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A eterna lógica do Brasil desigual

Por Correio Braziliense - Wanda Engel   20 de fevereiro de 2002
É no mínimo surpreendente a notícia de que o Supremo Tribunal Federal concedeu liminar à Confederação de Estabelecimentos de Ensino desobrigando as escolas que possuem o título de filantropia de oferecerem bolsas de estudo para alunos pobres. Trata-se de decisão que ratifica o conjunto de privilégios que reforçam o histórico e inaceitável nível de desigualdade brasileira.

O país, como fruto dos grandes investimentos que vem fazendo na área social, vê melhorar a maioria dos indicadores, mas constata, pasmo, que melhora a situação dos mais ricos e dos mais pobres, dos negros e dos brancos, mas o diferencial permanece imutável. Desde 1992, por exemplo, o 1% mais rico detém 13,1% da renda nacional, enquanto aos 50% mais pobres cabem apenas 14%. A iniqüidade reincidente não está na falta de recursos para a superação da pobreza, mas na falta de focalização no uso desses recursos. A área de assistência infelizmente não conta com incentivos fiscais consistentes, como outras áreas. As entidades assistenciais, educacionais ou de saúde podem, também, mediante título de filantropia, requerer a isenção de contribuição de sua cota patronal para o INSS. Nada mais justo que as entidades que atendem gratuitamente a crianças, jovens e idosos, portadores de deficiência e famílias em situação de pobreza, gozem desse benefício. O mais grave é que o montante da renúncia fiscal, por meio da filantropia, chegou à casa de 2,3 bilhões de reais em 2001. Exatamente o que se gastou com o Programa de Benefício de Prestação Continuada, criado pela Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), que garante a sobrevivência, mediante um salário mínimo mensal, de 1,4 milhão de idosos e portadores de deficiência.

Só esse recurso, sobre cujo destino voltamos a não ter nenhum tipo de controle, daria para expandir o programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social para 2,3 milhões de jovens. Trata-se de um programa voltado para adolescentes entre 15 e 18 anos, em situação de extremo risco, que são capacitados para atuar como agentes de transformação das próprias comunidades, nas áreas de saúde, meio ambiente, cidadania. Para tal o Estado aplica apenas R$ 1.000,00 por jovem/ano, enquanto nas Febens da vida o custo de cada interno é de R$ 1.700,00 por ano. É um programa que vem tendo um papel estratégico no Plano Nacional de Segurança Pública porque focaliza não só o maior agente de violência, mas também a maior vítima. O que se deixa de recolher com a filantropia daria, portanto, para universalizar esse programa para nossa juventude de risco.

Para qualquer observador externo, o privilégio das ''escolas filantrópicas '', sem restrições quanto à focalização nos mais pobres, pareceria um total absurdo. Somente para uma sociedade como a brasileira, que convive há cinco séculos com a desigualdade, que foi a última do mundo a acabar com a escravatura, que tem governantes que não se privam de manifestação pública de racismo e intolerância, só nós que aprendemos a considerar naturais os privilégios dos mais ricos e a situação de indigência dos mais pobres, só este Brasil pode achar natural a concessão de benefícios para as ricas escolas filantrópicas, sem restrições.



Wanda Engel é secretária de Estado de assistência social do Governo Federal e coordenadora nacional do Projeto Alvorada

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