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ONGs estão concentradas nas áreas ricas
Por O Estado de São Paulo - FELIPE WERNECK   22 de outubro de 2001
A crítica, feita pela secretária da Assistência Social, provoca polêmica
RIO - Quinze anos após a explosão do número de organizações não-governamentais no País, verifica-se que estão concentradas em grandes centros urbanos, regiões mais favorecidas por ações do poder público. Quem aponta isso é a responsável pela Secretaria de Assistência Social, vinculada ao Ministério da Previdência, Wanda Engel. Ela critica o "monopólio" exercido por um grupo de ONGs com mais visibilidade e acesso à mídia e o estrangulamento das pequenas e médias organizações.
A crítica da secretária baseia-se em levantamento feito junto à Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), no qual verificou que 42% das ONGs filiadas à entidade se concentram na região Sudeste. "Repete-se no campo da sociedade civil o mesmo fenômeno de mercado", diz Wanda. "As ONGs estão concentradas onde o Brasil é mais rico, seguindo a mesma distribuição injusta de renda existente no País."
Para outra especialista no assunto a questão precisa ser "relativizada".
Trata-se da antropóloga Leilah Landim, pesquisadora do Instituto Superior de Estudos da Religião (Iser) e autora do estudo ONGs: Um Perfil do Cadastro das Filiadas à Abong. "Embora sem visibilidade, no interior do Brasil existem pequenas organizações, estruturadas localmente. Acredito que são fenômenos mais invisíveis do que inexistentes", diz.
Para a antropóloga, o crescimento do número de ONGs em centros como Rio e São Paulo é um "fenômeno natural e previsível". Leilah estima que existam cerca de 15 mil organizações no País, incluindo as entidades ligadas a igrejas. Esse número foi obtido a partir do registro das 250 mil organizações que se declararam sem fins lucrativos junto à Receita Federal.
Criada há dez anos, a Abong tem 256 filiadas, entre elas organizações de grande porte, como Fundação SOS Mata Atlântica, Centro Brasileiro de Análises e Planejamento (Cebrap), Médicos Sem Fronteiras e Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia).
Licitação - O prefeito do Rio, Cesar Maia, concorda com a avaliação da secretária Wanda Engel, que foi responsável pela pasta de Desenvolvimento Social, durante o período anterior em que ele esteve à frente da administração municipal, entre 1993 e 1996.
No início do ano, um dos primeiros atos do prefeito foi romper os convênios com a organização não-governamental Viva Rio, que atua na área de direitos humanos, segurança pública e educação. "As ONGs estão se transformando em empresas prestadoras de serviço, que fogem da licitação. O Viva Rio é um exemplo disso. Como tem visibilidade através da TV Globo, passa a interessar às empresas que querem divulgar sua marca associada a projetos sociais", afirmou Maia, em entrevista por e-mail.
Para o prefeito, uma ONG não pode prestar serviços continuados, como ocorre com algumas entidades. "Sua função é temática, crítica, de desenvolvimento ou implantação de idéias. Portanto, sua relação com o setor público deve ser temporária." Hoje a Prefeitura do Rio mantém convênios com cerca de 300 ONGs, mas o prefeito quer reduzir esse número.
O antropólogo Rubem César Fernandes, diretor do Viva Rio, considera natural a concentração de ONGs em áreas com mais recursos. "É a realidade do País.
Não temos um orçamento para decidir a região na qual vamos nos instalar e por isso prevalece a lógica do mercado."
Ele ressalta que o Viva Rio concentra suas atividades em regiões mais pobres como as zonas oeste e norte da cidade e a Baixada Fluminense. Com o cancelamento dos contratos com a prefeitura, diz Fernandes, a ONG foi buscar recursos para seus projetos junto ao setor privado.
Segundo o antropólogo, o Viva Rio movimentou R$ 14 milhões no ano passado - 60% de recursos privados e 40%, públicos.
A ONG coordena cerca de 500 projetos, executados por 354 organizações comunitárias. "Toda a gestão é feita por pequenas entidades, somos apenas intermediários. A gente precisa dessas parcerias, porque sem a presença delas ninguém entraria nas favelas."
Finanças - Para a secretária Wanda Engel, as ONGs deveriam publicar seus relatórios financeiros, informando suas fontes de recursos. "O mundo das ONGs é igual ao de qualquer outro nicho social. Há incompetentes e competentes."
