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Primeiro emprego com dignidade
Por Jornal Valor    17 de abril de 2002
O Brasil, cuja Constituição estabelece a idade mínima para o trabalho aos 16
anos, tem recebido críticas de alguns setores pela suposta severidade dessa
restrição, que seria inadequada à realidade do país. Entretanto, além de
conforme aos padrões trabalhistas internacionais, a lei brasileira
apropriadamente permite o trabalho do adolescente, a partir dos 14 anos, se
realizado no âmbito de um programa de aprendizagem profissional.
Com a recente regulamentação da lei 10.097/00, que moderniza o texto legal que trata da aprendizagem profissional, surge uma grande oportunidade para que nossos adolescentes tenham condições de se introduzir no mundo do trabalho de maneira digna, com seus direitos garantidos e sem a necessidade de abandonar a escola. Fazer disso uma realidade é obrigatório nas políticas corporativas de responsabilidade social.
A aprendizagem profissional consiste em duas etapas, uma teórica e outra prática. A teórica pode ser realizada no âmbito das organizações do Sistema "S" (Senac, Senai, Senar, Senat), ou - uma inovação da lei - também nas ONGs e escolas técnicas. A etapa prática desenvolve-se na empresa, com atividades supervisionadas e em ambiente apropriado ao adolescente. O programa, somadas as etapas, não pode ultrapassar dois anos.
O primeiro passo para uma empresa desenvolver um programa de aprendizagem é estabelecer parceria com uma organização social que lide com o tema. A concepção do programa pode ser feita conjuntamente, adequando-se as competências e interesses das duas instituições. Os melhores programas nessa área abandonaram o antigo conceito da "aprendizagem para um ofício" e orientam-se pelas características atuais do mercado, que exige profissionais generalistas, capazes de tomar decisões e se relacionar num ambiente de trabalho.
A contratação do aprendiz pode ser feita pela empresa ou diretamente pela organização social, no caso da empresa não desejar assumir diretamente os encargos trabalhistas. A organização se responsabiliza pela seleção dos aprendizes e pela formação teórica; a empresa, pela realização e supervisão das atividades práticas. O aprendiz tem direito a salário-mínimo hora, deve estar matriculado na escola e sua carga horária não pode ultrapassar seis horas diárias. A alíquota de FGTS a ser recolhida é de 2%, um estímulo à contratação.
Estima-se que hoje 4 milhões de adolescentes entre 14 e 17 anos trabalhem no mercado informal brasileiro, submetidos a diversas situações de risco que prejudicam seu desempenho escolar, quando não impossibilitam sua freqüência à escola. A aprendizagem profissional, se adotada pelas empresas de todos os portes, daria a uma grande parte destes jovens um começo de vida produtiva digno.
Já é tempo da sociedade tratar com mais atenção a iniciação profissional dos nossos jovens. Para que a oportunidade prevista na lei se efetive, além do investimento das empresas, é preciso que as ONGs que trabalham com o tema se preparem para atender à demanda do setor privado por programas profissionalizantes de qualidade. E que os governos sejam capazes de orientar, fiscalizar e disseminar esses programas, se utilizando de uma abordagem educativa, ao invés de meramente repressiva.
Vale lembrar que projetos de profissionalização de adolescentes representam um duplo benefício para o caso de adolescentes em situação de risco ou que tenham se envolvido em conflito com a lei. Além de prevenir seu aliciamento por criminosos, podem também ajudar na recuperação daqueles que se encontram em medida de liberdade assistida por terem praticado algum ato infracional.
Ao empresariado, cabe a iniciativa de identificar organizações parceiras que possam contribuir na implantação de programas de aprendizagem na empresa, muitas vezes locados no setor de recursos humanos, mas também com a perspectiva de que se torne um projeto social dentro da empresa, o que significaria um passo maior. Levantar o perfil da população de jovens na comunidade, envolver as escolas locais com uma proposta de formação profissional, inclusive como parceira na identificação e acompanhamento dos possíveis aprendizes, atrair essa moçada para participar de processo seletivo e, finalmente, ter uma proposta de fato interessante e consistente.
