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Câncer de mama: uma revolução a caminho

Por O Estado de S.Paulo - RHB   24 de março de 2002
A cada ano, 1 milhão de mulheres em todo o planeta descobrem que estão com câncer de mama. Por conta das campanhas preventivas, um número cada vez maior detecta o problema quando o tumor tem menos de 2 cm de diâmetro e não se espalhou para os tecidos vizinhos. Uma pequena parcela delas, cerca de 15% a 20% do total, corre um risco enorme de ter a doença de volta após a remoção do tumor, mas como não há ainda exame capaz de distinguir os dois tipos de câncer, todas são tratadas com quimioterapia por precaução. Ou seja, 80% fazem quimioterapia sem precisar.

Na mesma semana de janeiro em que a atriz Patrícia Pillar revelou estar se tratando de um câncer de mama, a revista Nature publicou um estudo feito na Holanda e nos EUA que usou microarrays para identificar 70 genes capazes de prognosticar se um tumor de mama vai ou não se espalhar. "O índice de acerto beira os 90%, mas isso ainda não basta para ser adotado na clínica", diz Robert Weinberg. De acordo com ele, 90% de precisão não convence um oncologista a ignorar um tumor. "Mas 99% seria outra história."

E a julgar pelos trabalhos apresentados na semana passada no Congresso Internacional de Câncer de Mama, em Barcelona, não vai demorar muito para alguém chegar a esses 99%. Muita gente e muitas indústrias farmacêuticas estão empenhadas na caça aos marcadores do câncer. E essa é uma outra matemática, a de um enorme mercado potencial e em expansão.

Câncer é uma doença do genoma, que surge do acúmulo de mutações de uma série de genes ao longo do tempo. Quanto mais uma célula se divide, maior a probabilidade de ocorrer um "erro" aqui ou ali. Por isso, paradoxalmente, os casos devem aumentar à medida que a população mundial envelhece. No caso dos tumores de mama, o problema é comportamental. As mudanças de estilo de vida explicam o aumento no número de casos. As mulheres têm menos filhos, engravidam mais tarde e têm a primeira menstruação bem mais cedo que suas antepassadas. "Hoje uma garota de 15 anos já menstruou mais vezes que sua tataravó, que engravidou cedo e passou pelo menos 20 anos grávida e amamentando", diz Weinberg. Isso significa que as células da mama das mulheres contemporâneas são expostas a uma quantidade de estrogênio muito grande ao longo da vida, o que aumenta o risco de aparecimento de câncer. Sabe-se dessa associação desde a Idade Média, quando se percebeu que a incidência de tumor de mama era maior entre freiras do que entre as mulheres da população em geral.

A expectativa dos pesquisadores é que a identificação desses genes leve ao desenvolvimento de testes capazes, por exemplo, de poupar milhares de mulheres de uma quimioterapia desnecessária. "O ideal seria descobrir genes que codificam proteínas alteradas, que poderiam ser detectadas por exame de sangue ou urina", diz John Quackenbush. "Você poderia criar anticorpos para detectar a presença dessas proteínas de forma simples e rápida", completa Weinberg. Microarrays dificilmente poderiam ser usados como testes, por vários motivos. "Eles levam 15 dias para ser montados e seis meses para serem analisados", diz Luiz Fernando Lima Reis, que também aposta numa nova geração de testes. "Alguma coisa simples, que precise apenas de alguém que aperte a tecla ‘enter’ e nem desconfie de toda matemática que há por trás disso."

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