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A redescoberta do "S"
Por ISTO É - Hélio Contreiras   16 de abril de 2002
Depois de anos de esquecimento e uso político, a área social do BNDES começa
a renascer com o apoio de ONGs e prefeituras
O "S" do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) passou anos como mero penduricalho de marketing do Banco. Em 1982, quando o chamado "milagre econômico" apresentava sinais de falência, o governo decidiu dar um estímulo aos políticos que o apoiavam. Mudou a sigla do BNDE para BNDES. Pura apelação política. O 'social' ficou mofando durante anos e anos. No governo Collor acabou virando mero apêndice da sigla, ao ser extinta a área social do banco. Em 1996, ela foi recriada, novamente para inglês ver, recebendo uma verba irrisória de R$ 200 milhões em 1997. Agora, bons ventos estão soprando naquele edifício luxuoso que sedia o Banco no Rio de Janeiro: neste ano, seus recursos crescem para R$ 1,1 bilhão. Não é grande coisa diante da tragédia social do País. Mas é um bom começo, conduzido pelo superintendente Pedro Gomes Duncan. Ele diz que vai usar a verba no combate a "indicadores sociais que provocam constrangimento". Duncan, 25 anos de banco e 50 de idade, reconhece: "Em certos projetos sociais, o BNDES entrou com atraso". E ele está correndo atrás desse atraso. O engenheiro Duncan fez algo inusitado lá dentro: subiu as favelas da Maré e da Rocinha, entre outras, para acompanhar os projetos que têm financiamento da entidade.
"Aprendemos com os erros dos outros países e com os empreendedores das favelas", diz. Nesta entrevista a ISTOÉ, o superintendente do "S" do Banco reconhece que o Brasil é de um atraso vergonhoso nesta área, que só adotou alguns projetos sociais depois da Colômbia e da Bolívia, e é preciso reverter o jogo. A boa notícia: o apoio da carteira social do BNDES, ele diz, não faz distinção entre prefeituras de quaisquer partidos políticos. "O PT é um dos partidos que têm mais municípios beneficiados pelos recursos do BNDES para a modernização tributária", afirma.
ISTOÉ - Quase 50 anos após sua criação, a área social ainda não é uma prioridade de fato para o BNDES ... Pedro Gomes Duncan - O novo planejamento estratégico do BNDES estabelece algumas prioridades básicas. Por exemplo: urgência na redução das desigualdades sociais e regionais, com a garantia, por exemplo, da manutenção e geração de emprego. Há 52 anos, quando ele foi criado, a situação do Brasil era realmente outra. Exigia grandes investimentos na indústria. Hoje, ele persegue os dois caminhos, mantendo o apoio à indústria. Mas no seu planejamento estratégico estimula as empresas a buscarem recursos no próprio mercado, reduzindo a participação do banco nos seus projetos. Cada vez mais incentivamos a busca de alternativas financeiras no mercado.
ISTOÉ - O que o banco está fazendo para diminuir o enorme problema social do País? Duncan - Estamos subindo as favelas da Maré, Rocinha, Rio das Pedras, do Rio; outras de São Paulo, do Nordeste, do Recife, Teresina, também as de Porto Alegre, e constatamos estes indicadores sociais com nossos próprios olhos. Os indicadores sociais do Brasil nos causam constrangimento. Em Teresina há 150 favelas, e precisamos mudar esta situação social. Temos que evitar o crescimento da pobreza e da miséria no Brasil, que já atingiram patamares muito preocupantes. Há uma população que precisa ser incluída no sistema educacional. Há uma evolução neste sentido, através de programas como o bolsa-escola e o bolsa-alimentação, e são necessários, ainda, programas de saúde e de saneamento. A estabilidade econômica não depende só da garantia da moeda. É preciso, também, uma redução efetiva da pobreza e da miséria.
ISTOÉ - O "S" da sigla no Banco tem sido tão insignificante que na maioria das vezes entra com letra minúscula (BNDEs) nas menções que são feitas à instituição. Duncan - Estamos procurando fortalecer o "S". Há necessidade de programas de recuperação de trabalho e de oportunidades perdidas que estão sendo desenvolvidos. Damos ênfase à educação, que tem um papel cada vez mais importante tanto na profissionalização propriamente dita como na recuperação do emprego. É preciso, ainda, levar em conta a importância de se evitar a evasão. Por isso a alimentação tem de ser garantida aos alunos do ensino fundamental que estão iniciando sua vida escolar. O próprio desenvolvimento do aluno e do homem depende de uma alimentação adequada. A evasão escolar é um dos pontos que não podem mais ser ignorados quando se fala em política social. Não basta falar em saneamento, que também procuramos apoiar por se tratar de um problema grave.
