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Entrevista: Walter Franco

Por Cidadania-e -Tatiana Wittmann   13 de maio de 2002
Nascido no Equador, Walter Franco ingressou no na Organização das Nações Unidas (ONU) em 1978. De lá pra cá desenvolveu atividades em diferentes escritórios, como no Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP) e no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em Nova York. Também foi coordenador da ONU e Representante do PNUD em El Salvador e na Bolívia. Graduado em Economia, obteve o título de Mestre em Relações Internacionais, na área de Economia Internacional, na Universidade de Columbia (Nova York, Estados Unidos). Desde 1997, Walter Franco é o coordenador residente do Sistema das Nações Unidas e representante residente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil. Nesta entrevista ele fala sobre o PNUD e desenvolvimento humano.

Cidadania-e - Qual o objetivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)? Walter Franco - Na Cúpula do Milênio, celebrada em 2000 pelas Nações Unidas, os líderes de todo o mundo se comprometeram a reduzir a pobreza à metade antes do ano de 2015. O objetivo atual do PNUD é contribuir para que esta meta seja atingida, promovendo o desenvolvimento humano sustentável. O PNUD é, dentro do sistema das Nações Unidas, a fonte principal de assessoramento, promoção e subsídios no que concerne o desenvolvimento. Ele enfoca sua ação nas seguintes áreas: governabilidade democrática, redução da pobreza, energia e meio ambiente, tecnologia da informação e comunicação, combate a HIV/AIDS e prevenção de conflitos e recuperação.

Criado em 1965, o PNUD mantém uma rede de escritórios em 132 países. É um aliado de governos e da sociedade civil em todo o mundo, e seu compromisso em prol de uma presença universal tem sido especialmente útil em situações posteriores a conflitos e em Estados que, de outra forma, estariam isolados da comunidade internacional. O administrador do PNUD, por exemplo, foi apontado pelo Secretário-Geral da ONU como o responsável por liderar os esforços iniciais de recuperação do Afeganistão. O PNUD é chefiado em cada país no qual se encontra presente por um Representante Residente, que também desempenha o papel de Coordenador Residente do Sistema das Nações Unidas.

Cidadania-e - Quais ações o PNUD desenvolve no Brasil? Walter Franco - No Brasil, o PNUD trabalha em conjunto com a Agência Brasileira de Cooperação, o órgão do Ministério das Relações Exteriores para cooperação internacional. Não executa diretamente os projetos, mas opera na modalidade de execução nacional, segundo a qual o próprio governo é o ente executor dos projetos de cooperação técnica. Os esforços conjuntos do PNUD e do Governo Brasileiro, no âmbito dos projetos de cooperação técnica, visam a meta de promover o desenvolvimento humano sustentável de todos, para todos e por todos brasileiros. Neste sentido, o PNUD desenvolve projetos em parceria com o governo federal, e também com governos estaduais, municipais, organizações da sociedade civil e a iniciativa privada.

Entre os anos 2002 e 2006, o plano de ação do PNUD no Brasil contempla a priorização de quatro áreas temáticas: a) redução da pobreza e aumento da inclusão social; b) desenvolvimento de governabilidade democrática; c) uso sustentável do meio-ambiente e busca de fontes de energia renováveis; e d) da difusão do paradigma do Desenvolvimento Humano Sustentável. Em seu programa, O PNUD inclui sempre a preocupação com dois temas transversais: as questões de gênero e raça.

Alguns exemplos de projetos do PNUD no Brasil são: apoio ao Programa Nacional de Administração Fiscal, por meio de projetos em 23 Estados para melhorar a gestão dos fundos públicos; contribuição para formulação de políticas, legislação e programas ambientais, por meio de apoio a projetos do Programa Piloto de Proteção de Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), do Protocolo de Montreal para a redução das emissões de gás CFC, e de parcerias firmadas com outras entidades, governamentais, privadas e não-governamentais; promoção do desenvolvimento local integrado e sustentável; e apoio ao monitoramento e a avaliação do programa Bolsa-Escola Federal, objetivando também compartilhar, com outros países em desenvolvimento, esta experiência.

