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Democratizar o acesso a recursos
Por Jornal Valor - Anamaria Schindler   2 de maio de 2002
Mobilizar recursos na área social é um conceito diferente de captação de
recursos. Trata-se de uma forma ampliada desta última, que inclui, além da
captação de recursos financeiros, a mobilização de recursos técnicos,
humanos, de informação e de mídia.
Com este foco, ocorreu em Recife nos dias 20 e 21 o "Mobiliza", um seminário internacional de mobilização de recursos para projetos sociais, organizado pela Ashoka e pela Interage, organização que congrega seis fundações nacionais e internacionais atuantes no Nordeste. Participaram cerca de 500 organizações da sociedade civil ou ONGs de todos os estados nordestinos, que buscavam avidamente informações sobre como sustentar suas organizações e projetos sociais a curto, médio e longo prazos. O seminário foi pensado para que as ONGs tivessem condições de participar e arcar com os custos de inscrição, estadia e transporte. De outra forma, seria impossível, mais uma vez, que elas tivessem acesso às informações sobre recursos para a área social. O intuito aqui foi realmente democratizar as informações e descentralizá-las.
O Nordeste é uma região do país em que, tradicionalmente, as organizações da sociedade civil enfrentam grande dificuldade de acessar recursos financeiros, técnicos ou humanos. Não se trata de escassez de recursos propriamente, mas sim de uma baixa mobilização dos diferentes setores e, principalmente, da sociedade local, no que diz respeito à participação nos problemas sociais e na busca de soluções para um melhor desenvolvimento social.
Se olharmos alguns indicadores, fica clara a importância deste tipo de iniciativa focada naquela região. O PIB no nordeste é de US$ 2.559, metade do PIB do resto do país. A população abaixo da linha de pobreza é de 44%, quando em geral no Brasil temos 29% da população nesta circunstância, ou seja, vivendo com menos de US$ 1,00 por dia. Outros indicadores também assustam: 31% da população é analfabeta, 61 crianças em 1000 morrem antes de completarem um ano, além de ser a região do país com a maior taxa de trabalho infantil - 1,3 milhões de crianças entre 5 a 14 anos.
Organizações sociais locais do Nordeste vêm atuando nas últimas décadas para tentar reverter tais indicadores sociais e econômicos, bem como resolver problemas sociais graves como o turismo sexual infantil, a alta incidência de HIV/Aids, a desnutrição e a seca. Para isto, elas contam essencialmente com o apoio de fundações de cooperação internacional e de repasse de verbas governamentais.A maioria das ONGs locais tem seu orçamento sustentado por estas duas fontes de recursos e quase nenhum apoio de empresas, indivíduos, fundações nacionais e recursos locais. É por isto que, quando pensamos na realização deste seminário, decidimos realizá-lo no Nordeste. O objetivo foi levar para a região estudos, informações e casos concretos de sucesso na mobilização de recursos para a sustentabilidade de projetos e organizações sociais.
A maioria das 500 organizações que participaram do "Mobiliza", nunca ouviu falar de vários assuntos amplamente discutidos no eixo Rio-São Paulo, ou mesmo nesta coluna. Investimento social, "Venture Philanthropy", filantropia corporativa, parcerias entre setores privado e social, lucratividade versus sustentabilidade, são assuntos que não haviam chegado ainda para essas organizações. No entanto, suas necessidades não são diferentes das organizações sociais do sudeste e sul do país. Todas buscam sua sustentabilidade, buscam expandir suas fontes de recursos e engajar a sociedade nas suas causas e missões sociais.
Mais uma vez ficou evidente a segregação interna e forçada entre as regiões do país. E aqui, não me refiro simplesmente aos indivíduos e à situação de pobreza, mas sim a organizações e lideranças sociais que atuam a mais de 20 anos na região, com plena desvinculação do setor privado local e internacional. Se no Brasil do Sul e Sudeste articulamos e desenvolvemos projetos sociais com parceria entre os setores privado, público e social, no Brasil do Nordeste isto ainda é sonho.
Durante o evento, as centenas de organizações sociais participantes do "Mobiliza", tiveram oportunidade de entrar em contato com temas como valores e princípios que devem dar base para a sustentabilidade de suas organizações, ou a diversificação de fontes de recursos para uma maior autonomia em seus orçamentos e menos dependência de fontes externas exclusivas. Ouviram sobre metodologias para se desenvolver uma base de associados, contribuintes individuais, ou para o planejamento de seus serviços e produtos.
Na semana passada, uma outra iniciativa foi levada para a região, podendo dar continuidade aos debates iniciados durante o seminário. O Nordeste sediou também o congresso do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas - Gife sobre investimento social privado.
