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Brinquedos, pão e muito amor

Por Consumidor Moderno    29 de julho de 2002
Numa tarde ensolarada de junho, Maria Lúcia Alckmin, presidente do Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo (Fussesp) e primeira-dama do Estado, cumpria sua agenda no Centro Comunitário Ludovico Pavane. A instituição desenvolve trabalho para a comunidade carente da favela Real Parque, na zona Sul da capital paulista. Maria Lúcia estava acompanhada por Gabriel Jaramillo, presidente do Grupo Santander Banespa. Visitavam uma das duas mil "Padarias Artesanais" doadas pelo grupo para o projeto de geração de emprego e renda do Fussesp. O "Padarias Artesanais" é um dos principais projetos do fundo. Até agora, já capacitou 4.000 pessoas nos 645 municípios do Estado e doou 2,3 mil kits com forno, botijão de gás, balança, liqüidificador, batedeira e quatro assadeiras. Além de organizações da sociedade civil, 23 tribos indígenas, núcleos de 45 conjuntos habitacionais da Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano (CDHU), creches, hospitais e as 54 unidades da Febem receberam os kits. O sucesso do projeto está baseado na multiplicação do aprendizado das entidades para a comunidade.

"É um projeto sensacional para a economia do Estado e para os participantes, que podem iniciar um negócio", comemora Jaramillo. "Com os kits, produzimos pães para as crianças da entidade e já recebemos encomendas da vizinhança", diz Neuza Soares de Barros Oliveira, assistente social do centro comunitário.

Durante a visita, Maria Lúcia, ou Dona Lu, conversa com crianças e se emociona ao ouvir a canção ensaiada por eles. Aliás,não é raro Dona Lu se emocionar, como ocorreu durante a entrevista concedida logo depois, em seu gabinete, à Consumidor Moderno. A primeira-dama conta que sempre teve inclinação para atuar na área social. Desde pequena, quando morava no interior de São Paulo, sua mãe fazia bolos para os pobres. "Desde então decidi que queria ser como ela", diz. À frente do Fussesp há um ano e meio, Maria Lúcia Alckmin mostra que foi fiel à decisão. Ela trabalha no interior do Estado com as presidentes das 13 regionais do fundo; na capital, com as 1,3 mil entidades cadastradas no Fussesp. "Não existe fundo social aqui, então eu faço esse trabalho - e adoro", diz.

Consumidor Moderno: Como foi capacitar os moradores do interior para o "Padarias Artesanais"?

Maria Lúcia Alckmin: Fiz parceria com a Secretaria da Agricultura e nas 13 regionais foram capacitados todos os municípios do Estado de São Paulo. Cada um mandou dois multiplicadores, que fizeram o curso de um dia nas regionais. A parte da manhã é teórica, e ensina tudo sobre cidadania, não só a fazer pão. Ensinamos a escovar as unhas, usar touca, avental, a aproveitar melhor os alimentos, não jogar papel no chão, cuidar da casa... À tarde, os participantes colocam a mão na massa.



Consumidor Moderno: A senhora tem exemplos de beneficiados?

Maria Lúcia Alckmin: Tem uma senhora capacitada, Dona Lurdes, muito simples e especial, que recebeu a padaria no ano passado, antes do Natal. Mora numa favela da zona norte da capital e trabalha numa creche. Durante o dia, faz pão para as crianças, que antes não o comiam. Depois que as crianças saem, ela dá cursos para ensinar a comunidade a fazer e vender o pão: 140 pessoas aprenderam com Dona Lurdes e já têm fonte de renda, estão conseguindo comprar arroz e feijão para a família. Fui lá no Natal e vi aquelas crianças de pé no chão falando sobre amor, solidariedade. Choro só de lembrar, é muito bonito ver pessoas sem nada sendo solidárias.



Consumidor Moderno: Por que formar "padeiros" e não outra mão-de-obra?

Maria Lúcia Alckmin: Fiquei um ano e meio na periferia ouvindo a população. Fiz pesquisa para detectar o que eles acham importante para o desenvolvimento das comunidades. Pediram comida. Sou contra o assistencialismo. De que adianta dar cesta básica hoje, se no mês que vem a fome volta? Ensino a fazer pãozinho. O "Padarias Artesanais" é um projeto que não tem fim. E terminando a "Campanha do Agasalho", começa a do alimento. As pessoas estão se envolvendo e começam a perceber que a coisa mais gostosa é a solidariedade. Temos outros projetos de geração de renda, como o de reciclagem de papel, que tem sido multiplicado nas comunidades, e cursos de computação, que duram seis meses, cujos participantes reproduzirão conhecimentos na periferia. Para cada formando a entidade recebe um computador, doado por empresas.



Consumidor Moderno: O que mais foi percebido durante as visitas e se transformou em projeto?

Maria Lúcia Alckmin: Muitos queriam aprender a tirar CNPJ, a fazer uma cooperativa. Surgiu o "Universidade Cidadã", para aproximar o jovem universitário da comunidade carente. Começamos por faculdades de direito. Das 68 do Estado, 60 já aderiram. A universidade apresenta um projeto e o estudante pode fazer trabalho social, ir para as comunidades e ensinar, por exemplo, como tirar um documento. Tenho procurado fazer com que esse trabalho conste do currículo estudantil. No momento de um emprego, o empresário vai escolher quem conhece a realidade, que não é isso (aponta para seu gabinete). A realidade é o povo passando fome, sem infra-estrutura, precisando de capacitação...