Cidadania-e - O que é o Relatório sobre o Desenvolvimento Humano e quais são seus resultados? Walter Franco - O Relatório de Desenvolvimento Humano é a publicação patrocinada pelo PNUD que utiliza o conceito do Desenvolvimento Humano Sustentável, para analisar a situação de algum lugar. O desenvolvimento deve ter três atributos básicos: desenvolvimento das pessoas, aumentando suas capacidades, potencialidades, oportunidades e direitos de escolha; desenvolvimento para as pessoas, garantindo que seus resultados sejam apropriados eqüitativamente pela população; e desenvolvimento pelas pessoas, isto é, alargando a parcela de poder dos indivíduos e comunidades humanas durante sua participação ativa na definição do processo de desenvolvimento do qual são sujeitos e beneficiários. E são duas as qualidades indissociáveis ao desenvolvimento: ser eqüitativo e sustentável. Logo, a sustentabilidade do desenvolvimento é política, social, cultural, econômica e, não menos importante, ambiental - entendendo-se por ambiente os serviços e recursos naturais que dão suporte ao processo do desenvolvimento humano, no presente e no futuro. O processo de desenvolvimento que atenda estes atributos e tenha estas qualidades é denominado Desenvolvimento Humano Sustentável (DHS).

Os Relatórios de Desenvolvimento Humano Internacionais (RDH-I) são lançados anualmente, desde 1990. Os RDH-I são fontes preciosas de informação, com análises abrangentes sobre a situação do DHS de todos os países e um vasto anexo estatístico, contendo tabelas com indicadores de DHS para cada país do mundo. Dentre esses indicadores encontra-se o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), bastante conhecido dos brasileiros. Mas, como dizemos no PNUD, o IDH é apenas a porta de entrada do Desenvolvimento Humano, e convidamos a todos a não parar na porta, pois o resto da casa é muito interessante!

Convido a todos visitar nosso site na internet (www.undp.org.br) para obter maiores informações sobre estas e outras publicações. Várias delas encontram-se integralmente disponíveis para os interessados.

Cidadania-e - O que a sociedade civil pode fazer na luta contra o desemprego e a pobreza? Walter Franco - Dois conceitos são cruciais para esta questão. Um deles traduzimos por empoderamento, o outro, accountability, pode ser traduzido como prestação de contas permanente ou transparência. Ambos formam o tema central do RDH-I de 2002, Governança e Governabilidade, que será lançado em julho deste ano. O DHS preconiza que, para aumentar o bem-estar de uma população, é necessária uma aposta continuada através do tempo de três setores: governamental, iniciativa privada e sociedade civil.

Somente com o aumento da parcela de poder de cada indivíduo, comunidade, e dos países em desenvolvimento no processo de tomada das decisões que afetam suas vidas, é possível garantir políticas públicas inclusivas. A transparência no exercício deste poder também é fundamental para fazer com que os resultados do crescimento econômico sejam apropriados por todos, mais eqüitativamente.

Emprego é a maneira mais efetiva de se distribuir riqueza. Desigualdade e pobreza são problemas estruturais e históricos no Brasil. O crescimento econômico pode ajudar a combater a pobreza, mas tem muito pouco efeito sobre a desigualdade. A participação da sociedade civil nas políticas públicas, desde sua concepção até sua implementação e avaliação, aumenta a garantia da adoção de modelos includentes, conducentes a um crescimento a favor dos pobres, que não sejam do tipo jobless growth (crescimento sem emprego).

Cidadania-e - De que maneira a globalização está interferindo no desenvolvimento do Brasil? Walter Franco - O processo de globalização é antigo, as mudanças de agora são os novos mercados financeiros abertos 24 horas por dia, operando a longa distância e em tempo real; as novas ferramentas, como a internet, telefones celulares, redes de informações; os novos atores, como as redes globais de organizações não-governamentais (ONGs), ou a Organização Mundial do Comércio (OMC), que tem autoridade supra-nacional; as corporações multinacionais, com poder maior do que o de muitos Estados; e as novas regras, e acordos multilaterais em comércio, serviços e propriedade intelectual, com fortes mecanismos que reduzem a autonomia de Estados.

O processo de globalização tem aprofundado as disparidades entre pessoas e países ricos e pobres. Mas é preciso lembrar que a globalização é um processo de integração não apenas da economia, mas também da cultura, tecnologia e governabilidade.

Desde uma perspectiva humana, a globalização é, em última instância, a crescente interdependência da vida das pessoas. Seja através das repercussões de crises financeiras, seja por meio dos crescentes fluxos de informação e cultura, ou ainda do maior apoio a movimentos populares e aos direitos humanos ao redor do mundo. Em todos os países esta interdependência está se intensificando. E o Brasil, cuja inserção internacional vem se intensificando, tanto em volume, quanto em qualidade, tem causado e padecido dos impactos de tal interdependência.

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