ISTOÉ - Qual é a estratégia do BNDES para o desenvolvimento social? Duncan - Temos de pensar no desenvolvimento social na perspectiva de um banco público que é um ente financiador. Mas o "S" também devia estar presente, e muitas vezes esteve, na perspectiva da sua antiga atuação tradicional, quando financiava uma indústria, apoiava a instalação de uma empresa numa região que precisava de mais empregos.
ISTOÉ - Qual a diferença do banco criado há quase 50 anos e hoje? Duncan - Ele surgiu, em 1952, criado pelo então presidente Getúlio Vargas, para fomentar o desenvolvimento da indústria brasileira, financiar a infra-estrutura. Naquela época, o Brasil era considerado um país basicamente agrícola, e era preciso criar uma indústria de base que sustentasse o desenvolvimento. Agora, sem abandonar o apoio ao desenvolvimento, o banco tem de ter um forte foco para o apoio à área social, à pequena, média e microempresa. Por isso, recentemente foi recriada a área de desenvolvimento social. Temos, então, de pensar de que forma a entidade pode trabalhar como ente financiador, atuando em parceria com ministérios vinculados a questões sociais. Passou a haver mais ênfase para financiar segmentos empregadores de mão-de-obra.
ISTOÉ - Dos recursos do banco, qual o porcentual destinado à área social? Duncan - Creio que, concretamente, o porcentual não é tão relevante, e poderia até dar uma impressão falsa do que se procura fazer. Hoje podemos falar de um orçamento global de R$ 1,1 bilhão para 2002. Se imaginarmos que o orçamento foi de R$ 200 milhões em 1997, já podemos constatar um grande progresso.
ISTOÉ - Diante da miséria do País, R$ 1,1 bilhão não é pouco? Duncan - O ideal seria que o País tivesse mais recursos. Mas quando nos referimos a este valor estamos falando de orçamento de desembolso. A carteira da área social é hoje de quase R$ 4 bilhões, entre operações contratadas, aprovadas e em análise. As operações de desembolso são aquelas que o banco contrata e desembolsa, libera recursos no exercício de 2002, enquanto as da carteira constituem um volume que eu já liberei e tenho ainda a liberar até 2003, por exemplo. Ou seja: é um conjunto dos projetos atuais.
ISTOÉ - Não há perspectiva de aumento destes recursos? Duncan - A sociedade cobra cada vez mais. A área social é a que tem maior crescimento no planejamento para 2005. A meta para 2005 é de R$ 5 bilhões.
ISTOÉ - Quais áreas sociais o banco tem financiado? Duncan - O banco concede microcrédito a pequenos empreendedores de áreas carentes, como favelas, porque é preciso mudar o perfil social. Por exemplo: através do programa de modernização da arrecadação tributária, que exerce um papel para melhorar o desempenho financeiro da prefeitura de um município do interior e tornar disponíveis os recursos para a área social.
ISTOÉ - O Banco Mundial defende a adoção de projetos que tenham a participação das comunidades carentes. Isso já começou a ser feito pelo BNDES? Duncan - Temos um projeto com a participação de diversos segmentos da sociedade para que as pessoas tenham a preocupação com a sua manutenção e com o dinheiro nele empregado. Envolve regiões degradadas, normalmente na periferia de centros urbanos. Procuramos evitar os planos isolados do passado realizando uma ação conjunta nas áreas de saúde, de saneamento, de trabalho e renda, inclusive a regularização fundiária.
ISTOÉ - A prioridade é para quais regiões? Duncan - Praticamente para todas, por causa das desigualdades sociais. Eu destacaria o projeto que está sendo aplicado em Teresina, entre os quatro projetos contratados, porque a capital do Piauí é uma das que apresentam índices sociais mais baixos. Encontramos lá 155 favelas em situação de extrema pobreza e procuramos transformá-las em bairros. Mas adotamos projetos semelhantes em Curitiba, em Vitória, e vamos realizá-los em Petrolina, Campo Grande e Xapuri, no Acre. Procuramos reduzir a pobreza e a miséria e inibir o êxodo da população para o Sul e Sudeste. Ainda temos mais 15 projetos em fase de análise. O banco também financia entidades filantrópicas, as Santas Casas, responsáveis pelo atendimento de 30% da população brasileira.
