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Em busca da reparação
Por RITS - Rede de Informações para o Terceiro Setor    19 de novembro de 2001
Afinal, Durban foi um sucesso ou uma decepção? As notícias sobre a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância – realizada em setembro, naquela cidade africana – davam conta de muita polêmica e poucos avanços efetivos. A grande mídia destacou os embates entre árabes e judeus, as manifestações de protesto e a decisão dos Estados Unidos de abandonar a conferência, mas quase nada de significativo foi mencionado sobre consensos ou decisões. Um dos poucos temas a ganharem espaço foi o das reparações aos povos africanos pelos países que praticaram a escravidão. Em Durban, os colonizadores admitiram um pedido formal de desculpas aos negros. Será que basta?
"Reparar significa consertar, compensar algo que foi feito errado. O pedido de perdão, nesse sentido, é fundamental. Como é fundamental o pedido de perdão da Igreja Católica, que durante muito tempo dividiu o homem em três categorias: o homem pleno – o branco –, o que não era pleno, mas tinha alma – o índio – e o bárbaro, que era o negro", afirma Márcio Alexandre Gualberto, da FASE. Ele explica que existem duas propostas com o sentido da reparação pretendida pelos negros. Uma delas reivindica ajuda imediata à África, "hoje um continente perdido, com um percentual imenso de incidência de Aids". A outra diz respeito à implementação de políticas de ação afirmativa para eliminar a desigualdade social.
Dentro desse aspecto, surgiu logo após a conferência a discussão sobre o estabelecimento de cotas para negros nas universidades, como forma de reduzir a absurda disparidade entre negros e brancos nas salas de aula – em um país em que, segundo o censo, praticamente metade da população é de afro-descendentes e apenas 2% chegam ao ensino superior. Márcio Alexandre considera que, como ação imediata, a medida é positiva. Mas é enfático ao cobrar a melhoria do ensino. "Não se trata apenas de uma discussão de cotas, porque isso reduz demais a questão". Em recente entrevista, Sueli Carneiro, coordenadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, batia na mesma tecla: "O debate sobre cotas, embora importante, estreita a problemática. É preciso amarrar as duas pontas, com políticas universalistas que ponham em foco as desigualdades raciais".
Nilza Iraci, também do Geledés, acha que, depois de Durban, o problema racial veio para a "ordem do dia", dando visibilidade a questões que anteriormente eram do âmbito exclusivo do movimento negro. Com a mudança do parâmetro dessas discussões, analisa, a sociedade passou a refletir mais sobre o apartheid social. Nilza cita estudos e índices socioeconômicos do governo para evidenciar o racismo como fator estrutural das desigualdades sociais. "A mídia brasileira reduziu as discussões que ocorreram na Conferência à questão das cotas, num certo maniqueísmo de prós e contras. Cotas não são reparações e nenhuma das duas pode ser considerada a grande panacéia que vai resolver os problemas dos afro-descendentes das Américas", diz ela. "Entretanto reparações, em formas de políticas públicas inclusivas, são fundamentais para diminuir as diferenças abismais criadas pelo racismo."
O conceito de reparação, numa concepção abrangente, pressupõe que se pinte novamente, em cores mais vivas, a história do país, incluindo a participação dos negros na formação brasileira, sem distorções. E que os poderes legislativo e judiciário reconheçam o direito dos negros à cidadania e o seu acesso à educação, à saúde e ao trabalho. As reivindicações, portanto, são muito maiores do que compensações financeiras, pedidos de desculpas, perdão das dívidas ou aumento dos investimentos na África. O que desejam os representantes do movimento negro é a superação das desigualdades – em todos os níveis –, trazendo a tão sonhada justiça social, com a equiparação de oportunidades. Cotas em universidades, indenizações aos descendentes de escravos, tudo isso serve como ponta-de-lança de um debate muito mais amplo. E, nesse aspecto, a Conferência contra o Racismo trouxe de fato para a linha de frente temas de interesse dos afro-descendentes. Aliás, do interesse de todos, como bem lembra, com preocupação, Márcio Alexandre. "Não é um problema exclusivo dos negros, mas da sociedade toda, porque nos grandes centros urbanos a juventude negra está sendo massacrada e também acaba envolvida na marginalidade. É um paradoxo: vítima e algoz ao mesmo tempo. É preciso enfrentá-lo com políticas públicas, com educação, porque, a longo prazo, essa situação só tende a piorar".