Por serem entidades civis declaradas sem fins lucrativos, as ONGs podem se constituir legalmente como associações ou fundações. A primeira forma é a mais utilizada, correspondendo a 95% dos casos, segundo Leilah Landim, porque não implica a existência de um patrimônio prévio, além de permitir imunidades e isenções.
"Nosso relatório financeiro está na Internet. É só consultar", diz Fernandes. O coordenador do Instituto Sou da Paz, de São Paulo, Dênis Mizne, concorda com a reivindicação da secretária. "As ONGs têm alguns benefícios e devem tornar públicas suas finanças, trabalhando sempre com profissionalismo e transparência."
Segundo Mizne, a organização que coordena programou investimentos de R$ 3 milhões em projetos sociais para este ano e possui parcerias com outras 30 ONGs. "Temos diversas fontes, pois não podemos depender somente de recursos governamentais."
A ONG atua em oito bairros situados na periferia de São Paulo. "Há lugares aqui com índices de violência e desemprego bem mais altos que outras regiões do País", diz o coordenador, rebatendo a crítica sobre a concentração em regiões mais ricas.
Limites - Segundo Wanda, o governo federal tem incentivado a formação de ONGs comunitárias, com ação mais localizada, e a diversificação das parcerias. Quer impor limites à atuação das grandes organizações. "Tentamos fortalecer as pequenas, ensinando lideranças jovens a chegar às fontes de financiamento e estimulando a contratação de pessoas das comunidades", afirma a secretária.
O trabalho de ONGs situadas fora das comunidades é intermitente. Já aquelas que surgem por iniciativa dos moradores têm mais durabilidade e impacto social, segundo Wanda. Como exemplo ela cita o trabalho feito em creches do Rio: "Das 500 creches, mais de 70% têm parcerias com ONGs. É um trabalho de profissionalismo e militância."
A secretária conta que o papel protagonista do poder público como financiador de projetos de assistência social -muitas vezes, administrados por ONGs - ficou evidente depois que começaram a secar as fontes de financiamento de projetos. "O Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) se voltaram para a Europa Oriental e não colocam mais recursos a fundo perdido no Brasil."
RIO - Quinze anos após a explosão do número de organizações não-governamentais no País, verifica-se que estão concentradas em grandes centros urbanos, regiões mais favorecidas por ações do poder público. Quem aponta isso é a responsável pela Secretaria de Assistência Social, vinculada ao Ministério da Previdência, Wanda Engel. Ela critica o "monopólio" exercido por um grupo de ONGs com mais visibilidade e acesso à mídia e o estrangulamento das pequenas e médias organizações.
A crítica da secretária baseia-se em levantamento feito junto à Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), no qual verificou que 42% das ONGs filiadas à entidade se concentram na região Sudeste. "Repete-se no campo da sociedade civil o mesmo fenômeno de mercado", diz Wanda. "As ONGs estão concentradas onde o Brasil é mais rico, seguindo a mesma distribuição injusta de renda existente no País."
Para outra especialista no assunto a questão precisa ser "relativizada".
Trata-se da antropóloga Leilah Landim, pesquisadora do Instituto Superior de Estudos da Religião (Iser) e autora do estudo ONGs: Um Perfil do Cadastro das Filiadas à Abong. "Embora sem visibilidade, no interior do Brasil existem pequenas organizações, estruturadas localmente. Acredito que são fenômenos mais invisíveis do que inexistentes", diz.
Para a antropóloga, o crescimento do número de ONGs em centros como Rio e São Paulo é um "fenômeno natural e previsível". Leilah estima que existam cerca de 15 mil organizações no País, incluindo as entidades ligadas a igrejas. Esse número foi obtido a partir do registro das 250 mil organizações que se declararam sem fins lucrativos junto à Receita Federal.
Criada há dez anos, a Abong tem 256 filiadas, entre elas organizações de grande porte, como Fundação SOS Mata Atlântica, Centro Brasileiro de Análises e Planejamento (Cebrap), Médicos Sem Fronteiras e Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia).
Licitação - O prefeito do Rio, Cesar Maia, concorda com a avaliação da secretária Wanda Engel, que foi responsável pela pasta de Desenvolvimento Social, durante o período anterior em que ele esteve à frente da administração municipal, entre 1993 e 1996.