ISTOÉ - Como é o relacionamento do banco com as favelas? Duncan - Primeiro nós criamos o programa de crédito produtivo popular, que tinha por meta buscar de um canal de distribuição para os recursos do banco e canalizar recursos para o pequeno empreendedor. A resposta foi positiva. Eles cumprem os compromissos assumidos, e hoje há 32 instituições que operam em nome do banco e oferecem este crédito. O programa começou com as organizações não governamentais.
ISTOÉ - Como as microinstituições financeiras se articulam com as comunidades? Duncan - Estrategicamente, o lado fraco destas ONGs é o das doações, das quais elas dependem. Mas se dependemos, neste programa, de instituições microfinanceiras, é importante que elas tenham acesso aos recursos do mercado. Por isso foi necessário criar a Sociedade de Crédito ao Microempreendedor. Neste sistema atuam 28 ONGs e três sociedades de crédito. No ano passado houve 100 mil operações de crédito a pequenos produtores, com uma média de R$ 1,1 mil a cada um, sempre renovável, que contemplou 90% do setor informal da economia, portanto, produtores sem empresas registradas. Mais de 90% dos recursos são destinados ao capital de giro.
ISTOÉ - Qual a taxa de juros cobrada no microcrédito? Duncan - É um empréstimo com juros que variam de 2,5% a 4% ao mês, mas na hora em que se avaliam os resultados dos negócios o valor dos juros não tem muito significado. Os clientes são bons pagadores e os créditos são renovados automaticamente. Um dos indicadores de bom desempenho de instituições de microfinanças é o porcentual de renovação do crédito. Há microempresas que já estão no décimo crédito.
ISTOÉ - Cidades de pequeno porte podem recorrer ao banco? Duncan - Estamos iniciando um projeto de desenvolvimento local, ou seja, subindo não só os morros onde estão as favelas do Rio, mas indo a outras de diversos Estados. Vamos, ainda, a municípios de pequeno porte, com indicadores sociais negativos, no interior da Bahia, Pernambuco, e Ceará. O objetivo é estimular o desenvolvimento do capital humano e das cadeias produtivas locais, até da área rural. No interior do Rio Grande do Norte, por exemplo, analisamos apoio a pequenas queijarias locais, agregando valor à produção leiteira.
ISTOÉ - Um apoio mais efetivo não exigiria o afastamento da burocracia da sede do banco? Duncan - O BNDES atua muito como banco de segunda linha, e busca identificar os atores locais que podem interagir e trabalhar quase como se fossem agentes. Por isso, vamos abrir mais de 20 postos avançados, em vários Estados, com associações comerciais e industriais, e um representante da comunidade, que faz a parceria com o BNDES. Quer dizer: não estamos isolados em um gabinete refrigerado. O banco também tem um fundo social, mantido com parcela de seu lucro e aplicado em algumas ONGs e prefeituras. Aí o objetivo é trabalhar com questões sociais de grande repercussão, como atendimento à criança pobre cardiopata, à criança com câncer, além de proporcionar financiamento à educação rural e à escola pública, em geral.
ISTOÉ - As elites, especialmente o empresariado, continuam alheias ao problema da miséria? Duncan - Não há uma resposta na dimensão que a sociedade precisa, mas creio que começa a haver uma mudança de comportamento do empresário. As pessoas começam a entender que o papel social para a diminuição da miséria não cabe só ao Estado, mas ao Estado e à comunidade, às suas lideranças empresariais, às suas elites. Passamos a exigir das grandes empresas que recebem financiamento do banco que também cumpram um papel social. Em 2001, concedemos R$ 55 milhões para que essas empresas invistam no social.
ISTOÉ - O aporte financeiro a grandes empresas, como os R$ 284 bilhões destinados à Globocabo, não afeta as metas sociais do banco? Duncan - Uma coisa não anula, necessariamente, a outra. O Brasil ainda precisa que o BNDES garanta apoio a grandes empresas, e também aí ocorre um apoio indireto ao social. Temos de evitar o desemprego em todos os segmentos.