Consumidor Moderno: O Fussesp também doou brinquedos para a comunidade carente. Por que investir na "Casa de Brinquedo"?

Maria Lúcia Alckmin: Quando visitei a periferia percebi que as crianças não tinham brinquedos. Comentei com o Geraldo (Alckmin) que queria dar brinquedos para elas, tirá-las da rua. A Estrela tinha uma dívida com o Governo do Estado e ele concordou em fazer um acordo e abater a dívida com brinquedos. Hoje são 4.250 casas, cada uma com 200 brinquedos, para todos os 645 municípios. As presidentes dos fundos regionais escolhem o que fazer para atender à necessidade da região. Um caso interessante é o de um prefeito de uma cidade do interior que está construindo uma casa de vidro na praça onde as crianças vão brincar. Em outra, um dos fundos sociais ganhou uma Kombi, onde foram colocados os brinquedos e que cada dia vai a uma escola rural. Em uma reunião com representantes de entidades, elas disseram receber bonecas sem perna... É humilhante. Por-caria não é solidariedade, não é amor.

Consumidor Moderno: Quais os resultados da "Casa de Brinquedo"? Maria Lúcia Alckmin: O pe. Rosalvino, em São Paulo, quando as crianças que estão na entidade não estão usando os brinquedos, abre para outras crianças brincarem. A criança aprende a socializar e a dividir, sabe que não é para levar para casa o que não é seu. Além disso, a casa aproximou os pais das entidades, muitos nunca tinham visitado o lugar em que seus filhos ficam - quando as crianças contaram sobre os brinquedos nem acreditaram que era verdade, foram conferir e passaram a participar. Foi ótimo, não vamos conseguir trabalhar só a criança sem a família. Alguns pais ficaram tão encantados com os brinquedos novos que alguns se sentam no chão para brincar... Outros se ofereceram para pintar a entidade. Uma coisa tão simples, não custou nada, foi um acordo e ajudou tanta gente.



Consumidor Moderno: Ao assumir o fundo social, qual seu desafio?

Maria Lúcia Alckmin: Por sete anos a Dona Lila (Covas) foi minha professora. Quando assumi dei continuidade ao seu trabalho, priorizando o projeto de geração de renda, para cada vez mais deixar o assistencialismo.

Consumidor Moderno: Quem define onde o dinheiro será investido?

Maria Lúcia Alckmin: Sou eu. Me reporto à Secretaria de Governo.

Consumidor Moderno: Quem dá a palavra final, o governador Geraldo Alckmin?

Maria Lúcia Alckmin: Nos projetos não, mas precisa da assinatura dele. Houve um projeto em que distribui oito mil reais para 250 municípios investirem em projetos de geração de renda, ele assinou. No caso das "Padarias Artesanais" , parceria com a sociedade civil, não entra dinheiro: o empresário compra o kit, eu só capacito a comunidade. Quando o empresário doa o processo é mais rápido.

Consumidor Moderno: A senhora sentiu alguma resistência por parte de municípios com prefeitos de diferentes partidos?

Maria Lúcia Alckmin: Não. Todos os 645 receberam o "Padarias Artesanais" e a "Casa de Brinquedo". As presidentes de fundos municipais sabem que não faço distinção. Não me interessa o partido, mas o ser humano.

Consumidor Moderno: Há resistência das empresas participarem da área social por considerarem ser obrigação do Estado?

Maria Lúcia Alckmin: Não, tenho sido procurada com ofertas de ajuda. Hoje é mais vantagem para a empresa investir no social do que em brindes. É o caminho. O Estado não dá conta de tudo, a união de governo e sociedade civil é importantíssima.



Consumidor Moderno: De onde vêm os recursos do Fussesp?

Maria Lúcia Alckmin: Dois milhões de reais, dos leilões dos inservíveis do Estado; outros dois milhões de reais do Tesouro, para pagar funcionários, técnicos... Há também duas unidades da Casa da Solidariedade, na Capital, que juntas atendem mais de 500 menores entre sete e 14 anos com alimentação, reforço escolar e atendimento médico. Hoje os pais estão também envolvidos e fazem parte de um coral. A Estação Especial da Lapa é outra mantida pelo fundo, com trabalho mais voltado a portadores de deficiência.



Consumidor Moderno: O Fundo Social de Solidariedade serve de exemplo para outros Estados?

Maria Lúcia Alckmin: Já recebi cartas de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Maranhão e até do Equador e da Argentina pedindo "Padarias Artesanais". Enviamos um projeto explicando como funciona e como procurar empresas para parcerias.

Consumidor Moderno: Que balanço a senhora faz de sua presidência do Fussesp?

Maria Lúcia Alckmin: De realizações e alegrias por ter conhecido pessoas maravilhosas. Aqui na capital, presidentes de entidades que desenvolvem trabalhos belíssimos; no interior, tenho orgulho das presidentes dos fundos de todo o Estado, que arregaçam as mangas. Ninguém faz nada sozinho. Cada um tem sua função e juntos geramos um trabalho lindo em busca do ideal de gerar emprego, renda e melhoria de qualidade de vida da população.

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