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Organizações da sociedade civil: uma nova forma de intervenção e mudança social
Por Academia de Desenvolvimento Social    17 de abril de 2002
O mundo contemporâneo passou por transformações no ultimo século, que talvez
possam ser consideradas mais significativas do que as transformações
ocorridas em todos os outros séculos que o precederam, tanto em termos
qualitativos quanto quantitativos. As mudanças ocorreram em todos os campos
de nossa sociedade, quer seja no tecnológico, laboral, familiar,
filosófico-existencial, econômico, político e social. Nos três últimos
campos, a mudança foi particularmente muito profunda. Passemos a discorrer
um pouco sobre elas e o relacionamento que as mesmas guardam com as
organizações da sociedade civil.
Um dos grandes marcos para a transformação da sociedade contemporânea foi a queda do muro de Berlim, o aparente fim da guerra fria e da polarização do mundo em capitalista e comunista. A partir desse fato, o fenômeno e ideologia neoliberal ganharam mais força e influência. Os conceitos de "liberdade" e "individualismo" se consolidaram como a verdadeira saída para os sistemas políticos e econômicos da maioria dos países. Passou a imperar o que alguns sociólogos, como Milton Santos, chamam de "pensamento único". O pensamento único é esse conjunto de valores e condutas político-econômicas que devem ser seguidos, em primeira instância, pelos países, e pelos cidadãos individualmente, em segunda instância, para que se possa chegar em um nível de "desenvolvimento" que outros sistemas político-sociais não são/foram capazes de proporcionar. A globalização, como nós a conhecemos hoje, dava seus primeiros passos.
Até há pouco tempo, as organizações da sociedade civil (OSC) não existiam nem atuavam como o fazem hoje. Por mais amplos que esses conceitos e mudanças possam ser analisadas, seria prudente verificar como essas mudanças atingiram essas organizações. Sabemos que durante a existência da guerra fria e dos regimes ditatoriais na América Latina, e mais precisamente no Brasil (1964-1984), as OSC tinham uma posição bastante diferente do que possuem hoje. Muitas delas, à época serviam de máscara ou disfarce para dissidentes políticos que de alguma forma tentavam se contrapor ao regime militar. Tinham, portanto, uma conotação muito mais político-ideológica. A sua forma de atuação ficava primordialmente condicionada a ajuda dos organismos internacionais e do Estado centralizado. Com a mudança de perspectiva e o aparecimento do pensamento único, a sociedade se modificou e com ela, as OSC. A crença em reformas sociais e soluções coletivas havia desmoronado. Entidades que continham ao menos a perspectiva de durabilidade, como a família, tornaram-se voláteis e inseguras. A militância política virou coisa do passado e o ativismo social da hora, por meio das OSC, funciona(va) como a soma de individualismos. Como não mais era possível uma mudança estrutural e mais ampla na sociedade, estariam eles mudando e transformando uma pequena comunidade ou região onde atuassem. Elas começaram a cambiar de uma conotação mais política para uma mais profissional, organizacional. Conceitos e condutas oriundas do mundo mercadológico (missão, visão, valores, planejamento estratégico, entre outros) foram incorporados à vida e a atuação das OSC. O professor Fernando Tenório talvez tenha levantado uma questão bastante atual e coerente ao colocar que as algumas OSC estavam reproduzindo não somente as técnicas de gestão das organizações mercadológicas, mas, também, em alguma porção, seus valores.
O cenário é outro, e outro é também a maneira de intervenção e tentativa de mudança na sociedade. As OSC têm papel fundamental nessa nova realidade. Quer seja porque defendem os valores de uma outra sociedade mais humanizada, quer pela real mudança que proporcionam na vida de pessoas e principalmente por levarem uma concepção mais cidadã para a comunidade da qual faz parte. Elas materializam a mudança social vinda de suas entranhas, de seu bojo, do seu interior. Essa é a diferença política para a época passada. E é por isso que as organizações da sociedade civil são organizações primordialmente, políticas. Entretanto, por mais eficazes que elas possam ser, o máximo que irão conseguir é a transformação da localidade em que estão inseridas. O grande desafio que se descortina é a tentativa de uma unificação desse movimento social em uma esfera mais ampla, mantendo-se, entretanto, as suas características locais. Uma tentativa de uma cooperação mais abrangente, com a preservação das identidades locais. A incorporação de um valor em cada uma delas, em cada uma de suas missões deve ser concretizada, o de que cada uma delas faz parte de um movimento maior, e de que não adianta a consecução de sua missão individual se tantas outras não forem atingidas.
Apesar de tantos problemas, temos tido alguns sinais de que isso vem acontecendo. O fórum social mundial talvez seja o movimento mais representativo dessa tentativa de cooperação e unificação entre as organizações e movimentos dos mais diversos segmentos da sociedade.
