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O desafio da definição ética nos negócios
Por Jornal Valor - Paulo Ferreira   13 de maio de 2002
É preciso deixar claros os princípios que orientam a conduta de toda a
organização.
Um dos mais atuais desafios das empresas é o de se definir em termos éticos, identificando o conjunto de princípios que orienta seus dirigentes e funcionários no desempenho de suas funções, deixando-os claros e tornando-os efetivos. Seus prestadores de serviços deverão fazer o mesmo, sob o risco de perderem clientes.
A versão de 2001 da pesquisa "Responsabilidade Social das Empresas - Percepção do Consumidor Brasileiro", realizada pelo Instituto Ethos em parceria com o jornal Valor Econômico e a Indicator Opinião Pública, detectou, em relação ao ano anterior, uma postura mais exigente dos consumidores quanto ao papel das empresas em sua atuação social junto à comunidade. Os entrevistados declararam que esperam das empresas eficiência e ética, tanto do ponto de vista interno quanto externo.
Outra pesquisa de opinião, realizada periodicamente pelo Ministério do Meio Ambiente em parceria com o Instituto de Estudos da Religião (Iser), com coleta de dados a cargo do Ibope, denominada "O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do consumo sustentável", revelou que a consciência ambiental dos consumidores brasileiros evoluiu de forma sensível de 1997, data da primeira edição, para 2001, com mais pessoas optando pela qualidade ambiental, mesmo à custa de sacrifícios econômicos ou de conforto pessoal.
O florescimento dos fundos SRI ("Socially Responsible Investing") no mundo, que consideram aspectos sociais e ambientais, buscando equilibrar as necessidades financeiras dos investidores com o impacto dos investimentos na sociedade e nos ecossistemas, comprova uma tendência.
O aumento desse tipo de preocupação entre cidadãos, consumidores e investidores, traz à luz um aspecto das relações humanas comumente relegado nas principais decisões, negociais, econômicas ou políticas: a ética.
Nesses tempos de liberalismo econômico globalizado, assiste-se a um aumento da perplexidade das pessoas quanto à virtual ausência de mecanismos que, de algum modo, regulem a ética nas relações humanas. Só que esse movimento, inconsciente ou proposital, visando ao lucro desenfreado no fruir das oportunidades de momento, produz efeitos colaterais que sinalizam para a necessidade de se considerar suas inexoráveis implicações éticas.
O conceito de ética possui aspectos notadamente axiológicos e intuitivos, o que dificulta sua operacionalização. Por exemplo, sob o enfoque da razão econômica atualmente em vigor, os protestos antiglobalização são facilmente taxados de sem foco e sem razão. No entanto, talvez o que os ativistas busquem é exatamente alargar o enfoque das discussões travadas nos termos da tal lógica econômica, que por natureza é fria, matemática e calculista.
Mas os dados e as pesquisas acima evidenciam que, paralelamente, desenvolve-se, no Brasil e no mundo, a noção de que empreendimentos com fins lucrativos podem e devem ultrapassar a mera ponderação acerca dos limites jurídicos de suas operações, e atentar para suas diversas implicações éticas (impactos sociais, ambientais etc.). Porque o que é juridicamente possível não é necessariamente ético.
De fato, muitas empresas têm respondido às expectativas da sociedade e têm tido o cuidado de verificar a ética que conforma suas ações.
Mas o que os resultados dessas pesquisas também demonstram é algo que as companhias deveriam estar fazendo e não estão, com raras exceções: passar de uma posição passiva, a de reagir às pesquisas de opinião, para uma postura mais ativa, ou seja, a de buscar se antecipar à percepção dos consumidores - diga-se, um número crescente de cidadãos na luta por seus direitos - e proceder a uma auto-definição prévia em termos éticos, mediante um conjunto de medidas, tais como, dentre outras:
(i) Adoção de um código de ética, que estabeleça uma clara política de ética, ou seja, o conjunto de valores e princípios que deverão ser observados em todas as tomadas de decisão, grandes ou pequenas;
(ii) Implantação de um comitê de ética, responsável pela execução e fiscalização da política de ética, no dia a dia da empresa.
O código e a política de ética, a exemplo do que ocorre com políticas de confidencialidade, devem ser amplamente divulgados para todos os públicos da empresa, não como meras peças de publicidade, mas para que todos de fato os conheçam e possam segui-los.
O comitê de ética deverá também ter um caráter fortemente educacional, uma vez que valores éticos não serão instantânea e uniformemente digeridos e incorporados por todos os funcionários no ato de sua divulgação.
Esta nova realidade vai requerer uma mudança de postura por parte de todos os profissionais que prestam serviços às companhias, os quais não mais poderão se restringir à boa técnica na execução dos serviços solicitados, e devem passar, também eles, a desenvolver a capacidade de identificar os limites éticos dos negócios pretendidos. Sob pena de a própria companhia, sua cliente, não mais se satisfazer com o resultado de seu trabalho.