O "S" do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) passou anos como mero penduricalho de marketing do Banco. Em 1982, quando o chamado "milagre econômico" apresentava sinais de falência, o governo decidiu dar um estímulo aos políticos que o apoiavam. Mudou a sigla do BNDE para BNDES. Pura apelação política. O 'social' ficou mofando durante anos e anos. No governo Collor acabou virando mero apêndice da sigla, ao ser extinta a área social do banco. Em 1996, ela foi recriada, novamente para inglês ver, recebendo uma verba irrisória de R$ 200 milhões em 1997. Agora, bons ventos estão soprando naquele edifício luxuoso que sedia o Banco no Rio de Janeiro: neste ano, seus recursos crescem para R$ 1,1 bilhão. Não é grande coisa diante da tragédia social do País. Mas é um bom começo, conduzido pelo superintendente Pedro Gomes Duncan. Ele diz que vai usar a verba no combate a "indicadores sociais que provocam constrangimento". Duncan, 25 anos de banco e 50 de idade, reconhece: "Em certos projetos sociais, o BNDES entrou com atraso". E ele está correndo atrás desse atraso. O engenheiro Duncan fez algo inusitado lá dentro: subiu as favelas da Maré e da Rocinha, entre outras, para acompanhar os projetos que têm financiamento da entidade.
"Aprendemos com os erros dos outros países e com os empreendedores das favelas", diz. Nesta entrevista a ISTOÉ, o superintendente do "S" do Banco reconhece que o Brasil é de um atraso vergonhoso nesta área, que só adotou alguns projetos sociais depois da Colômbia e da Bolívia, e é preciso reverter o jogo. A boa notícia: o apoio da carteira social do BNDES, ele diz, não faz distinção entre prefeituras de quaisquer partidos políticos. "O PT é um dos partidos que têm mais municípios beneficiados pelos recursos do BNDES para a modernização tributária", afirma.
ISTOÉ - Quase 50 anos após sua criação, a área social ainda não é uma prioridade de fato para o BNDES ... Pedro Gomes Duncan - O novo planejamento estratégico do BNDES estabelece algumas prioridades básicas. Por exemplo: urgência na redução das desigualdades sociais e regionais, com a garantia, por exemplo, da manutenção e geração de emprego. Há 52 anos, quando ele foi criado, a situação do Brasil era realmente outra. Exigia grandes investimentos na indústria. Hoje, ele persegue os dois caminhos, mantendo o apoio à indústria. Mas no seu planejamento estratégico estimula as empresas a buscarem recursos no próprio mercado, reduzindo a participação do banco nos seus projetos. Cada vez mais incentivamos a busca de alternativas financeiras no mercado.
ISTOÉ - O que o banco está fazendo para diminuir o enorme problema social do País? Duncan - Estamos subindo as favelas da Maré, Rocinha, Rio das Pedras, do Rio; outras de São Paulo, do Nordeste, do Recife, Teresina, também as de Porto Alegre, e constatamos estes indicadores sociais com nossos próprios olhos. Os indicadores sociais do Brasil nos causam constrangimento. Em Teresina há 150 favelas, e precisamos mudar esta situação social. Temos que evitar o crescimento da pobreza e da miséria no Brasil, que já atingiram patamares muito preocupantes. Há uma população que precisa ser incluída no sistema educacional. Há uma evolução neste sentido, através de programas como o bolsa-escola e o bolsa-alimentação, e são necessários, ainda, programas de saúde e de saneamento. A estabilidade econômica não depende só da garantia da moeda. É preciso, também, uma redução efetiva da pobreza e da miséria.
ISTOÉ - O "S" da sigla no Banco tem sido tão insignificante que na maioria das vezes entra com letra minúscula (BNDEs) nas menções que são feitas à instituição. Duncan - Estamos procurando fortalecer o "S". Há necessidade de programas de recuperação de trabalho e de oportunidades perdidas que estão sendo desenvolvidos. Damos ênfase à educação, que tem um papel cada vez mais importante tanto na profissionalização propriamente dita como na recuperação do emprego. É preciso, ainda, levar em conta a importância de se evitar a evasão. Por isso a alimentação tem de ser garantida aos alunos do ensino fundamental que estão iniciando sua vida escolar. O próprio desenvolvimento do aluno e do homem depende de uma alimentação adequada. A evasão escolar é um dos pontos que não podem mais ser ignorados quando se fala em política social. Não basta falar em saneamento, que também procuramos apoiar por se tratar de um problema grave.
