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Caminhada da Liberdade protesta contra exclusão

Por Correio da Bahia - Renata Matos    22 de novembro de 2001
Afrodescendentes andam do Curuzu ao Pelourinho no Dia Nacional da Consciência Negra

Reparação já". A mensagem presente nas blusas, faixas e bandeiras das centenas de pessoas que participaram na tarde de ontem da Caminhada da Liberdade evidenciava o desejo dos negros de alcançar uma sociedade mais justa e igual para todos os brasileiros. Na data de comemoração do Dia da Consciência Negra, que marca também os 306 anos de morte do grande líder quilomba, Zumbi dos Palmares, eles saíram pelas ruas do Curuzu e da Liberdade até o Pelourinho em um movimento que mostrou a riqueza e o valor da cultura afro, em seus mais variados aspectos.

Vestidos a caráter, com roupas estampadas com as cores da África, moradores locais, representantes de entidades do movimento negro e até da igreja saíram às ruas de Salvador, proporcionando um momento de reflexão e integração social. A beleza da caminhada era vista por todos os lados, seja no som tribal dos tambores das alas do Olodum, Ilê Aiyê e Malê Debalê, que seguiram o cortejo até o Pelourinho, ou nos penteados afros exibidos de forma orgulhosa nas cabeças de muitos dos manifestantes.

"A cultura negra é rica e grandiosa. Se as pessoas conhecessem a história da África e dos escravos, com certeza os descendentes negros dos antigos escravos seriam mais valorizados", avalia a estudante de sociologia, Luciana Gomes, 25 anos, que acompanhou a caminhada. O presidente do bloco Oludum, João Jorge, explicou que os motivos para a manifestação estão nos indicativos sociais na qual os negros estão inseridos atualmente, tanto na Bahia quanto no restante do país.

Desigualdade - Segundo ele, apesar de representarem 80% dos 2,5 milhões de habitantes de Salvador, a população negra da capital está entre a maioria dos analfabetos e das pessoas que não têm acesso às condições básicas de sobrevivência, como habitação, alimentação e educação. "Em Salvador, apenas 3% dos universitários são negros. A grande maioria dos afrodescendentes estão alojados nas áreas de favelização expostos à violência e à marginalidade. A abolição dos negros ainda não aconteceu. Estamos aqui hoje chamando por liberdade", completa.

E foi com o objetivo de protestar contra a exclusão que a caminhada de ontem aconteceu, em clima de muita alegria e paz. O arcebispo auxiliar da Arquidiocese de Salvador, Dom Gílio Felício, que também participou do evento, fez questão de ressaltar que o objetivo da manifestação é fazer ecoar o sonho de liberdade de Zumbi. "Estamos aqui para fazer com que haja no futuro uma maior igualdade social para os negros do Brasil", afirmou.



Missa com elementos afros

A alegria da cultura africana deu o tom da missa especial pelo Dia Nacional da Consciência Negra, no fim da tarde de ontem, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Dezenas de fiéis ocuparam cada centímetro do espaço interno e do adro da construção secular para acompanhar a celebração, presidida por D. Gílio Felício, bispo auxiliar de Salvador. Outros 17 sacerdotes de paróquias de Salvador e algumas dioceses do interior, na maioria negros, participaram da cerimônia.

Na homilia, D. Gílio Felício exaltou a afirmação da negritude e conclamou os fiéis a superar os prejuízos causados pela violência da escravidão. Ele lembrou a memória de Zumbi dos Palmares, o grande homenageado do dia, e da importância do seu exemplo de resistência. "A utopia dos quilombos nos ajuda a pensar, ainda hoje, nas lutas de libertação que ainda precisamos empreender, sempre com esse espírito quilombola que não admite a escravidão, mas abre o coração para a comunhão", declarou.

De acordo com o padre Clóvis, da Igreja de Nossa senhora do Rosário dos Pretos, a missa especial pelo Dia da Consciência Negra foi uma versão ampliada das celebrações que acontecem às terças-feiras naquele templo. Os símbolos da negritude se mostram nas roupas africanas, nos turbantes, nas músicas acompanhadas por banjo, atabaque a agogô, e, principalmente, na maneira como os fiéis celebram a presença de Deus.