Pode parecer muito, mas é muito pouco tendo em vista o esforço das organizações em adequar-se a novos modelos de gestão e em conquistar novos mercados. É somente um desafio a mais, entre os tantos que todos temos de enfrentar na construção de um novo - e urgente - país.
Helio Mattar é presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente e do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente.
E-mail: colunista@valor.com.br
Com a recente regulamentação da lei 10.097/00, que moderniza o texto legal que trata da aprendizagem profissional, surge uma grande oportunidade para que nossos adolescentes tenham condições de se introduzir no mundo do trabalho de maneira digna, com seus direitos garantidos e sem a necessidade de abandonar a escola. Fazer disso uma realidade é obrigatório nas políticas corporativas de responsabilidade social.
A aprendizagem profissional consiste em duas etapas, uma teórica e outra prática. A teórica pode ser realizada no âmbito das organizações do Sistema "S" (Senac, Senai, Senar, Senat), ou - uma inovação da lei - também nas ONGs e escolas técnicas. A etapa prática desenvolve-se na empresa, com atividades supervisionadas e em ambiente apropriado ao adolescente. O programa, somadas as etapas, não pode ultrapassar dois anos.
O primeiro passo para uma empresa desenvolver um programa de aprendizagem é estabelecer parceria com uma organização social que lide com o tema. A concepção do programa pode ser feita conjuntamente, adequando-se as competências e interesses das duas instituições. Os melhores programas nessa área abandonaram o antigo conceito da "aprendizagem para um ofício" e orientam-se pelas características atuais do mercado, que exige profissionais generalistas, capazes de tomar decisões e se relacionar num ambiente de trabalho.
A contratação do aprendiz pode ser feita pela empresa ou diretamente pela organização social, no caso da empresa não desejar assumir diretamente os encargos trabalhistas. A organização se responsabiliza pela seleção dos aprendizes e pela formação teórica; a empresa, pela realização e supervisão das atividades práticas. O aprendiz tem direito a salário-mínimo hora, deve estar matriculado na escola e sua carga horária não pode ultrapassar seis horas diárias. A alíquota de FGTS a ser recolhida é de 2%, um estímulo à contratação.
Estima-se que hoje 4 milhões de adolescentes entre 14 e 17 anos trabalhem no mercado informal brasileiro, submetidos a diversas situações de risco que prejudicam seu desempenho escolar, quando não impossibilitam sua freqüência à escola. A aprendizagem profissional, se adotada pelas empresas de todos os portes, daria a uma grande parte destes jovens um começo de vida produtiva digno.
Já é tempo da sociedade tratar com mais atenção a iniciação profissional dos nossos jovens. Para que a oportunidade prevista na lei se efetive, além do investimento das empresas, é preciso que as ONGs que trabalham com o tema se preparem para atender à demanda do setor privado por programas profissionalizantes de qualidade. E que os governos sejam capazes de orientar, fiscalizar e disseminar esses programas, se utilizando de uma abordagem educativa, ao invés de meramente repressiva.
Vale lembrar que projetos de profissionalização de adolescentes representam um duplo benefício para o caso de adolescentes em situação de risco ou que tenham se envolvido em conflito com a lei. Além de prevenir seu aliciamento por criminosos, podem também ajudar na recuperação daqueles que se encontram em medida de liberdade assistida por terem praticado algum ato infracional.
Ao empresariado, cabe a iniciativa de identificar organizações parceiras que possam contribuir na implantação de programas de aprendizagem na empresa, muitas vezes locados no setor de recursos humanos, mas também com a perspectiva de que se torne um projeto social dentro da empresa, o que significaria um passo maior. Levantar o perfil da população de jovens na comunidade, envolver as escolas locais com uma proposta de formação profissional, inclusive como parceira na identificação e acompanhamento dos possíveis aprendizes, atrair essa moçada para participar de processo seletivo e, finalmente, ter uma proposta de fato interessante e consistente.
Pode parecer muito, mas é muito pouco tendo em vista o esforço das organizações em adequar-se a novos modelos de gestão e em conquistar novos mercados. É somente um desafio a mais, entre os tantos que todos temos de enfrentar na construção de um novo - e urgente - país.
Helio Mattar é presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente e do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente.
E-mail: colunista@valor.com.br