Notícias

O lixo é um luxo

Por Vanessa Rosal    17 de janeiro de 2007
São Paulo gera 15 mil toneladas de lixo por dia. Antigamente, quem mais contribuía para a solução do problema eram as organizações não governamentais (ONGs), utilizando a reciclagem como fonte de renda para famílias carentes. "Hoje em dia o lixo virou negócio", afirma o empresário Renato Schneider. Formado em desenho industrial pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), ele inaugurou a primeira loja de artigos 100% reciclados do país no piso térreo do Shopping Metrô Santa Cruz, na zona Sul da cidade.

Garrafas pet, tubos de pasta de dente, fraldas descartáveis, mangueiras velhas, retalhos e pneus dão vida a produtos inusitados como lixeiras, mesas, pufes, porta-retratos, camisetas e vestidos. O projeto pertence à agência de ecodesign Sicllo, idealizada por Renato e por seu colega de faculdade, Daniel Arenas.

"Aqui, o lixo é um luxo", afirmam, com orgulho, os proprietários da loja. E é mesmo. O design refinado, criado por eles e mais três estagiários, dão um toque especial aos formatos. "Não há duas texturas iguais. Os produtos são exclusivos", afirma Arenas.

Produtos – Segundo Schneider, o principal exemplo da loja é o reaproveitamento das garrafas plásticas de refrigerante. Delas, se obtém o poliéster, polímero plástico derivado do petróleo, cuja fibra dá forma a roupas, enchimento de edredons e bichos de pelúcia. "Na nossa loja, usamos a garrafas pet para fazer almofadas com porta controle-remoto e camisetas descoladas". O produto é feito com 50% do lixo reciclado e 50% de algodão.

Já mesas e lixeiras são feitas com chapas de embalagens de alimentos, tubos de pasta de dente e fraldas descartáveis. O preço desses dois tipos de produtos varia entre R$ 136 e R$ 328. "Muita gente entra na loja e acha caro, porque nossa matéria-prima é o lixo. Mas o consumidor precisa entender que há todo um desenvolvimento de projeto por trás de tudo", explica Schneider.

Desde a inauguração da Loja Sicllo, no início de dezembro, Schneider e Arenas atendem cerca de 150 pessoas por dia. Muitos consumidores pedem informações sobre a fabricação dos produtos e sobre o benefício que a reciclagem traz para o meio ambiente. Dez vendedores foram treinados para explicar e fazer a chamada "venda consciente". Ao todo, a loja oferece 45 tipos de produtos. Desse total, dez são feitos por crianças da ONG Adere, que utilizam papel e papelão na confecção dos itens. "O que mais me encanta no projeto é que somos um reflexo da sociedade. Essas crianças precisam da nossa ajuda", diz o proprietário da Sicllo.

Compra consciente – O psicólogo Armando Ribeiro e sua esposa Régia Deamous ficaram quase uma hora dentro da loja mostrando os produtos para Juliana, de apenas 1 ano e meio. "É muita informação boa, isso aqui é o máximo. Minha filha precisa aprender desde cedo a importância da reciclagem", disse Ribeiro. Enquanto passeava pela loja, a menina brincava com um enfeite de mesa feito de isopor e pedaços de cipó. "Ela já entendeu o recado", disse a mãe, Régia.

Para Schneider, a interatividade entre consumidor e produto é fundamental para a loja. "Essa coisa de sentir a textura e sentar nos pufes para saber se é confortável é muito legal. Às vezes, a pessoa entra, segura um bloquinho, olha ao redor, sorri e vai embora."

O sucesso é tanto, que os empresários chegam a faturar R$ 1.500 por dia. "O consumidor está cada vez mais consciente." Por enquanto, não há concorrência no mercado, mas Schneider não descarta essa possibilidade. "Que venham os concorrentes. Afinal, tem lixo para todo mundo, e será um bem enorme para o meio ambiente", diz.

Apesar de tanta dedicação, a reciclagem ainda tem muito a crescer no Brasil. Dos 5.560 municípios brasileiros, apenas 327 têm programas de coleta seletiva. Em 2005, o lixo gerou R$ 7 bilhões em faturamento ao país, além de sustentar 500 mil empregos para os catadores, fora os 50 mil funcionários da indústria recicladora.

Pneus – Segundo estimativa da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), 175 mil toneladas de carcaça de pneus são descartadas por ano, mas a loja Sicllo já utiliza parte desse entulho. A partir dos pneus velhos, são criados pufes com a bandeira do Brasil, e até uma confortável poltrona reclinável. Por R$ 318 é possível adquirir esta peça exclusiva, exposta na entrada do estabelecimento.

A indústria de calçados também inclui pneus na fabricação de seus itens. Há oito anos, a Side Walk utiliza o material para dar forma ao solado das botas e sapatos e confeccionar tiras de chinelo. É o caso também da Goóc, que usa pneu de caminhão reciclado para confeccionar seus produtos.

O mercado é lucrativo. Segundo o diretor comercial Roberto Guincher, a Goóc fabrica 300 mil pares por mês, com matéria prima equivalente a 15 mil pneus de carros ou 5.500 de caminhão. No ano passado, a empresa faturou R$ 20 milhões e em 2006, a expectativa é alcançar R$ 50 milhões. "Todo esse sucesso vem dos consumidores, que estão cada vez mais conscientes. Fizemos uma pesquisa e descobrimos que um dos principais motivos pela escolha dos nossos produtos é o conceito ambiental".

Com três anos no mercado, a Goóc possui 15 lojas no Brasil e em 2007, a previsão é inaugurar mais 15, devido ao aumento da procura pelos calçados de pneus reciclados. Se o sucesso se confirmar, a Sicllo também pretende expandir. "Ser amigo do meio ambiente, sem perder a qualidade dos produtos, melhora a imagem da marca", finaliza Guincher.

Comentários dos Leitores