Notícias
Trabalho social: remediar ou transformar?
Por Instituto Ethos - Oded Grajew   26 de julho de 2002
Foi realizado recentemente, pela Folha e pelo Ipea, um seminário sobre
`Combate à fome e à pobreza`. Na minha participação, defendi a importância
de associar o trabalho social à avaliação do modelo econômico e à discussão
das políticas públicas, especialmente no que tange à elaboração dos
orçamentos.
Tenho visto inúmeros programas e iniciativas na área social por parte de secretarias municipais, estaduais e federais, de organizações e movimentos não-governamentais, de empresas e fundações privadas que conseguem ajudar milhões de brasileiros carentes a sobreviver e a se integrar à sociedade.
No caso do Brasil, país de enormes carências, esse trabalho possui um imenso mérito; mas penso que chegou o momento de este movimento dar um salto qualitativo. É hora de promover uma ampla reflexão sobre as causas da pobreza e das desigualdades, para entender melhor o processo que desgraça tantos brasileiros e, consequentemente, conseguir agir, não apenas sobre os efeitos da pobreza, mas sobre suas causas.
Não adianta enxugar o chão com grande dedicação se não levantarmos a cabeça e percebermos que o teto está furado e que, se não o consertarmos, não conseguiremos dar conta da quantidade crescente de água que está entrando. As entidades sociais que o digam, sentindo que, cada vez mais, mesmo ampliando seu atendimento, não conseguem dar conta da demanda.
O Brasil adotou nos últimos anos um modelo econômico com determinadas características. Abriu suas fronteiras de forma precipitada e indiscriminada, o que causou o fechamento de várias empresas nacionais, a venda de empresas brasileiras para estrangeiras ou a transformação de produtores em importadores. Privatizou várias companhias estatais. Ancorou o real no dólar, numa paridade muito baixa, o que, associado à abertura das importações, fez a nossa balança comercial se tornar deficitária.
Para cobrir o déficit das contas externas, o governo continuou a vender suas empresas, teve que contrair mais dívidas e aumentar a taxa de juros para atrair investidores. O aumento da dívida e da taxa de juros faz crescer as despesas do governo, o que o obriga a elevar os impostos, endividar-se ainda mais para cobrir os encargos da dívida e manter a taxa de juros alta para atrair os investidores.
É o caso de uma empresa que gasta mais do que vende. Em vez de tentar reduzir seus gastos e aumentar suas vendas, ela cobre seu déficit vendendo seus ativos e contraindo dívidas. Uma hora o patrimônio acaba e os credores não querem aumentar os empréstimos para não ultrapassar o limite do risco -e a empresa vai à falência (é o que aconteceu com a Argentina).
Vejamos o que este modelo econômico produziu no Brasil nos últimos oito anos: a carga tributária passou de 25% para 33% do PIB, a dívida externa passou de US$ 160 bilhões para US$ 226 bilhões e a dívida interna, de R$ 72 bilhões para R$ 680 bilhões; a despesa de juros do governo passou de R$ 32 bilhões para R$ 80 bilhões. Aumento de impostos e alta taxa de juros, somados à abertura indiscriminada da economia, provocam baixo crescimento e desemprego.
O PIB cresceu em média 2,3% ao ano, o desemprego oficial passou de 5,1% para 7,5% e a renda média do trabalhador caiu 10%. Os trabalhadores com carteira assinada passaram de 49,2% para 44,9%. A conta de juros passou a representar uma fatia cada vez maior do Orçamento, diminuindo a capacidade do governo de oferecer serviços públicos de qualidade para a população mais pobre que os usa. Desemprego, péssima distribuição de renda e falta de recursos públicos de segurança são um caldo perfeito para a violência. O número de assassinatos cresceu 29% (48% entre os jovens) e o de seqüestros disparou.
É bom saber que este não é o único modelo econômico possível. Vários países, entre eles todos os desenvolvidos, privilegiam a produção e o emprego, protegendo e subsidiando as empresas e os mercados locais, mantêm taxas de juros baixas, incentivam as pequenas e médias empresas, promoveram há muito tempo a reforma agrária e destinam os recursos públicos prioritariamente à população de baixa renda.
Além de avaliar o modelo econômico, todo o movimento social, público e privado, deveria participar ativamente na elaboração e acompanhar a execução dos orçamentos públicos. É aí que são decididas as políticas e, principalmente, as prioridades. É a peça mais importante de qualquer organização e que, infelizmente, no Brasil, fica, na maioria das vezes, à mercê de interesses de poderosos grupos privados e políticos que nada têm a ver com interesses públicos.