ISTOÉ - Qual é a estratégia do BNDES para o desenvolvimento social? Duncan - Temos de pensar no desenvolvimento social na perspectiva de um banco público que é um ente financiador. Mas o "S" também devia estar presente, e muitas vezes esteve, na perspectiva da sua antiga atuação tradicional, quando financiava uma indústria, apoiava a instalação de uma empresa numa região que precisava de mais empregos.
ISTOÉ - Qual a diferença do banco criado há quase 50 anos e hoje? Duncan - Ele surgiu, em 1952, criado pelo então presidente Getúlio Vargas, para fomentar o desenvolvimento da indústria brasileira, financiar a infra-estrutura. Naquela época, o Brasil era considerado um país basicamente agrícola, e era preciso criar uma indústria de base que sustentasse o desenvolvimento. Agora, sem abandonar o apoio ao desenvolvimento, o banco tem de ter um forte foco para o apoio à área social, à pequena, média e microempresa. Por isso, recentemente foi recriada a área de desenvolvimento social. Temos, então, de pensar de que forma a entidade pode trabalhar como ente financiador, atuando em parceria com ministérios vinculados a questões sociais. Passou a haver mais ênfase para financiar segmentos empregadores de mão-de-obra.
ISTOÉ - Dos recursos do banco, qual o porcentual destinado à área social? Duncan - Creio que, concretamente, o porcentual não é tão relevante, e poderia até dar uma impressão falsa do que se procura fazer. Hoje podemos falar de um orçamento global de R$ 1,1 bilhão para 2002. Se imaginarmos que o orçamento foi de R$ 200 milhões em 1997, já podemos constatar um grande progresso.
ISTOÉ - Diante da miséria do País, R$ 1,1 bilhão não é pouco? Duncan - O ideal seria que o País tivesse mais recursos. Mas quando nos referimos a este valor estamos falando de orçamento de desembolso. A carteira da área social é hoje de quase R$ 4 bilhões, entre operações contratadas, aprovadas e em análise. As operações de desembolso são aquelas que o banco contrata e desembolsa, libera recursos no exercício de 2002, enquanto as da carteira constituem um volume que eu já liberei e tenho ainda a liberar até 2003, por exemplo. Ou seja: é um conjunto dos projetos atuais.
ISTOÉ - Não há perspectiva de aumento destes recursos? Duncan - A sociedade cobra cada vez mais. A área social é a que tem maior crescimento no planejamento para 2005. A meta para 2005 é de R$ 5 bilhões.
ISTOÉ - Quais áreas sociais o banco tem financiado? Duncan - O banco concede microcrédito a pequenos empreendedores de áreas carentes, como favelas, porque é preciso mudar o perfil social. Por exemplo: através do programa de modernização da arrecadação tributária, que exerce um papel para melhorar o desempenho financeiro da prefeitura de um município do interior e tornar disponíveis os recursos para a área social.
ISTOÉ - O Banco Mundial defende a adoção de projetos que tenham a participação das comunidades carentes. Isso já começou a ser feito pelo BNDES? Duncan - Temos um projeto com a participação de diversos segmentos da sociedade para que as pessoas tenham a preocupação com a sua manutenção e com o dinheiro nele empregado. Envolve regiões degradadas, normalmente na periferia de centros urbanos. Procuramos evitar os planos isolados do passado realizando uma ação conjunta nas áreas de saúde, de saneamento, de trabalho e renda, inclusive a regularização fundiária.
ISTOÉ - A prioridade é para quais regiões? Duncan - Praticamente para todas, por causa das desigualdades sociais. Eu destacaria o projeto que está sendo aplicado em Teresina, entre os quatro projetos contratados, porque a capital do Piauí é uma das que apresentam índices sociais mais baixos. Encontramos lá 155 favelas em situação de extrema pobreza e procuramos transformá-las em bairros. Mas adotamos projetos semelhantes em Curitiba, em Vitória, e vamos realizá-los em Petrolina, Campo Grande e Xapuri, no Acre. Procuramos reduzir a pobreza e a miséria e inibir o êxodo da população para o Sul e Sudeste. Ainda temos mais 15 projetos em fase de análise. O banco também financia entidades filantrópicas, as Santas Casas, responsáveis pelo atendimento de 30% da população brasileira.
