Sociedade e governo unidos no combate ao trabalho infantil
Por Cidadania-e - http://www.cidadania-e.com.br - Tatiana Wittmann   2 de maio de 2002
Foto de Arquivo/AE
O trabalho infantil em São Paulo (foto superior), o garoto Tiago Marques, 16 , que trabalha como catador de papel, e Francisco Nunes, 12, que trabalha numa olaria em Marabá/PA.
Brasília - "Lugar de criança é na escola". Esse famoso slogan ilustra bem um movimento
que envolve vários setores da sociedade em torno de um objetivo comum:
garantir que os direitos das crianças e adolescentes brasileiros sejam
preservados, entre eles, o direito à educação e a eliminação do trabalho
infantil. Munidos de dados, muita vontade e com o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) como base legal, governo e sociedade civil têm buscado
oferecer aos pequenos cidadãos do nosso País um futuro melhor. Alguns
exemplos dessa parceria mostram que as ações de combate ao trabalho
infantil, vem se espalhando por todo o Brasil.
A Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente desenvolve
desde 1995 o Programa Empresa Amiga da Criança, que estimula a criação de
uma rede de empresas que não explorem o trabalho infantil e promovam
projetos de apoio à formação de crianças carentes ou à capacitação
profissional de jovens. O programa reconhece com um selo o comprometimento
das empresas com a infância brasileira. "A idéia é engajar empresas que
atuam no País para mudar a realidade das crianças e adolescentes brasileiras
de diferentes formas, deixando de explorar o seu trabalho tanto na empresa
quanto na sua cadeira produtiva, e também dando atenção para os filhos de
seus funcionários", explica o coordenador do programa, Daniel De Bonis.
Para receber o selo de Empresa Amiga da Criança é necessário cumprir 10
compromissos que abrangem os temas Combate ao Trabalho Infantil, Educação,
Saúde, Direitos Civis e Investimento na Criança. "Criamos novos compromissos
no ano passado e estamos em uma fase de transição. Todas as empresas que já
possuem o selo têm até junho para se adaptar às novas exigências", diz De
Bonis. Entre os compromissos estão: não empregar menores de 16 anos na
empresa, exceto na condição de aprendizes a partir de 14 anos; não manter
relações comerciais com fornecedores de produtos e /ou serviços que
comprovadamente estejam em desacordo com a legislação referente ao trabalho
infantil; fornecer creche ou auxílio-creche para filhos de funcionários; e
ter investimento social na criança e/ou adolescente compatível com o
faturamento. Hoje 1.340 empresas possuem o selo da Fundação Abrinq.
"As empresas estão cada vez mais envolvidas com os projetos como este, pois
passaram a perceber que o trabalho delas tem conseqüências sociais que devem
ser levadas em consideração. Sem contar com o crescente número de
consumidores conscientes, que valorizam a conduta da empresa", conclui o
coordenador.
Denúncia provoca reação em Franca
Depois que o principal pólo da indústria calçadista do País, a região de
Franca, em São Paulo, recebeu denúncias de estar explorando o trabalho
infantil, os empresários da região resolveram se unir. "As denúncias foram
uma das motivações para começarmos a organizar as empresas a combater o
trabalho infantil e articular o empresariado local para realizar ações
sociais", o superintendente do Instituto Empresarial de Apoio à Formação da
Criança e do Adolescente - Pró-Criança, Maurilo Casemiro Filho.
O Instituto foi criado em 1995, pelo Sindicato da Indústria de Calçados de
Franca, Associação do Comércio e Indústria de Franca e da Delegacia Regional
do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP). Em outubro de 1996,
o Instituto promoveu um Encontro de Empresários pelos Direitos da Criança e
do Adolescente, que forneceu diretrizes para os programas desenvolvidos pela
entidade e que atualmente atingem milhares de crianças e adolescentes do
município e região. Hoje, com 80 empresas associadas, o Instituto desenvolve
cerca de 15 projetos diferentes. "O Programa de Prevenção e Erradicação do
Trabalho Infantil no Setor Calçadista é o carro chefe do Instituto.
Procuramos fazer com que as crianças ocupem seu tempo com educação e lazer.
Para isso os empresários mantêm creches e oferecem diferentes cursos para os
jovens da região", conta Casemiro Filho.
Em 1997 foi criado o selo Instituto Pró-Criança - Este Produto Não Contém
Trabalho Infantil na Sua Manufatura. Segundo Casemiro Filho, este é o único
selo do mundo que trata do trabalho infantil no setor calçadista. "Para
receber o selo a empresa precisa se associar ao Instituto, não utilizar mão
de obra infantil, só contratar fornecedor que também cumpra esta regra,
desenvolver projetos sociais e disseminar a idéia de que criança não deve
trabalhar", explica o superintendente. Atualmente 50 empresas possuem o
selo, o que significa 70% da produção de Franca e 100% da produção local que
é exportada.
Um problema social e cultural
Muitas pessoas acreditam que as crianças e jovens brasileiros só trabalham
porque precisam ajudar no sustento da família. Mas este não é o único
motivo. "Em Franca o jovem agregava muito pouco dinheiro a renda familiar,
eles trabalhavam mais para ocupar o tempo e porque culturalmente o trabalho
do jovem é motivo de orgulho para os pais", conta o superintendente do
Instituto Pró-Criança, Maurilo Casemiro Filho. "É difícil convencer os pais
de que trabalho infantil é um problema social, no qual a criança e o
adolescente têm os seus direitos ameaçados, e que todo o trabalho é
proibido, não só o que faz mal fisicamente", explica.
O coordenador do Programa Empresa Amiga da Criança da Fundação Abrinq,
Daniel De Bonis, concorda com Casemiro Filho. "Temos que conscientizar a
sociedade, pois muitos ainda acham que é bom ver o jovem trabalhando. O
trabalho infantil também é um problema cultural", afirma.
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI
Para combater o trabalho na infância e na juventude, o Governo Federal
implantou, em 1996, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) em
todo o País. Realizado pela Secretaria de Estado de Assistência Social
(SEAS), o Peti cresceu 499,5% desde a sua criação e vem superando as
expectativas. "Cada vez estamos mais perto de atingir a meta de erradicação
do trabalho infantil, cujo universo é de 866 mil crianças. Somente em 2001,
o programa aumentou em 90% o atendimento em relação ao ano anterior", diz a
coordenadora do programa Wanda Engel. Atualmente o Peti está presente em
2.521 municípios brasileiros.
Em 2001 o Peti atendeu 749.353 crianças, entre sete e 14 anos. O Programa
consiste em repassar aos pais das crianças a Bolsa Criança Cidadã - R$ 25
(na zona rural) ou R$ 40 (na área urbana), para que elas retirassem seus
filhos do trabalho insalubre e aviltante e os reencaminhassem aos bancos
escolares. Além do horário regular de quatro horas, crianças e jovens
participam da jornada ampliada, que proporciona reforço escolar para que
consigam acompanhar o currículo escolar com igualdade de condições e
atividades que vão desde as tarefas da escola regular até aulas de teatro,
dança e cidadania.
O Programa também destina recursos para as prefeituras - R$ 10,00 por aluno
nas cidades e R$ 20,00 no campo - executarem a jornada ampliada, e começou
um trabalho intenso de geração de ocupação para as famílias dessas crianças,
levando em conta a habilidade individual e a vocação das localidades.