Debater e influir no modelo econômico e nos orçamentos públicos fará o movimento social passar do papel de quem tenta remediar a pobreza para o de quem promove mudanças nas estruturas que sustentam o modelo de exclusão social no Brasil.
* Oded Grajew é diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 20 de junho de 2002.
Tenho visto inúmeros programas e iniciativas na área social por parte de secretarias municipais, estaduais e federais, de organizações e movimentos não-governamentais, de empresas e fundações privadas que conseguem ajudar milhões de brasileiros carentes a sobreviver e a se integrar à sociedade.
No caso do Brasil, país de enormes carências, esse trabalho possui um imenso mérito; mas penso que chegou o momento de este movimento dar um salto qualitativo. É hora de promover uma ampla reflexão sobre as causas da pobreza e das desigualdades, para entender melhor o processo que desgraça tantos brasileiros e, consequentemente, conseguir agir, não apenas sobre os efeitos da pobreza, mas sobre suas causas.
Não adianta enxugar o chão com grande dedicação se não levantarmos a cabeça e percebermos que o teto está furado e que, se não o consertarmos, não conseguiremos dar conta da quantidade crescente de água que está entrando. As entidades sociais que o digam, sentindo que, cada vez mais, mesmo ampliando seu atendimento, não conseguem dar conta da demanda.
O Brasil adotou nos últimos anos um modelo econômico com determinadas características. Abriu suas fronteiras de forma precipitada e indiscriminada, o que causou o fechamento de várias empresas nacionais, a venda de empresas brasileiras para estrangeiras ou a transformação de produtores em importadores. Privatizou várias companhias estatais. Ancorou o real no dólar, numa paridade muito baixa, o que, associado à abertura das importações, fez a nossa balança comercial se tornar deficitária.
Para cobrir o déficit das contas externas, o governo continuou a vender suas empresas, teve que contrair mais dívidas e aumentar a taxa de juros para atrair investidores. O aumento da dívida e da taxa de juros faz crescer as despesas do governo, o que o obriga a elevar os impostos, endividar-se ainda mais para cobrir os encargos da dívida e manter a taxa de juros alta para atrair os investidores.
É o caso de uma empresa que gasta mais do que vende. Em vez de tentar reduzir seus gastos e aumentar suas vendas, ela cobre seu déficit vendendo seus ativos e contraindo dívidas. Uma hora o patrimônio acaba e os credores não querem aumentar os empréstimos para não ultrapassar o limite do risco -e a empresa vai à falência (é o que aconteceu com a Argentina).
Vejamos o que este modelo econômico produziu no Brasil nos últimos oito anos: a carga tributária passou de 25% para 33% do PIB, a dívida externa passou de US$ 160 bilhões para US$ 226 bilhões e a dívida interna, de R$ 72 bilhões para R$ 680 bilhões; a despesa de juros do governo passou de R$ 32 bilhões para R$ 80 bilhões. Aumento de impostos e alta taxa de juros, somados à abertura indiscriminada da economia, provocam baixo crescimento e desemprego.
O PIB cresceu em média 2,3% ao ano, o desemprego oficial passou de 5,1% para 7,5% e a renda média do trabalhador caiu 10%. Os trabalhadores com carteira assinada passaram de 49,2% para 44,9%. A conta de juros passou a representar uma fatia cada vez maior do Orçamento, diminuindo a capacidade do governo de oferecer serviços públicos de qualidade para a população mais pobre que os usa. Desemprego, péssima distribuição de renda e falta de recursos públicos de segurança são um caldo perfeito para a violência. O número de assassinatos cresceu 29% (48% entre os jovens) e o de seqüestros disparou.
É bom saber que este não é o único modelo econômico possível. Vários países, entre eles todos os desenvolvidos, privilegiam a produção e o emprego, protegendo e subsidiando as empresas e os mercados locais, mantêm taxas de juros baixas, incentivam as pequenas e médias empresas, promoveram há muito tempo a reforma agrária e destinam os recursos públicos prioritariamente à população de baixa renda.
Além de avaliar o modelo econômico, todo o movimento social, público e privado, deveria participar ativamente na elaboração e acompanhar a execução dos orçamentos públicos. É aí que são decididas as políticas e, principalmente, as prioridades. É a peça mais importante de qualquer organização e que, infelizmente, no Brasil, fica, na maioria das vezes, à mercê de interesses de poderosos grupos privados e políticos que nada têm a ver com interesses públicos.
Debater e influir no modelo econômico e nos orçamentos públicos fará o movimento social passar do papel de quem tenta remediar a pobreza para o de quem promove mudanças nas estruturas que sustentam o modelo de exclusão social no Brasil.
* Oded Grajew é diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 20 de junho de 2002.