que acabou sendo aprovada para a série seguinte porque fez 27 pontos no Saresp, a avaliação oficial da rede estadual de São Paulo. "Ela fez 14 pontos na primeira prova (realizada em outubro do ano passado), ficou de recuperação, mas na segunda prova foi melhor do que muitos dos colegas que também fizeram recuperação."

Sociabilização - Além do desempenho na escola propriamente dito, a pesquisa também trata do relacionamento social. A maioria dos pais, professores, crianças surdas e ouvintes acham que os deficientes auditivos devem estudar em classes comuns e não percebem mudança de comportamento das crianças por causa da presença de um deficiente auditivo. Os próprios deficientes, aparentemente, não se intimidam quando estão em uma sala de aula normal: 87,5% não evitam falar.



Alguns pais vêem vantagens na inclusão. É o caso de Cleusa Trajai Perdigão.

Sua filha Paula Cristina, de 14 anos, é aluna da 6.ª série. "Ela é muito independente. Hoje em dia, até vai à biblioteca com as colegas para fazer os trabalhos escolares", conta Cleusa. "Procuro ajudar nos trabalhos e na lição de casa, mas é importante que ela sinta que é igual aos outros e tão capaz quanto qualquer um."



E embora a experiência esteja sendo positiva, no começo foi difícil.

"Matriculei a Paula na escola estadual quando ela tinha 7 anos e não deu certo porque a professora não sabia lidar com a situação, apesar de ser boa." Ela conta que a menina ficava muito nervosa e tinha medo de ser discriminada pelos colegas. Por isso, ela acabou matriculando a menina em uma escola especial, onde permaneceu até a 4. ª série, quando voltou para a escola regular.

Dificuldades - Mas nem todos os pais demonstram estar satisfeitos com a inclusão. Para Maria Santos, mãe de Jonathan, de 11 anos, a infra-estrutura das escolas públicas acaba prejudicando o desenvolvimento dos deficientes auditivos. "Em uma sala de 40 alunos, a professora não tem como dar a atenção que a criança precisa." Por isso, se pudesse, ela tiraria seu filho da escola estadual onde ele estuda e o matricularia em uma escola especial.

Mas se as condições fossem outras - ou seja, se houvesse menos alunos na sala de aula e se os professores tivessem um treinamento específico para lidar com os portadores de deficiência - não haveria problemas e a inclusão funcionaria melhor, diz Maria.

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