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Eles vivem com R$ 800. E cuidam dos outros
Por RAFAEL BARION / Jornal da Tarde (jt.com.br)   2 de maio de 2002
Há sete anos, casal de aposentados conhecido como "anjos da favela" se dedica exclusivamente a cuidar da saúde dos moradores da zona leste, oferecendo ajuda, orientação e assistência
A casa está precisando de uma reforma - ou pelo menos de uma boa arrumação. O carro há tempos pede uma visita ao mecânico. E o título de sociedade do clube de lazer já está vencendo por falta de freqüência. Mas o metalúrgico aposentado Joaquim Lopes da Silva, de 66 anos, e a ex-costureira Edinorá Maria do Nascimento, de 45, sua mulher, não reclamam - até porque sabem que não têm tempo nem dinheiro para resolver nenhum dos problemas.
É que há sete anos, o casal decidiu encarar o desafio de viver somente com os R$ 800 que as duas aposentadorias somam juntas e partir para uma nova atividade, que não rende a eles nenhum centavo, mas toma todo o tempo que têm disponível: dedicam-se exclusivamente a cuidar da saúde dos moradores da zona leste da capital. "As pessoas chamam a gente de 'anjos da favela'.
Fizemos um curso de formação de agentes de saúde e não paramos mais", diz Edinorá.
Da casa onde moram, na Penha, eles comandam uma verdadeira central de serviços, por onde passam cerca de 80 pessoas todos os dias. São moradores que não conseguiram marcar consultas no médico, precisam de remédios ou simplesmente estão com algum problema de saúde e não sabem a quem recorrer.
"Tem gente que diz que confia mais em nós do que nos médicos", brinca Silva.
A garagem virou uma minifarmácia, onde os moradores vão procurar medicamentos. Duas vezes por semana, o local se transforma em ponto de distribuição do leite fornecido pela Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento para 150 famílias.
Nos outros três dias, vira uma quitanda improvisada, graças à doação regular que o casal conseguiu do sacolão do bairro.
O movimento é intenso - e os pedidos nem sempre ficam restritos à área da saúde. "Seu Joaquim, a minha menina não conseguiu vaga na creche. O que eu faço?", diz uma moradora do bairro, enquanto o aposentado anota os dados de outra 'cliente' que precisa de uma consulta médica.
"Passa aqui amanhã que a gente tenta resolver", diz ele. Edinorá sorri:
"Não adianta, a gente não sabe dizer 'não' para ninguém".
O trabalho começou devagar, com orientação de pacientes na porta de hospitais. Desde então, eles foram se especializando cada vez mais: mostram, com orgulho, os certificados de cursos de prevenção às drogas, combate à dengue, nutrição infantil e aleitamento materno, entre outros.
A atividade acabou se transformando na Associação Beneficente de Vila Araguaia, que eles criaram para ter mais instrumentos para atuar. "Tudo o que aparece sobre saúde a gente faz", diz Silva.
Muito trabalho, mas bolso vazio
Manter a rotina de 'anjo', porém, dá trabalho: o casal sai da cama às 5h e, garante, não vai dormir antes da meia-noite.
"De manhã, distribuímos os alimentos. À tarde, rodamos os hospitais da cidade para tentar marcar as consultas ou damos palestras em comunidades. À noite, atendo os moradores e organizo o próximo dia", diz o aposentado.
Sem contar imprevistos como o ocorrido há poucas semanas, quando uma moradora da região ligou para o aposentado às 22h, em meio a uma crise renal. "Fomos a vários hospitais e só consegui voltar para casa ao meio-dia do dia seguinte." Aos filhos e netos cabe disputar a atenção do casal - que ainda sustenta dois deles - entre uma atividade e outra. "Às vezes, temos um domingo de folga."
O bolso, porém, continua vazio. Afinal, o trabalho, além de não ser remunerado, acaba dando prejuízo. "A gente gasta com passagem de ônibus para os moradores, gasolina. Passamos aperto. Só dá para a alimentação", diz o aposentado.
"A gente brinca: só consegue viver porque não tem tempo para gastar."
Satisfação vence a falta de remuneração
E tanto trabalho sem nenhum retorno financeiro não cansa? Edinorá não nega: cansa e muito.
"Às vezes a gente não tem condições físicas nem financeiras para ajudar todo mundo que precisa. Bate o desespero e dá vontade de jogar tudo para o alto", diz.
Mas eles garantem: a satisfação de auxiliar as pessoas vence o desespero.
Edinorá se aposentou por invalidez, devido a um problema no pulmão, e sempre gostou de ajudar os outros. "Não aceito as desigualdades." Com Silva foi diferente. Quando se aposentou, procurou emprego como metalúrgico. A maior oferta que recebeu: R$ 500 mensais - muito pouco para quem passou a vida em cargos de chefia. "Eu pensei: não é porque sou aposentado que vão me tratar como mendigo. Se for para ganhar isso, prefiro ajudar o povo. Acho que estou mais feliz."