Paulo Ferreira é advogado associado do Núcleo de Responsabilidade Social Corporativa do L.O. Baptista Advogados
Um dos mais atuais desafios das empresas é o de se definir em termos éticos, identificando o conjunto de princípios que orienta seus dirigentes e funcionários no desempenho de suas funções, deixando-os claros e tornando-os efetivos. Seus prestadores de serviços deverão fazer o mesmo, sob o risco de perderem clientes.
A versão de 2001 da pesquisa "Responsabilidade Social das Empresas - Percepção do Consumidor Brasileiro", realizada pelo Instituto Ethos em parceria com o jornal Valor Econômico e a Indicator Opinião Pública, detectou, em relação ao ano anterior, uma postura mais exigente dos consumidores quanto ao papel das empresas em sua atuação social junto à comunidade. Os entrevistados declararam que esperam das empresas eficiência e ética, tanto do ponto de vista interno quanto externo.
Outra pesquisa de opinião, realizada periodicamente pelo Ministério do Meio Ambiente em parceria com o Instituto de Estudos da Religião (Iser), com coleta de dados a cargo do Ibope, denominada "O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do consumo sustentável", revelou que a consciência ambiental dos consumidores brasileiros evoluiu de forma sensível de 1997, data da primeira edição, para 2001, com mais pessoas optando pela qualidade ambiental, mesmo à custa de sacrifícios econômicos ou de conforto pessoal.
O florescimento dos fundos SRI ("Socially Responsible Investing") no mundo, que consideram aspectos sociais e ambientais, buscando equilibrar as necessidades financeiras dos investidores com o impacto dos investimentos na sociedade e nos ecossistemas, comprova uma tendência.
O aumento desse tipo de preocupação entre cidadãos, consumidores e investidores, traz à luz um aspecto das relações humanas comumente relegado nas principais decisões, negociais, econômicas ou políticas: a ética.
Nesses tempos de liberalismo econômico globalizado, assiste-se a um aumento da perplexidade das pessoas quanto à virtual ausência de mecanismos que, de algum modo, regulem a ética nas relações humanas. Só que esse movimento, inconsciente ou proposital, visando ao lucro desenfreado no fruir das oportunidades de momento, produz efeitos colaterais que sinalizam para a necessidade de se considerar suas inexoráveis implicações éticas.
O conceito de ética possui aspectos notadamente axiológicos e intuitivos, o que dificulta sua operacionalização. Por exemplo, sob o enfoque da razão econômica atualmente em vigor, os protestos antiglobalização são facilmente taxados de sem foco e sem razão. No entanto, talvez o que os ativistas busquem é exatamente alargar o enfoque das discussões travadas nos termos da tal lógica econômica, que por natureza é fria, matemática e calculista.
Mas os dados e as pesquisas acima evidenciam que, paralelamente, desenvolve-se, no Brasil e no mundo, a noção de que empreendimentos com fins lucrativos podem e devem ultrapassar a mera ponderação acerca dos limites jurídicos de suas operações, e atentar para suas diversas implicações éticas (impactos sociais, ambientais etc.). Porque o que é juridicamente possível não é necessariamente ético.
De fato, muitas empresas têm respondido às expectativas da sociedade e têm tido o cuidado de verificar a ética que conforma suas ações.
Mas o que os resultados dessas pesquisas também demonstram é algo que as companhias deveriam estar fazendo e não estão, com raras exceções: passar de uma posição passiva, a de reagir às pesquisas de opinião, para uma postura mais ativa, ou seja, a de buscar se antecipar à percepção dos consumidores - diga-se, um número crescente de cidadãos na luta por seus direitos - e proceder a uma auto-definição prévia em termos éticos, mediante um conjunto de medidas, tais como, dentre outras:
(i) Adoção de um código de ética, que estabeleça uma clara política de ética, ou seja, o conjunto de valores e princípios que deverão ser observados em todas as tomadas de decisão, grandes ou pequenas;
(ii) Implantação de um comitê de ética, responsável pela execução e fiscalização da política de ética, no dia a dia da empresa.
O código e a política de ética, a exemplo do que ocorre com políticas de confidencialidade, devem ser amplamente divulgados para todos os públicos da empresa, não como meras peças de publicidade, mas para que todos de fato os conheçam e possam segui-los.
O comitê de ética deverá também ter um caráter fortemente educacional, uma vez que valores éticos não serão instantânea e uniformemente digeridos e incorporados por todos os funcionários no ato de sua divulgação.
Esta nova realidade vai requerer uma mudança de postura por parte de todos os profissionais que prestam serviços às companhias, os quais não mais poderão se restringir à boa técnica na execução dos serviços solicitados, e devem passar, também eles, a desenvolver a capacidade de identificar os limites éticos dos negócios pretendidos. Sob pena de a própria companhia, sua cliente, não mais se satisfazer com o resultado de seu trabalho.
Paulo Ferreira é advogado associado do Núcleo de Responsabilidade Social Corporativa do L.O. Baptista Advogados