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Um farol para a justiça

Por Jornal A Tarde - Gil Maciel   7 de agosto de 2002
Jucineide Ataíde, Nordeval Marques, Maristela R. Moraes, Sivaldo dos Santos, Bruno Fratoni de Souza. Cinco jovens de Salvador, todos mortos. O nome deles e de mais 160 vítimas de assassinatos em Salvador e Região Metropolitana, entre 1991 e 2001, foi escrito em cruzes brancas, fincadas no gramado em frente ao Farol da Barra, na última quarta-feira à tarde.

O ato público de alerta contra a violência e protesto contra a impunidade foi organizado pelo Grupo de Pais de Vítimas de Violência do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan (Cedeca) e pela Comissão dos Direitos Difusos e Coletivos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional Bahia.

De acordo com dados divulgados pelo Mapa da Violência III da Unesco, a taxa de homicídios entre a população jovem da Bahia (de 15 a 24 anos) aumentou em 371,9% de 1991 a 2000. Em dez anos (1991-2001), o Instituto Médico-Legal registrou, em Salvador e Área Metropolitana, o assassinato de 1.453 crianças e adolescentes.

Dados recolhidos dos prontuários do IML, entre 1997 e 2001, pelo Fórum Comunitário de Combate à Violência, dão conta de que 47% dos jovens assassinados tinham entre 15 e 18 anos e, de acordo com o folheto para mobilização entregue pelo Cedeca, o perfil das vítimas é praticamente o mesmo: adolescente negro e pobre, morando em bairro periférico.



Contra a morosidade

As cruzes que transformaram o cartão-postal da Barra em pano de fundo para esta denúncia materializaram, através dos nomes escritos, 165 casos exemplares de violência e impunidade, acontecidos entre 1991 e 2001. Para 1.453 assassinatos, menos de 50 suspeitos foram levados a julgamento. É esse estado de coisas que o Grupo de Pais de Vítimas da Violência pretende modificar.

A dona de casa Nalzedir Silva segurou um cartaz durante todo o protesto, pedindo justiça para o assassinato do sobrinho André Luiz Silva, 17 anos, morto a pedradas no bairro de Iapi, em novembro do ano passado. “O inquérito policial está parado na delegacia até hoje. Ninguém toma providência, e a gente tem que conviver com os suspeitos, que moram perto”, desabafa.

Já Maria das Graças Conceição de Souza denuncia a morosidade na apuração do assassinato do sobrinho Bruno Fratoni de Souza, 16 anos, morto, com dois tiros na cabeça, depois de uma confusão em uma festa no bairro de Roma. O crime aconteceu em dezembro de 2000, “e até agora o inquérito policial não foi concluído”, afirma. Maria das Graças é líder do Grupo de Pais de Vítimas da Violência e, apesar do drama pessoal, diz-se contente com a mobilização dos cerca de 20 parentes de vítimas que compõem o grupo. “Acho que estamos mais maduros, organizando protestos mais estruturados, porque o que a gente quer é dar mais visibilidade a nossa causa e luta pela justiça”, explica.



Resultados

Parece que a mobilização já começa a surtir efeito. Na tarde da última quarta-feira, a também dona de casa Gildra Gama foi até o Farol, vestindo uma camiseta com a imagem do filho, Ricardo Gama, 20 anos, morto com um tiro nas costas na cidade de Belmonte, sul do Estado. “O inquérito está parado há oito meses. Eu mudei para Salvador porque não há mais clima para viver lá. O acusado é um policial militar que, além de não ser preso, foi transferido. Gildra espera encontrar ajuda no Grupo de Pais: “É preciso união para buscar soluções legais conjuntas”, diz.

Para o advogado Maurício Freire Alves, que há cerca de cinco anos trabalha com o grupo, o mais difícil é ser o elo técnico entre a família e o processo, que é sempre longo. “A morte violenta de um ente querido provoca um luto insuportável, e o processo judicial é desesperador para as famílias” , explica. Hélia Barbosa, cooordenadora-geral do Cedeca, explica que o Grupo, criado há cerca de dez anos, vem amadurecendo sua função e importância tanto dentro do Cedeca como na sociedade: “A gente tem que trabalhar para que a dor seja transformada em ação. Para que eles possam externar a revolta de uma maneira produtiva para o exercício da cidadania e alcançar o entendimento de que o grupo possa ser um instrumento para se compartilhar a indignação e a dor”, reflete.

O advogado Ney Viana, da Comissão dos Direitos Difusos e Coletivos, afirma que é preciso buscar caminhos institucionais contra essa violência e que a OAB/Bahia, juntamente com o Ministério Público e com o Tribunal de Justiça, criou uma comissão que vai sugerir mudanças reformas no Poder Judiciário, “para que ele tenha uma agilidade maior nos processos”. Já o coordenador do escritório regional da Unesco, Djalma Benedito, que apoiou o evento, acredita que “a inclusão social e um desenvolvimento social mais justo são alguns dos caminhos que podem ajudar a diminuir essa violência”.

Além da Unesco, também apoiaram o ato: OAF, Cese, Ufba e Unicef. Para Rui Pavan, coordenador do Unicef para Sergipe e Bahia, um fator preocupante é a acomodação da sociedade. “É preciso cuidado para não criarmos uma cultura de banalização do assassinato de crianças e adolescentes com os perfis de pobreza apontados”, alerta.

Em tempo: o Grupo de Pais de Vítimas de Violência reúne-se, quinzenalmente, às quintas-feiras, a partir da 14 horas, na sede do Cedeca (Rua da Conceição da Praia, 32, Comércio). Mais informações sobre o Grupo podem ser conseguidas através dos telefones 243-8499 e 326-9878.

* Gil Maciel é jornalista e voluntário do Estado de Paz

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