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Quem primeiro tem de se apropriar do investimento social é a comunidade

Por Jornal Valor - Léo Voigt e Rebecca Raposo   29 de abril de 2002
Originariamente assistencialista, a ação social das organizações empresariais brasileiras observa uma substancial mudança no final da década de 80 e, com maior ênfase, início dos anos 90. É nesse período que o envolvimento das empresas com a área social começa a ser feito de maneira estratégica e a ganhar a dimensão que tem hoje.

Essa guinada é derivada das profundas transformações no cenário político-social e no mercado brasileiro. A Constituição de 88, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código do Consumidor, apenas para exemplificar, revitalizaram a sociedade civil organizada e possibilitaram ao brasileiro ser um cidadão muito mais consciente e exigente.

Dentro deste contexto de mudança, diversos termos têm sido utilizados para definir essa maneira de o setor privado se envolver com a área social. Filantropia empresarial, cidadania empresarial e empresa-cidadã estão entre eles e, freqüentemente, são usados como sinônimos. A trajetória de 11 anos levou o Gife a optar pela utilização de dois conceitos para definir e diferenciar a ação das empresas nessa área: responsabilidade social empresarial e investimento social privado.

A responsabilidade social diz respeito ao processo de gestão empresarial propriamente dito. É uma forma de conduzir os negócios da empresa de tal maneira que a torna parceira e co-responsável pelo desenvolvimento social, na clara conceituação desenvolvida pelo Instituto Ethos e adotada pelo Gife. Ao observar os vários preceitos éticos da responsabilidade social na relação com seus públicos, a empresa está buscando estabelecer um ambiente favorável ao seu posicionamento de mercado.

Portanto, se tomarmos como base de análise a origem e o fim dos recursos, no processo de responsabilidade social empresarial temos nitidamente o uso de recursos privados para fins privados. É evidente que este modelo de gestão corporativa, quando realizado observando-se os princípios éticos, beneficia direta e indiretamente a sociedade.

Existe um aspecto da responsabilidade social que obedece a outra lógica: o investimento na comunidade, que o Gife denomina de investimento social privado. Ele é o uso planejado, monitorado e voluntário de recursos privados em projetos de interesse público. Aqui, temos o uso de recursos privados para fins públicos.

Já em 1995, o Gife explicitava em seu Código de Ética a diferença entre o investimento social privado e a observância dos outros itens da responsabilidade social. Diz o texto que "os conceitos e a prática do investimento social defendidos pelo Gife derivam da consciência da responsabilidade e da reciprocidade para com a sociedade, assumida livremente por empresas, fundações ou institutos associados (...) e são de natureza distinta e não devem ser confundidas nem usadas como ferramentas de comercialização de bens tangíveis e intangíveis (fins lucrativos) por parte da empresa mantenedora, como são, por exemplo, marketing, promoção de vendas ou patrocínio, bem como políticas e procedimentos de recursos humanos".

O mesmo código, porém, afirma que "é justo que o associado do Gife espere, como um subproduto de um investimento social com êxito, um maior valor agregado para sua imagem". Por que o ganho de imagem como subproduto? Se a motivação original da empresa é se relacionar com a área social na perspectiva de ao fazer o bem, melhorar sua imagem e, portanto, ampliar seu lucro, ela não está praticando uma ação de investimento social privado. Isso porque, quem primeiro tem de se apropriar do investimento social é a comunidade para o qual os recursos foram destinados. Essa clareza é fundamental, pois os elementos constitutivos e metodológicos do investimento social privado são de natureza muito distinta das ações mercadológicas.

É justamente para aprofundar o debate dessas questões que o Gife realiza, de 24 a 26 de abril, o II Congresso Nacional sobre Investimento Social Privado. Um encontro dessa magnitude só é possível porque os empresários brasileiros vêm percebendo que é inconciliável, tanto do ponto de vista ético, como dos negócios, um cenário social em que coabitam empresas saudáveis e em crescimento, inseridas em uma sociedade enferma, com um fosso cada vez maior a separar cidadãos ricos e pobres.

Para que a sociedade possa reconhecer plenamente o caráter público das ações sociais das empresas é fundamental que elas estejam em consonância com as políticas públicas adotadas no país e que tenhamos clareza dos conceitos e das práticas adotadas. Essas são condições necessárias para se obter esse reconhecimento também por parte do estado, de quem reivindicamos a concessão de incentivos fiscais, não como privilégio a um setor, mas como parte de uma política pública de desenvolvimento social.



Léo Voigt é presidente do Gife e Rebecca Raposo é diretora-executiva do Gife

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