A casa está precisando de uma reforma - ou pelo menos de uma boa arrumação. O carro há tempos pede uma visita ao mecânico. E o título de sociedade do clube de lazer já está vencendo por falta de freqüência. Mas o metalúrgico aposentado Joaquim Lopes da Silva, de 66 anos, e a ex-costureira Edinorá Maria do Nascimento, de 45, sua mulher, não reclamam - até porque sabem que não têm tempo nem dinheiro para resolver nenhum dos problemas.
É que há sete anos, o casal decidiu encarar o desafio de viver somente com os R$ 800 que as duas aposentadorias somam juntas e partir para uma nova atividade, que não rende a eles nenhum centavo, mas toma todo o tempo que têm disponível: dedicam-se exclusivamente a cuidar da saúde dos moradores da zona leste da capital. "As pessoas chamam a gente de 'anjos da favela'.
Fizemos um curso de formação de agentes de saúde e não paramos mais", diz Edinorá.
Da casa onde moram, na Penha, eles comandam uma verdadeira central de serviços, por onde passam cerca de 80 pessoas todos os dias. São moradores que não conseguiram marcar consultas no médico, precisam de remédios ou simplesmente estão com algum problema de saúde e não sabem a quem recorrer.
"Tem gente que diz que confia mais em nós do que nos médicos", brinca Silva.
A garagem virou uma minifarmácia, onde os moradores vão procurar medicamentos. Duas vezes por semana, o local se transforma em ponto de distribuição do leite fornecido pela Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento para 150 famílias.
Nos outros três dias, vira uma quitanda improvisada, graças à doação regular que o casal conseguiu do sacolão do bairro.
O movimento é intenso - e os pedidos nem sempre ficam restritos à área da saúde. "Seu Joaquim, a minha menina não conseguiu vaga na creche. O que eu faço?", diz uma moradora do bairro, enquanto o aposentado anota os dados de outra 'cliente' que precisa de uma consulta médica.
"Passa aqui amanhã que a gente tenta resolver", diz ele. Edinorá sorri:
"Não adianta, a gente não sabe dizer 'não' para ninguém".
O trabalho começou devagar, com orientação de pacientes na porta de hospitais. Desde então, eles foram se especializando cada vez mais: mostram, com orgulho, os certificados de cursos de prevenção às drogas, combate à dengue, nutrição infantil e aleitamento materno, entre outros.
A atividade acabou se transformando na Associação Beneficente de Vila Araguaia, que eles criaram para ter mais instrumentos para atuar. "Tudo o que aparece sobre saúde a gente faz", diz Silva.
Muito trabalho, mas bolso vazio
Manter a rotina de 'anjo', porém, dá trabalho: o casal sai da cama às 5h e, garante, não vai dormir antes da meia-noite.
"De manhã, distribuímos os alimentos. À tarde, rodamos os hospitais da cidade para tentar marcar as consultas ou damos palestras em comunidades. À noite, atendo os moradores e organizo o próximo dia", diz o aposentado.
Sem contar imprevistos como o ocorrido há poucas semanas, quando uma moradora da região ligou para o aposentado às 22h, em meio a uma crise renal. "Fomos a vários hospitais e só consegui voltar para casa ao meio-dia do dia seguinte." Aos filhos e netos cabe disputar a atenção do casal - que ainda sustenta dois deles - entre uma atividade e outra. "Às vezes, temos um domingo de folga."
O bolso, porém, continua vazio. Afinal, o trabalho, além de não ser remunerado, acaba dando prejuízo. "A gente gasta com passagem de ônibus para os moradores, gasolina. Passamos aperto. Só dá para a alimentação", diz o aposentado.
"A gente brinca: só consegue viver porque não tem tempo para gastar."
Satisfação vence a falta de remuneração
E tanto trabalho sem nenhum retorno financeiro não cansa? Edinorá não nega: cansa e muito.
"Às vezes a gente não tem condições físicas nem financeiras para ajudar todo mundo que precisa. Bate o desespero e dá vontade de jogar tudo para o alto", diz.
Mas eles garantem: a satisfação de auxiliar as pessoas vence o desespero.
Edinorá se aposentou por invalidez, devido a um problema no pulmão, e sempre gostou de ajudar os outros. "Não aceito as desigualdades." Com Silva foi diferente. Quando se aposentou, procurou emprego como metalúrgico. A maior oferta que recebeu: R$ 500 mensais - muito pouco para quem passou a vida em cargos de chefia. "Eu pensei: não é porque sou aposentado que vão me tratar como mendigo. Se for para ganhar isso, prefiro ajudar o povo. Acho que estou mais feliz."