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Crianças no lixo

Por Diário de Pernambuco - Flora Guedes   7 de maio de 2002
Elas vasculham restos para viver, num cotidiano chocante que a partir de hoje será reprimido pelas prefeituras do Recife e Jaboatão

especial para o DIARIO

Monteiro Lobato disse uma vez que "no Brasil subtrai-se, ninguém soma". Talvez ele não tenha imaginado que o verbo subtrair tomaria uma dimensão subhumana. A da exclusão total e degradante dos catadores de lixões. Uma realidade que engloba no País mais de 45 mil crianças e adolescentes. Basta passar alguns minutos no aterro da Muribeca, no município de Jaboatão dos Guararapes, área de 60 hectares que recebe 3 mil toneladas de resíduos por dia, para comprovar que quase metade da mão-de-obra é formada por jovens de seis a 18 anos. Meninos e meninas em constante situação de risco, que sofrem todos os tipos de violência e passam fome. O descaso a que estão submetidas revela a má sorte da geração do lixo.

Já se passaram oito anos desde que as autoridades governamentais prometeram pôr um fim a essa forma de trabalho, quando veio à tona o escândalo da mulher que teria ingerido carne humana, em 1994, no Lixão de Aguazinha, em Olinda. Não foi o que aconteceu. O que se tem de concreto é o aumento do número de catadores nos lixões. De lá pra cá dobrou ou até mesmo triplicou a quantidade de crianças que vivem dos restos da sociedade. "Tenho cinco irmãos que trabalham aqui, todos pequenos. Depois que o caminhão passou por cima da minha perna, fico em casa porque não posso mais ajudar", revelou Joel Luís de Lima, 16, referindo-se ao acidente que o fez perder a perna esquerda, há seis anos.

Os relatos são chocantes "Quando era mocinha, catava lixo com minha mãe, depois trouxe meus sete filhos para me ajudar. Eu não queria, mas a minha vida é no lixo, daqui tiro comida, brinquedo, roupa e até amigos", diz Maria do Carmo Nascimento, 55 anos, há 43 como catadora. A vida das crianças catadoras gira em torno dos horários de descarrego dos caminhões. Seus corpos parecem ter incorporado o cheiro fétido do lugar. "Cato lixo de dia e de noite para conseguir até R$ 2,00. A noite é perigoso; já vi muita gente morta", garante Fabiano de Oliveira, 17. Enquanto Fabiano falava, uma garota ao seu lado devorava uma laranja podre, enquanto a outra mão vasculhava o lixo em busca de algo mais para comer.

Cenas deprimentes são rotinas. Uma das maiores foi a de homens e mulheres inconformados com a notícia de que um caminhão com peixes (impróprios para o consumo) não seria descarregado no lugar de costume, mas enterrado. "Estão querendo matar meus filhos de fome, reclamava Maria do Socorro. As reclamações deverão aumentar a partir de hoje, dia em que a permanência de crianças na Muribeca estará proibida.

PLANO - A proibição de crianças no aterro faz parte de um termo de compromisso assinado em outubro passado, perante o Ministério Público Estadual, estabelecendo que as prefeituras do Recife e Jaboatão estão obrigadas a erradicar o trabalho infanto-juvenil, buscar soluções para os catadores e tratar o lixo. Para o enfrentamento do trabalho infantil, a gestão compartilhada mobilizou representantes do Ministério Público do Trabalho, governo do Estado, Polícia Militar, Unicef, Delegacia de Polícia da Criança e do Adolescente e Conselho Estadual da Criança.

O plano estratégico também inclui incentivo à organização dos catadores, construção de um pátio de triagem reservado para eles e a consolidação do aterro como sanitário. Para Alice Domingues, chefe do Setor Social do aterro, todas as formas de sensibilizar as famílias se esgotaram. Serão instaladas placas proibindo a presença de crianças e a fiscalização na PE-25 será reforçada. A idéia é combater a exploração sexual de menores, praticada por caminhoneiros nas estradas do aterro.

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