Anamaria Schindler é mestre em Sociologia, vice-presidente internacional de parcerias estratégicas da Ashoka Empreendedores Sociais
E-mail: Anamaria_Schindler@mckinsey.co
Com este foco, ocorreu em Recife nos dias 20 e 21 o "Mobiliza", um seminário internacional de mobilização de recursos para projetos sociais, organizado pela Ashoka e pela Interage, organização que congrega seis fundações nacionais e internacionais atuantes no Nordeste. Participaram cerca de 500 organizações da sociedade civil ou ONGs de todos os estados nordestinos, que buscavam avidamente informações sobre como sustentar suas organizações e projetos sociais a curto, médio e longo prazos. O seminário foi pensado para que as ONGs tivessem condições de participar e arcar com os custos de inscrição, estadia e transporte. De outra forma, seria impossível, mais uma vez, que elas tivessem acesso às informações sobre recursos para a área social. O intuito aqui foi realmente democratizar as informações e descentralizá-las.
O Nordeste é uma região do país em que, tradicionalmente, as organizações da sociedade civil enfrentam grande dificuldade de acessar recursos financeiros, técnicos ou humanos. Não se trata de escassez de recursos propriamente, mas sim de uma baixa mobilização dos diferentes setores e, principalmente, da sociedade local, no que diz respeito à participação nos problemas sociais e na busca de soluções para um melhor desenvolvimento social.
Se olharmos alguns indicadores, fica clara a importância deste tipo de iniciativa focada naquela região. O PIB no nordeste é de US$ 2.559, metade do PIB do resto do país. A população abaixo da linha de pobreza é de 44%, quando em geral no Brasil temos 29% da população nesta circunstância, ou seja, vivendo com menos de US$ 1,00 por dia. Outros indicadores também assustam: 31% da população é analfabeta, 61 crianças em 1000 morrem antes de completarem um ano, além de ser a região do país com a maior taxa de trabalho infantil - 1,3 milhões de crianças entre 5 a 14 anos.
Organizações sociais locais do Nordeste vêm atuando nas últimas décadas para tentar reverter tais indicadores sociais e econômicos, bem como resolver problemas sociais graves como o turismo sexual infantil, a alta incidência de HIV/Aids, a desnutrição e a seca. Para isto, elas contam essencialmente com o apoio de fundações de cooperação internacional e de repasse de verbas governamentais.A maioria das ONGs locais tem seu orçamento sustentado por estas duas fontes de recursos e quase nenhum apoio de empresas, indivíduos, fundações nacionais e recursos locais. É por isto que, quando pensamos na realização deste seminário, decidimos realizá-lo no Nordeste. O objetivo foi levar para a região estudos, informações e casos concretos de sucesso na mobilização de recursos para a sustentabilidade de projetos e organizações sociais.
A maioria das 500 organizações que participaram do "Mobiliza", nunca ouviu falar de vários assuntos amplamente discutidos no eixo Rio-São Paulo, ou mesmo nesta coluna. Investimento social, "Venture Philanthropy", filantropia corporativa, parcerias entre setores privado e social, lucratividade versus sustentabilidade, são assuntos que não haviam chegado ainda para essas organizações. No entanto, suas necessidades não são diferentes das organizações sociais do sudeste e sul do país. Todas buscam sua sustentabilidade, buscam expandir suas fontes de recursos e engajar a sociedade nas suas causas e missões sociais.
Mais uma vez ficou evidente a segregação interna e forçada entre as regiões do país. E aqui, não me refiro simplesmente aos indivíduos e à situação de pobreza, mas sim a organizações e lideranças sociais que atuam a mais de 20 anos na região, com plena desvinculação do setor privado local e internacional. Se no Brasil do Sul e Sudeste articulamos e desenvolvemos projetos sociais com parceria entre os setores privado, público e social, no Brasil do Nordeste isto ainda é sonho.
Durante o evento, as centenas de organizações sociais participantes do "Mobiliza", tiveram oportunidade de entrar em contato com temas como valores e princípios que devem dar base para a sustentabilidade de suas organizações, ou a diversificação de fontes de recursos para uma maior autonomia em seus orçamentos e menos dependência de fontes externas exclusivas. Ouviram sobre metodologias para se desenvolver uma base de associados, contribuintes individuais, ou para o planejamento de seus serviços e produtos.
Na semana passada, uma outra iniciativa foi levada para a região, podendo dar continuidade aos debates iniciados durante o seminário. O Nordeste sediou também o congresso do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas - Gife sobre investimento social privado.
Anamaria Schindler é mestre em Sociologia, vice-presidente internacional de parcerias estratégicas da Ashoka Empreendedores Sociais
E-mail: Anamaria_Schindler@mckinsey.co