"Reparar significa consertar, compensar algo que foi feito errado. O pedido de perdão, nesse sentido, é fundamental. Como é fundamental o pedido de perdão da Igreja Católica, que durante muito tempo dividiu o homem em três categorias: o homem pleno – o branco –, o que não era pleno, mas tinha alma – o índio – e o bárbaro, que era o negro", afirma Márcio Alexandre Gualberto, da FASE. Ele explica que existem duas propostas com o sentido da reparação pretendida pelos negros. Uma delas reivindica ajuda imediata à África, "hoje um continente perdido, com um percentual imenso de incidência de Aids". A outra diz respeito à implementação de políticas de ação afirmativa para eliminar a desigualdade social.
Dentro desse aspecto, surgiu logo após a conferência a discussão sobre o estabelecimento de cotas para negros nas universidades, como forma de reduzir a absurda disparidade entre negros e brancos nas salas de aula – em um país em que, segundo o censo, praticamente metade da população é de afro-descendentes e apenas 2% chegam ao ensino superior. Márcio Alexandre considera que, como ação imediata, a medida é positiva. Mas é enfático ao cobrar a melhoria do ensino. "Não se trata apenas de uma discussão de cotas, porque isso reduz demais a questão". Em recente entrevista, Sueli Carneiro, coordenadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, batia na mesma tecla: "O debate sobre cotas, embora importante, estreita a problemática. É preciso amarrar as duas pontas, com políticas universalistas que ponham em foco as desigualdades raciais".
Nilza Iraci, também do Geledés, acha que, depois de Durban, o problema racial veio para a "ordem do dia", dando visibilidade a questões que anteriormente eram do âmbito exclusivo do movimento negro. Com a mudança do parâmetro dessas discussões, analisa, a sociedade passou a refletir mais sobre o apartheid social. Nilza cita estudos e índices socioeconômicos do governo para evidenciar o racismo como fator estrutural das desigualdades sociais. "A mídia brasileira reduziu as discussões que ocorreram na Conferência à questão das cotas, num certo maniqueísmo de prós e contras. Cotas não são reparações e nenhuma das duas pode ser considerada a grande panacéia que vai resolver os problemas dos afro-descendentes das Américas", diz ela. "Entretanto reparações, em formas de políticas públicas inclusivas, são fundamentais para diminuir as diferenças abismais criadas pelo racismo."
O conceito de reparação, numa concepção abrangente, pressupõe que se pinte novamente, em cores mais vivas, a história do país, incluindo a participação dos negros na formação brasileira, sem distorções. E que os poderes legislativo e judiciário reconheçam o direito dos negros à cidadania e o seu acesso à educação, à saúde e ao trabalho. As reivindicações, portanto, são muito maiores do que compensações financeiras, pedidos de desculpas, perdão das dívidas ou aumento dos investimentos na África. O que desejam os representantes do movimento negro é a superação das desigualdades – em todos os níveis –, trazendo a tão sonhada justiça social, com a equiparação de oportunidades. Cotas em universidades, indenizações aos descendentes de escravos, tudo isso serve como ponta-de-lança de um debate muito mais amplo. E, nesse aspecto, a Conferência contra o Racismo trouxe de fato para a linha de frente temas de interesse dos afro-descendentes. Aliás, do interesse de todos, como bem lembra, com preocupação, Márcio Alexandre. "Não é um problema exclusivo dos negros, mas da sociedade toda, porque nos grandes centros urbanos a juventude negra está sendo massacrada e também acaba envolvida na marginalidade. É um paradoxo: vítima e algoz ao mesmo tempo. É preciso enfrentá-lo com políticas públicas, com educação, porque, a longo prazo, essa situação só tende a piorar".