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Internet gratuita muda a cara da periferia

Por ANDRÉ BUENO / jt.com.br   10 de maio de 2002
Foto de Éder Medeiros/AE Maria de Fátima Campanholla Hortência (D) e sua mãe fazem consultas a sites de culinária: ‘Um dia vou abrir um restaurante’
Iniciativas para acabar com a 'exclusão digital' começam a surtir efeito nos bairros mais pobres, levando quem nunca usou um computador a navegar na rede, criar um e-mail, redigir um currículo, consultar notícias... tudo de graça

Assustada com as notícias de dengue na cidade, a dona de casa Maria Célia da Silva, 49 anos, não hesitou ao ver um mosquito estranho voando em sua casa, na Vila Bancária, bairro pobre na zona leste de São Paulo. Prendeu o inseto em um frasco de vidro transparente e o levou para o centro de acesso público à internet do bairro - o Infocentro do Jardim Colorado. Lá, consultou sites de saúde e comparou a aparência do mosquito do frasco com fotos do Aedes aegypti, o transmissor da dengue. "Ela ficou aliviada ao perceber que os dois não eram iguais", conta Janaína Santos Sabino, monitora do infocentro.

Em outro extremo da cidade - no Jardim das Flores, zona sul da capital -, a procura por pontos de acesso à internet para fazer a declaração de "isento" do Imposto de Renda provocou filas em frente ao Infocentro de Piraporinha, instalado numa sala da Paróquia de Bom Jesus de Piraporinha de Santo Amaro.

"Era uma fila na lotérica e outra no infocentro", contam os monitores.

"Tivemos de ficar em quatro pessoas fazendo as declarações."

Hoje, já são mais de cem pontos de acesso gratuito à internet no Estado de São Paulo, em iniciativas que envolvem os governos estadual, municipais, ONGs (organizações não-governamentais) e empresas privadas. Para quem acompanha a informatização da periferia, a surpresa é perceber que o verdadeiro impacto dessa iniciativa não está em "preparar para o futuro" - discurso repetido com freqüência ao se falar em projetos de "inclusão digital" -, mas sim em atender a uma demanda já existente, do presente, por acesso das populações carentes a serviços públicos e privados, disponíveis somente a quem possui computador.

"Quem não tem computador é obrigado, hoje, a ir pessoalmente a uma delegacia de polícia para fazer um Boletim de Ocorrência, enquanto quem tem faz o B.O.

pela internet", comenta Roberto Meizi Agune, coordenador do projeto de Governo Eletrônico do Estado.

Acesso à internet: questão de cidadania

"Quem não tem internet enfrenta dificuldade para verificar se um carro é roubado e se tem multas antes de comprar o veículo, declara Imposto de Renda em papel e recebe a restituição mais tarde, não pode conhecer o cardápio da merenda escolar do filho, saber que nota um colégio tirou no Enem, ou mesmo verificar como um governante gastou o dinheiro arrecadado", diz o coordenador do governo. "Conexão à internet é, portanto, uma questão de cidadania - de oferecer condições iguais de acesso a serviços públicos para todos."

Nos infocentros, o que vale é suprir uma necessidade imediata da pessoa - não importa se ela se limita à consulta de sites de notícias, de bate-papo, de culinária ou de religião. O próprio contato do indivíduo com a tecnologia quebra o medo do computador e leva ao aprendizado da informática, acreditam os pedagogos da Escola do Futuro da USP, que treina os monitores de infocentros.

"Não oferecemos cursos de computação", explica Francinete Quintos de Oliveira, monitora do Infocentro Jardim São Luís, o primeiro lançado na cidade de São Paulo. "Muitas pessoas chegam aqui dizendo 'eu quero aprender a usar o Word'. Eu pergunto para quê, e elas respondem: 'Para fazer um currículo'. Então eu explico como fazer um currículo."

O Infocentro Jardim São Luís funciona numa sala da associação de moradores do bairro. Criado há dois anos, atende em média a 150 pessoas diariamente e possui 1.260 moradores cadastrados. "Nos últimos seis meses, tivemos mais de 22 mil consultas à internet", calcula Francinete.

Entre os mais assíduos está Tharcízio Santa Rita Franco, que esperou até completar 11 anos (idade mínima para usar o infocentro) para se inscrever no serviço. "Ele é outra pessoa desde que começou a mexer com internet", diz a mãe, Maria da Luz Santa Rita, uma funcionária pública viúva, que trabalha como recepcionista no Posto de Saúde da Vila Prel (zona sul).

"O Tharcízio não fica mais só na tevê ou brincando. Hoje ele só pensa em e-mail: envia a todos os amigos e, quando chego em casa, logo pergunta:

'Mãe, já leu o e-mail que lhe enviei?' Até na escola o rendimento dele melhorou: os professores dizem que sua leitura e escrita estão melhores."

A poucos quilômetros dali, no Infocentro Cio da Terra, instalado numa casa anexa à escola municipal do Jardim Sônia Regina, na zona sul, três endereços de internet estão escritos na lousa afixada na parede: "Busca:

www.cade.com.br, Educação: www.webaula.com.br e Empregos:

www.empregos.com.br". "Esses são serviços muito consultados pelos usuários", explica a monitora Vânia da Silva Santos.

"As pessoas procuram muito os sites de empregos porque um rapaz daqui, o Jefferson, arrumou trabalho pela internet, como digitador. Uma outra moça também conseguiu emprego em telemarketing em um banco, mas não pôde ficar porque tinha um problema com o Serasa", conta outra monitora, Gisele Santos Sousa.

Usuária do Infocentro Cio da Terra há dois meses, a atendente de enfermagem desempregada Maria de Fátima Hortência, 46 anos, já tem seus sites favoritos. "Gosto de visitar endereços de culinária e de fofocas de artistas da tevê", diz ela, que tem grandes planos para o futuro. "Já peguei mais de 15 receitas na rede. Imprimo todinhas, porque um dia vou abrir meu restaurante."

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