Elementos afros - Ao contrário dos ritos católicos tradicionais, na missa negra do Rosário dos Pretos quase todo mundo samba, dança e bate palmas em plena igreja. Na hora das oferendas, os católicos levam frutas, pipoca, pães, dançando à maneira dos terreiros de candomblé, enquanto o cântico lembra que os alimentos "vêm das senzalas de hoje". No final da celebração, um outro cântico insere a devoção a Nossa Senhora no contexto negro, com os versos "Senhora Negra Yá Querida, Senhora Quilombola, Mãe de Deus Aparecida".

Para os fiéis presentes, a missa negra da Igreja do Rosário dos Pretos é imperdível. "Para mim, as missa mais bonitas da cidade são a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e a de São Lázaro. É uma missa cheia de alegria e a missa tem que ter alegria, não só sermão", opina a auxiliar de disciplina Jaciara da Paixão. Para a dona de casa Rosália Paim, essa maneira festiva é uma forma de despertar e renovar a fé. "Se a gente fica só naquela de Pai Nosso, sem mais nada, não dá... Tem que dar uma sacudidela!". (Silvia Noronha)

O HISTORIADOR Luís Henrique Dias Tavares fez o lançamento da 10ª edição do seu livro História da Bahia, no início da noite de ontem, na reitoria da Universidade Federal da Bahia (Ufba). A nova edição do livro, lançado originalmente em 1959, também foi divulgada durante o I Congresso de História da Bahia, realizado no início do mês. Ontem, o reitor Heonir Rocha falou da importância da obra de Luís Henrique Dias Tavares, que aborda diversos aspectos da história do estado, recolhidos em um exaustivo trabalho em bibliotecas e arquivos do Brasil e do exterior.



Passeata movimenta subúrbio

A militância negra do subúrbio saiu às ruas, na tarde de ontem, para celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra. A passeata, que partiu de Paripe em direção a Praça da Revolução, em Periperi, reuniu cerca de 2 mil pessoas, de acordo com a Polícia Militar. Com faixas, palavras de ordem e muita batucada, jovens e idosos percorreram exatos cinco quilômetros pela avenida suburbana para repudiar o racismo. Parte da pista teve que ser bloqueada para a passagem do cortejo. Organizado pelo Movimento em Defesa do Subúrbio Ferroviários (Mosuf), o ato teve tom festivo. Além do lado político - houve discurso de militantes ao final da passeata -, várias apresentação artísticas estavam programadas para ocorrer ao longo da caminhada.

Entre as atrações, todas locais, os grupos de capoeira Topásio e Abalafon e integrantes da banda Brasil e da percussão dos Sucateiros da Maré. Oito ônibus, fretados pela prefeitura, foram utilizados no transporte de manifestantes até a concentração. Pelo menos três colégios da região liberaram seus estudantes para participar das comemorações. "Durante 24 anos, o Dia da Consciência Negra se restringiu a atos no centro da cidade. Chegou a hora de fazer um movimento de dentro para fora", afirma o militante Manoel Ribeiro, secretário geral do Mosuf e um dos organizadores da passeata. Segundo ele, a intenção do manifesto, realizado pela primeira vez no subúrbio, é levar o orgulho negro para uma das região mais pobres da cidade.

Orgulho - "Oitenta por cento da população dessa parte da cidade é composta por negros. Poucos, porém, sentem orgulho da sua raça", sentencia Ribeiro. Uma das execuções é a dona de casa Adalgisa Bispo, 79 anos, nascida e criada em Periperi. Negra, ela conta que jamais negou as suas origens de negra "turutuntum", como gosta de se referir. "Minha família é toda de negros, daqueles bem pretos. Não se pode falar em diferenças. Somos todos iguais", comentou Adalgisa, uma das primeiras a chegar a Periperi, onde um ônibus levariam os manifestantes até Paripe, início do cortejo. Para ela, o racismo é definido como algo que maltratada a humanidade e deixa as pessoas "diferentes".

"Vim para poder participar da festa. Sou negra", justificou a estudante Nilma Pires da Conceição, 18 anos, aluna no Colégio Castelo Branco. Em sua opinião, o Dia da Consciência Negra acaba servindo como reflexão para a comunidade sobre o racismo no Brasil. "Todo mundo sabe que ele (o preconceito) existe. Mas cabe ao negro assumir a sua cor", acredita a aposentada maura da Silva, 66 anos, "negra com muito orgulho". Para ela, a diferença de cor não significa nada. "Não há negros. Todos são gente", sentencia. (Reinaldo Braga)

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