No início do ano, um dos primeiros atos do prefeito foi romper os convênios com a organização não-governamental Viva Rio, que atua na área de direitos humanos, segurança pública e educação. "As ONGs estão se transformando em empresas prestadoras de serviço, que fogem da licitação. O Viva Rio é um exemplo disso. Como tem visibilidade através da TV Globo, passa a interessar às empresas que querem divulgar sua marca associada a projetos sociais", afirmou Maia, em entrevista por e-mail.
Para o prefeito, uma ONG não pode prestar serviços continuados, como ocorre com algumas entidades. "Sua função é temática, crítica, de desenvolvimento ou implantação de idéias. Portanto, sua relação com o setor público deve ser temporária." Hoje a Prefeitura do Rio mantém convênios com cerca de 300 ONGs, mas o prefeito quer reduzir esse número.
O antropólogo Rubem César Fernandes, diretor do Viva Rio, considera natural a concentração de ONGs em áreas com mais recursos. "É a realidade do País.
Não temos um orçamento para decidir a região na qual vamos nos instalar e por isso prevalece a lógica do mercado."
Ele ressalta que o Viva Rio concentra suas atividades em regiões mais pobres como as zonas oeste e norte da cidade e a Baixada Fluminense. Com o cancelamento dos contratos com a prefeitura, diz Fernandes, a ONG foi buscar recursos para seus projetos junto ao setor privado.
Segundo o antropólogo, o Viva Rio movimentou R$ 14 milhões no ano passado - 60% de recursos privados e 40%, públicos.
A ONG coordena cerca de 500 projetos, executados por 354 organizações comunitárias. "Toda a gestão é feita por pequenas entidades, somos apenas intermediários. A gente precisa dessas parcerias, porque sem a presença delas ninguém entraria nas favelas."
Finanças - Para a secretária Wanda Engel, as ONGs deveriam publicar seus relatórios financeiros, informando suas fontes de recursos. "O mundo das ONGs é igual ao de qualquer outro nicho social. Há incompetentes e competentes."
Por serem entidades civis declaradas sem fins lucrativos, as ONGs podem se constituir legalmente como associações ou fundações. A primeira forma é a mais utilizada, correspondendo a 95% dos casos, segundo Leilah Landim, porque não implica a existência de um patrimônio prévio, além de permitir imunidades e isenções.
"Nosso relatório financeiro está na Internet. É só consultar", diz Fernandes. O coordenador do Instituto Sou da Paz, de São Paulo, Dênis Mizne, concorda com a reivindicação da secretária. "As ONGs têm alguns benefícios e devem tornar públicas suas finanças, trabalhando sempre com profissionalismo e transparência."
Segundo Mizne, a organização que coordena programou investimentos de R$ 3 milhões em projetos sociais para este ano e possui parcerias com outras 30 ONGs. "Temos diversas fontes, pois não podemos depender somente de recursos governamentais."
A ONG atua em oito bairros situados na periferia de São Paulo. "Há lugares aqui com índices de violência e desemprego bem mais altos que outras regiões do País", diz o coordenador, rebatendo a crítica sobre a concentração em regiões mais ricas.
Limites - Segundo Wanda, o governo federal tem incentivado a formação de ONGs comunitárias, com ação mais localizada, e a diversificação das parcerias. Quer impor limites à atuação das grandes organizações. "Tentamos fortalecer as pequenas, ensinando lideranças jovens a chegar às fontes de financiamento e estimulando a contratação de pessoas das comunidades", afirma a secretária.
O trabalho de ONGs situadas fora das comunidades é intermitente. Já aquelas que surgem por iniciativa dos moradores têm mais durabilidade e impacto social, segundo Wanda. Como exemplo ela cita o trabalho feito em creches do Rio: "Das 500 creches, mais de 70% têm parcerias com ONGs. É um trabalho de profissionalismo e militância."
A secretária conta que o papel protagonista do poder público como financiador de projetos de assistência social -muitas vezes, administrados por ONGs - ficou evidente depois que começaram a secar as fontes de financiamento de projetos. "O Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) se voltaram para a Europa Oriental e não colocam mais recursos a fundo perdido no Brasil."