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Bolívar Lamounier: "Uma sociedade não pode ficar parada, esperando que as coisas aconteçam"

Por RITS    20 de maio de 2002
Ao instalar-se no Brasil - que passa a ser o 12º país atendido pela organização -, a Care International, entidade que há 55 anos atua no combate à pobreza, procurou contar com a participação de pessoas representativas da sociedade e dos movimentos sociais. Para presidir o Conselho Deliberativo, um convite foi feito ao cientista político Bolívar Lamounier, que não só aceitou como mostrou-se animado com a possibilidade de ter "uma atuação prática" na luta contra a desigualdade social. Extremamente respeitado no meio acadêmico, Lamounier falou à Rets sobre sua expectativa em relação ao trabalho da Care Brasil e manifestou sua opinião de que é preciso pôr mãos à obra. "Acho que intelectuais, assim como empresários, profissionais liberais e outros, podem, sem prejuízo de suas ocupações específicas, dedicar algum tempo e esforço a atividades de combate à pobreza".

Rets - O senhor acaba de assumir a Presidência do Conselho Deliberativo de uma das mais tradicionais organizações não-governamentais mundiais. Como recebeu o convite e por que decidiu aceitá-lo? Bolívar Lamounier - Quem me convidou para integrar o conselho e ajudar a implantar a Care Brasil foi o Sr. Peter Bell, presidente da Care norte-americana. Recebi esse convite como uma grande honra, pois conhecia a reputação e a credibilidade da Care como organização de âmbito mundial. Além disso, conheço o Sr. Peter Bell há mais de 30 anos e sou testemunho do papel crucial que ele desempenhou no Brasil e no Chile, estimulando e apoiando o desenvolvimento das ciências sociais e como defensor da democracia e dos direitos humanos. Finalmente, mas não menos importante, aceitei o convite porque sempre desejei ter uma atuação prática, e não apenas como pesquisador, no combate à pobreza e à desigualdade social.

Rets - O que motivou a vinda da Care para o Brasil? Quais serão suas primeiras iniciativas e de que forma elas serão desenvolvidas? Bolívar Lamounier - Parece-me que a vinda da Care se explica por dois fatores principais. Primeiro, a gravidade do nosso quadro de pobreza e desigualdade, tendo em vista o nível de desenvolvimento que alcançamos como país. No conjunto, o Brasil não é um país pobre, é um país de desenvolvimento mediano. É, inclusive, uma das 10 ou 12 maiores economias do mundo, tem um parque industrial considerável e instituições econômicas e políticas razoavelmente desenvolvidas, em comparação com o resto do Terceiro Mundo. Mas tem 85 milhões de pobres e 23 milhões de cidadãos que vivem em situação de "extrema penúria", ou seja, cidadãos que mal conseguem obter o mínimo diário de calorias que se requer para a simples sobrevivência. Nosso perfil de distribuição da renda e da riqueza é um dos piores do mundo. O outro motivo da Care ter vindo para o Brasil é o profundo conhecimento que o Peter Bell tem de nosso país, e especialmente a convicção de que podemos fazer muito no combate à pobreza com nossos próprios recursos. A Care já está atuando no Sul da Bahia, mediante programas de geração de renda, e desenvolvendo estudos para outros projetos no Rio de Janeiro e no Nordeste. Outra prioridade importante será o apoio à educação pré-escolar, na faixa de 4 a 6 anos. Creio, porém, que o seu grande potencial não será necessariamente a operação direta de projetos, mas sim uma atuação mediante parcerias com organizações já existentes, catalisando a cooperação entre elas, apoiando-as e, assim, tornando mais eficaz o uso dos recursos. A Care atua em mais de 60 países, mas tinha, até o ano passado, somente 11 sedes autônomas, todas no Primeiro Mundo. O Brasil deverá ser o 12o membro autônomo dessa federação de Cares.

Rets - A Care Brasil pretende trabalhar com a concessão de crédito para microempreeendores. Quais serão os critérios para a concessão de empréstimos e que valor a entidade pretende inicialmente investir? Bolívar Lamounier - Estas questões de caráter operacional estão sendo estudadas pelo diretor-executivo, Marcos Athias Neto, e por sua equipe. A Care pretende atuar de maneira realista e objetiva, identificando formas e caminhos que permitam o melhor emprego possível dos recursos.

Rets - O senhor acredita que é o momento de outros intelectuais deixarem de se dedicar exclusivamente à vida acadêmica em troca de um envolvimento mais próximo com as organizações da sociedade civil? Bolívar Lamounier - Acho que não devemos contrapor uma coisa à outra. Acho que intelectuais, assim como empresários, profissionais liberais e outros, podem, sem prejuízo de suas ocupações específicas, dedicar algum tempo e esforço a atividades de combate à pobreza.

Rets - Que análise o senhor faz do papel do terceiro setor no Brasil e das suas perspectivas? Bolívar Lamounier - Quando falo de recursos, falo de dinheiro, claro, mas não apenas de dinheiro. Falo também de uma imensa rede de organizações e ONGs, bem como de organizações públicas e privadas, que em conjunto representam um enorme volume de experiência, de conhecimentos técnicos e de motivação para enfrentar o problema. O Terceiro Setor vem crescendo rapidamente e já representa uma soma muito expressiva de recursos. Uma soma ainda maior pode e deve ser mobilizada, aqui dentro, na medida em que a sociedade vai se conscientizando de que a situação atual é intolerável e até insustentável.

Rets - O primeiro Fórum Social Mundial defendeu que "um outro mundo é possível". O segundo se propôs a mostrar como. Quando, afinal, podemos esperar que esse novo mundo possível e viável se torne real? Bolívar Lamounier - Eu espero que seja num futuro próximo, mas prefiro não me concentrar nessa indagação. Demorando muito ou pouco, o que sei é que uma sociedade não pode ficar parada, esperando que as coisas aconteçam. Durante décadas e décadas, nós, brasileiros, acreditamos que a pobreza acabaria "naturalmente", como fruto do crescimento econômico. Hoje sabemos que a história é outra. Em vez de repetir o erro dos últimos cinqüenta anos, quando ficamos confortavelmente esperando até que o Estado e as grandes empresas privadas promovessem o crescimento da economia, precisamos pôr mãos à obra, mobilizar todos os recursos possíveis, todas as organizações que possam contribuir seriamente e encarar o desafio: acabar com esse quadro de pobreza extrema, que é obviamente intolerável e, em médio prazo, insustentável, incompatível com o país em que todos desejamos viver.

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