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O passado na mão dos jovens carentes

Por Marcus Lopes    4 de abril de 2007
Clara de ovo, óleo de linhaça, barro, madeira e capim. O estudante Eduardo Ribeiro da Silva, de 19 anos, não sabia que essa era a matéria-prima utilizada no século 18 para a construção dos casarões e igrejas de Ouro Preto e Mariana, em Minas Gerais. Ele também não podia imaginar que, apesar dos inúmeros avanços tecnológicos da construção civil ao longo dos séculos, vai utilizar esses mesmos materiais para ganhar a vida como restaurador de prédios históricos. das cidades mineiras de Ouro Preto e Mariana

Silva é um dos 40 alunos do curso de pintor-restaurador oferecido pela Escola Senai de Conservação e Restauração de Bens Imóveis, em Ouro Preto. O projeto, uma parceria entre o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial de Minas Gerais (Senai) e a Fundação Aleijadinho, prepara jovens carentes para trabalhar na preservação do patrimônio histórico brasileiro. Desde o ano passado, quando o curso foi inaugurado, 112 jovens de Ouro Preto e Mariana tornaram-se carpinteiros, pintores, eletricistas e pedreiros especializados em restauração de edifícios históricos.

"Apesar do nosso vasto patrimônio, a região é carente de profissionais para esse tipo de trabalho", diz o gerente do Senai responsável pelo curso, Helder Marques. Segundo ele, o público alvo é formado por jovens de baixa renda de Ouro Preto e Mariana, maiores de 17 anos e sem nenhuma experiência profissional. "É muito importante formar pessoas do próprio município, para que eles sejam preparados para cuidar do patrimônio da sua cidade", completa. O investimento para execução do projeto é de cerca de R$ 150 mil por ano, rateados entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), prefeituras e empresas privadas.

No total, são oferecidas 120 vagas por ano e as turmas são separadas em pedreiros, carpinteiros, pintores e eletricistas, todos com especialização em restauro. A carga horária varia entre 200 e 400 horas, conforme a modalidade, e é dividida em aulas teóricas e práticas. "Na parte teórica eles aprendem história da arquitetura, teoria do restauro e técnicas utilizadas na construção dos edifícios", diz Marques. Os alunos não recebem bolsa, apenas um lanche. "Pelo fato de não oferecermos bolsa, é uma vitória conseguir mantê-los na escola, já que muitos precisam trabalhar", salienta Marques.

As aulas práticas acontecem em um galpão de quatro mil metros quadrados da Fundação Aleijadinho. Ali os alunos realizam uma verdadeira viagem no tempo e aprendem a restaurar edifícios com técnicas construtivas utilizadas no século 18. "Naquela época, eles buscavam a matéria-prima na terra, como o barro, o capim e a madeira", diz Marques. Através de protótipos, os alunos aprendem a manusear o pau-a-pique (paredes de barro entrelaçadas com madeira), construir bases sobre pedras e pinturas feitas com óleo de linhaça e cal. A igreja de São Miguel Arcanjo, em frente à Fundação, serve como um "laboratório" dos erros cometidos em reformas realizadas no passado, como as várias camadas de tinta nas paredes. "Mostramos como são comuns os erros em intervenções", diz Marques.

"Eles nem imaginavam que as paredes de um casarão são de barro e capim", diz o instrutor Mauro Lúcio de Jesus, apontando para um dos protótipos no galpão. Outra curiosidade refere-se à pintura das casas, a base de cal, óleo de linhaça e clara de ovo. "A clara de ovo serve como fixador da pintura em cal", explica o instrutor. Para a argamassa, só areia e cal. "No interior dos imóveis é permitida a tinta látex, mas para a pintura das fachadas só pode ser utilizada tinta feita de cal."

No final do curso, os alunos recebem um certificado e seus currículos são enviados para bancos de dados, construtoras e um cadastro do BID. Ainda não há um levantamento de quantos estão empregados, mas o diretor do Senai é otimista. "Há muitos proprietários de casas em Ouro Preto interessados nesses jovens para reformas em suas propriedades."

Entre os jovens, a expectativa de uma formação profissional diferenciada é grande. A primeira opção do estudante Wellyson Júnior, de 20 anos, era o curso de elétrica tradicional do Senai, mas como não havia vagas se inscreveu no curso de pintor-restaurador. "Agora quero ser restaurador", diz Júnior, que está ansioso para arrumar emprego em qualquer cidade histórica do Brasil. "Onde houver serviço está muito bom", afirma. Já Eduardo da Silva quer permanecer em Mariana, cidade onde nasceu e cresceu. "Quero trabalhar no patrimônio de Ouro Preto e Mariana."

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