ISTOÉ - Como é o relacionamento do banco com as favelas? Duncan - Primeiro nós criamos o programa de crédito produtivo popular, que tinha por meta buscar de um canal de distribuição para os recursos do banco e canalizar recursos para o pequeno empreendedor. A resposta foi positiva. Eles cumprem os compromissos assumidos, e hoje há 32 instituições que operam em nome do banco e oferecem este crédito. O programa começou com as organizações não governamentais.
ISTOÉ - Como as microinstituições financeiras se articulam com as comunidades? Duncan - Estrategicamente, o lado fraco destas ONGs é o das doações, das quais elas dependem. Mas se dependemos, neste programa, de instituições microfinanceiras, é importante que elas tenham acesso aos recursos do mercado. Por isso foi necessário criar a Sociedade de Crédito ao Microempreendedor. Neste sistema atuam 28 ONGs e três sociedades de crédito. No ano passado houve 100 mil operações de crédito a pequenos produtores, com uma média de R$ 1,1 mil a cada um, sempre renovável, que contemplou 90% do setor informal da economia, portanto, produtores sem empresas registradas. Mais de 90% dos recursos são destinados ao capital de giro.
ISTOÉ - Qual a taxa de juros cobrada no microcrédito? Duncan - É um empréstimo com juros que variam de 2,5% a 4% ao mês, mas na hora em que se avaliam os resultados dos negócios o valor dos juros não tem muito significado. Os clientes são bons pagadores e os créditos são renovados automaticamente. Um dos indicadores de bom desempenho de instituições de microfinanças é o porcentual de renovação do crédito. Há microempresas que já estão no décimo crédito.
ISTOÉ - Cidades de pequeno porte podem recorrer ao banco? Duncan - Estamos iniciando um projeto de desenvolvimento local, ou seja, subindo não só os morros onde estão as favelas do Rio, mas indo a outras de diversos Estados. Vamos, ainda, a municípios de pequeno porte, com indicadores sociais negativos, no interior da Bahia, Pernambuco, e Ceará. O objetivo é estimular o desenvolvimento do capital humano e das cadeias produtivas locais, até da área rural. No interior do Rio Grande do Norte, por exemplo, analisamos apoio a pequenas queijarias locais, agregando valor à produção leiteira.
ISTOÉ - Um apoio mais efetivo não exigiria o afastamento da burocracia da sede do banco? Duncan - O BNDES atua muito como banco de segunda linha, e busca identificar os atores locais que podem interagir e trabalhar quase como se fossem agentes. Por isso, vamos abrir mais de 20 postos avançados, em vários Estados, com associações comerciais e industriais, e um representante da comunidade, que faz a parceria com o BNDES. Quer dizer: não estamos isolados em um gabinete refrigerado. O banco também tem um fundo social, mantido com parcela de seu lucro e aplicado em algumas ONGs e prefeituras. Aí o objetivo é trabalhar com questões sociais de grande repercussão, como atendimento à criança pobre cardiopata, à criança com câncer, além de proporcionar financiamento à educação rural e à escola pública, em geral.
ISTOÉ - As elites, especialmente o empresariado, continuam alheias ao problema da miséria? Duncan - Não há uma resposta na dimensão que a sociedade precisa, mas creio que começa a haver uma mudança de comportamento do empresário. As pessoas começam a entender que o papel social para a diminuição da miséria não cabe só ao Estado, mas ao Estado e à comunidade, às suas lideranças empresariais, às suas elites. Passamos a exigir das grandes empresas que recebem financiamento do banco que também cumpram um papel social. Em 2001, concedemos R$ 55 milhões para que essas empresas invistam no social.
ISTOÉ - O aporte financeiro a grandes empresas, como os R$ 284 bilhões destinados à Globocabo, não afeta as metas sociais do banco? Duncan - Uma coisa não anula, necessariamente, a outra. O Brasil ainda precisa que o BNDES garanta apoio a grandes empresas, e também aí ocorre um apoio indireto ao social. Temos de evitar o desemprego em todos os segmentos.