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Chuva traz lições de solidariedade

Por O Povo    16 de abril de 2002
Durante o temporal da semana passada, os moradores do Lagamar lançaram mão da solidariedade para amenizar as dificuldades

''Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos... (Trecho da poesia Tecendo a Manhã, de João Cabral de Melo Neto)

É assim que segue a comunidade do Lagamar: tecendo, em conjunto, as manhãs de sol depois do temporal da semana passada que alagou as casas e levou embora pertences, memórias de família e muitos objetos, por vezes, adquiridos em anos de trabalho. O bairro, agora, conta a história de muitas pessoas que se dispuseram a sair do seu próprio desespero e ajudar outros mais necessitados.

Um exemplo é o catequista Rozinaldo Gomes, 24 anos, que fez ''plantão'' de ajuda no dia do temporal e continuou auxiliando os vizinhos na arrumação da vida, depois das chuvas. ''No dia da enchente, a minha casa começou a alagar. A minha mãe ficou com muito medo. Mas eu via o pessoal passando com sofá, televisão, no meio de toda aquela água. Resolvi sair para levar os móveis das pessoas para outras casas que tinham menos água. Tinha uma senhora que tava com água na cintura em casa, ela chorava muito pedindo para que levassem ela para o santuário. Junto com uns amigos, conseguimos levar'', conta.

Outro catequista do bairro, Emanuel Costa Maranhão, 18, também passou o final de semana carregando móveis de uma moradia para outra, limpando a igreja com Rozinaldo e quatro jovens da área. ''As pessoas daqui são muito unidas. Tem gente que nem se fala, mas, no dia da chuva, começou a se falar para prestar ajuda'', diz Emanuel, que trouxe também muitos móveis de vizinhos para o próprio lar casa. ''A minha casa não ficou alagada e fizemos muitas mudanças para cá. No lado da ponte, tinha água na cintura. A gente tinha que nadar. Todo mês de abril é esse desespero e até agora nada foi feito'', diz.

Dona Francisca Pereira Santiago, 65 anos, também não esperou que a ajuda viesse de fora. Ficou conhecida por levar muitos móveis para a sua moradia, aguardando as águas da chuva baixarem para auxiliar nas mudanças. ''Veio um bocado de coisa para cá porque a minha casa não alagou. O pessoal veio pedir para ajudar e eu abri a casa. Era cadeira, televisão, bicicleta e o que aparecesse'', diz. ''Ainda tem coisa lá. Aqui todo mundo ficou até de madrugada da quinta e no outro dia prestando ajuda. Ninguém ficou sentado. Todo mundo se ajudou'', completa a filha Edenira Santiago.

O trabalho, na comunidade, continuou durante todo o final de semana. Muita gente se engajou na limpeza das ruas, na acomodação dos vizinhos em seus lares e na colocação dos objetos, estragados pela chuva, no lixo. São cenas de pessoas provando que nem sempre as mudanças começam por grandes ações - podem iniciar na fronteira entre o interesse individual e o coletivo, através de pequenos gestos. Ações de solidariedade, ensinando que estamos todos numa comunidade universal. E que tudo tem a ver com todos, sempre.

Representantes do Fórum das Áreas de Risco estiveram visitando a comunidade do Capim, no Genibaú, durante a manhã de ontem. Há um ano, o Fórum acompanha essa comunidade, que vive às margens do rio Siqueira. Formado, em 2000, por lideranças comunitárias, organizações não governamentais e entidades religiosas, o Fórum pretende avaliar o trabalho do poder público nas 79 áreas de risco em Fortaleza. A próxima reunião do Fórum, hoje à 14 h, vai tratar do planejamento de decisões para cobrar ações do poder público.



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