(*) Mauricio Bernardino Gonçalves é bacharel em Administração de Empresas pela UPE/FESP (Universidade de Pernambuco/ Fundação de Ensino Superior de Pernambuco) e iniciou no ano passado o curso de Ciências Sociais pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
Um dos grandes marcos para a transformação da sociedade contemporânea foi a queda do muro de Berlim, o aparente fim da guerra fria e da polarização do mundo em capitalista e comunista. A partir desse fato, o fenômeno e ideologia neoliberal ganharam mais força e influência. Os conceitos de "liberdade" e "individualismo" se consolidaram como a verdadeira saída para os sistemas políticos e econômicos da maioria dos países. Passou a imperar o que alguns sociólogos, como Milton Santos, chamam de "pensamento único". O pensamento único é esse conjunto de valores e condutas político-econômicas que devem ser seguidos, em primeira instância, pelos países, e pelos cidadãos individualmente, em segunda instância, para que se possa chegar em um nível de "desenvolvimento" que outros sistemas político-sociais não são/foram capazes de proporcionar. A globalização, como nós a conhecemos hoje, dava seus primeiros passos.
Até há pouco tempo, as organizações da sociedade civil (OSC) não existiam nem atuavam como o fazem hoje. Por mais amplos que esses conceitos e mudanças possam ser analisadas, seria prudente verificar como essas mudanças atingiram essas organizações. Sabemos que durante a existência da guerra fria e dos regimes ditatoriais na América Latina, e mais precisamente no Brasil (1964-1984), as OSC tinham uma posição bastante diferente do que possuem hoje. Muitas delas, à época serviam de máscara ou disfarce para dissidentes políticos que de alguma forma tentavam se contrapor ao regime militar. Tinham, portanto, uma conotação muito mais político-ideológica. A sua forma de atuação ficava primordialmente condicionada a ajuda dos organismos internacionais e do Estado centralizado. Com a mudança de perspectiva e o aparecimento do pensamento único, a sociedade se modificou e com ela, as OSC. A crença em reformas sociais e soluções coletivas havia desmoronado. Entidades que continham ao menos a perspectiva de durabilidade, como a família, tornaram-se voláteis e inseguras. A militância política virou coisa do passado e o ativismo social da hora, por meio das OSC, funciona(va) como a soma de individualismos. Como não mais era possível uma mudança estrutural e mais ampla na sociedade, estariam eles mudando e transformando uma pequena comunidade ou região onde atuassem. Elas começaram a cambiar de uma conotação mais política para uma mais profissional, organizacional. Conceitos e condutas oriundas do mundo mercadológico (missão, visão, valores, planejamento estratégico, entre outros) foram incorporados à vida e a atuação das OSC. O professor Fernando Tenório talvez tenha levantado uma questão bastante atual e coerente ao colocar que as algumas OSC estavam reproduzindo não somente as técnicas de gestão das organizações mercadológicas, mas, também, em alguma porção, seus valores.
O cenário é outro, e outro é também a maneira de intervenção e tentativa de mudança na sociedade. As OSC têm papel fundamental nessa nova realidade. Quer seja porque defendem os valores de uma outra sociedade mais humanizada, quer pela real mudança que proporcionam na vida de pessoas e principalmente por levarem uma concepção mais cidadã para a comunidade da qual faz parte. Elas materializam a mudança social vinda de suas entranhas, de seu bojo, do seu interior. Essa é a diferença política para a época passada. E é por isso que as organizações da sociedade civil são organizações primordialmente, políticas. Entretanto, por mais eficazes que elas possam ser, o máximo que irão conseguir é a transformação da localidade em que estão inseridas. O grande desafio que se descortina é a tentativa de uma unificação desse movimento social em uma esfera mais ampla, mantendo-se, entretanto, as suas características locais. Uma tentativa de uma cooperação mais abrangente, com a preservação das identidades locais. A incorporação de um valor em cada uma delas, em cada uma de suas missões deve ser concretizada, o de que cada uma delas faz parte de um movimento maior, e de que não adianta a consecução de sua missão individual se tantas outras não forem atingidas.
Apesar de tantos problemas, temos tido alguns sinais de que isso vem acontecendo. O fórum social mundial talvez seja o movimento mais representativo dessa tentativa de cooperação e unificação entre as organizações e movimentos dos mais diversos segmentos da sociedade.
(*) Mauricio Bernardino Gonçalves é bacharel em Administração de Empresas pela UPE/FESP (Universidade de Pernambuco/ Fundação de Ensino Superior de Pernambuco) e iniciou no ano passado o curso de Ciências Sociais pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).