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Adolescentes começam a beber cada vez mais cedo

Por Jornal do Brasil - http://www.jb.com.br/ - FLORENÇA MAZZA   1 de maio de 2002
Cerca de 20% dos participantes de reuniões dos Alcoólicos Anônimos são jovens

Rio - O número de jovens que freqüentam reuniões dos Alcoólicos Anônimos (AA) no Rio vem crescendo nos últimos cinco anos. Pelo menos 20% dos membros da entidade têm menos de 25 anos e boa parte deles começou a abusar da bebida ainda na adolescência. ''Temos recebido até pessoas que começaram a beber aos 10 anos'', contou um integrante do AA do Centro. A 1ª Vara da Infância e da Juventude, que, na madrugada de domingo fez uma blitz no shopping Downtown, na Barra da Tijuca, e flagrou 24 menores com bebidas alcoólicas, como publicou o Jornal do Brasil de ontem, vai incluir os principais shoppings nas fiscalizações de rotina do Juizado. ''Normalmente, nossas equipes vão a bailes funk, termas e boates GLS, mas percebemos que os shoppings também vêm apresentando problemas com menores e bebidas'', explicou Cássio Freire, comissário que coordenou a operação no Downtown.

Causas- Para outra integrante do AA, uma das maiores causas do número crescente de jovens nos grupos de recuperação é a falta de estrutura familiar. ''Hoje em dia as pessoa se separam com muita facilidade e deixam os filhos de lado. Os jovens começam a beber com 12, 13 anos. Aos 16 já estão freqüentando nossa reuniões'', afirma. O fácil acesso às bebidas alcoólicas também é apontado como um dos fatores determinantes neste aumento de jovens dependentes.

Psiquiatra e presidente do Conselho Estadual Antidrogas, Gerson Barbosa Hallais explica que a postura dos pais pode ser fundamental para que adolescentes entre 12 e 13 anos - idade na qual costuma acontecer o primeiro contato com o álcool - não venham a se tornar dependentes químicos.

''Nesta faixa etária acontece a queda do ídolo, ou seja, os jovens descobrem que seus pais não são aquelas figuras boas e perfeitas que idealizavam até então. Muitos recorrem ao álcool quando isto acontece'', observa Gerson, acrescentando que ''pais que bebem dentro de casa acabam suscitando ainda mais esta curiosidade em relação ao álcool, característica da idade''.

O psiquiatra ressalta que o diálogo é a única maneira que os pais têm de evitar que seus filhos tornem-se alcoólatras. ''Uma vez constatada a dependência, é preciso afastar a pessoa da droga e, paralelamente, fazer um trabalho de recuperação da auto-estima e fortalecimento da personalidade'', explica o especialista.

Coordenador do Núcleo de Pesquisas e Extensão em Álcool e outras Drogas da Universidade Gama Filho, o médico José Mauro Braz de Lima, especialista em dependência química, acha que o abuso da bebida por adolescentes é um problema subestimado pela sociedade. ''Todos estão muito mais preocupados com outros tipos de droga. A preocupação é justa, mas ninguém se dá conta de que o álcool está presente em pelo menos 50% dos casos de violência que envolvem jovens e em 7% dos acidentes automobilísticos com pessoas entre 18 e 25 anos'', explica.

Braz de Lima lamenta anda que, apesar de ser um problema de saúde pública, o alcoolismo e as drogas ainda não sejam tratados com a devida seriedade pelo poder público.

''Bebia para imitar meus pais''

Depois de ser alcoólatra e viciado, jovem funda associação para dependentes

''Já não conseguia fazer mais nada quando procurei ajuda. Meu único objetivo era chegar ao fim da tarde para poder começar a beber e a me drogar''. A declaração é de Marcelo da Rocha, 30 anos, hoje presidente da Associação dos Dependentes Químicos em Recuperação, uma entidade fundada em dezembro do ano passado que tem como objetivos recuperar a cidadania dos dependentes químicos. Marcelo conta que começou a beber em casa, quando tinha apenas 13 anos. ''Meus pais sempre beberam e, na televisão, todos tomavam um drinque para relaxar. Passei a beber para imitá-los'', lembra. Ele ressalta que a influência exercida pela sociedade contribuiu muito para sua dependência química. ''Me lembro que uma vez tive uma dor de dente e todos falavam que se eu tomasse cachaça com limão a dor passaria. Isso foi um fato muito marcante''.

Aos 15 anos, a bebida já era presença constante nas festas que freqüentava e nos encontros com os amigos. ''A primeira coisa que procurava quando chegava em um lugar era a bebida. À medida que o tempo passava, eu bebia mais e mais e não conseguia me divertir se não fosse desta forma'', conta Marcelo.

Ele lembra que, na época, seus pais reclamavam que ele estava abusando do álcool. ''Eles não gostavam do meu comportamento, mas também não achavam que era nada reprovável. Além disso, meu pai não tinha moral para falar nada, pois ele também bebia muito. Por ser uma droga lícita, o álcool cria um abismo enorme''.

Marcelo revela que chegou a beber por nove horas seguidas, envolvendo-se em brigas e confusões. Aos 18 anos, começou a fazer uso de cocaína. ''Eu cheirava porque aquilo me dava resistência para beber ainda mais. Me tornei uma pessoa agressiva, emocionalmente desequilibrada''. O inferno vivido por Marcelo durou mais cinco anos, quando ele decidiu procurar ajuda.

Há sete anos em tratamento, Marcelo já participou do AA, foi internado cinco vezes em clínicas de recuperação de drogados e até hoje freqüenta o Conselho Estadual Anti-Drogas (Cead) e o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad). (F.M.)

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