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‘‘A classe despertou’’
Por ISTOÉ - Hélio Campos Mello e Gilberto Nascimento   27 de novembro de 2001
O coordenador do comitê de voluntariado da ONU e presidente da DPaschoal comemora a participação dos empresários em projetos sociais
Líder de um grupo que investe 10% do seu lucro em projetos sociais – algo em torno de R$ 1 milhão –, o empresário Luís Norberto Paschoal, 54 anos, acha que o Brasil melhorou. Entre outros motivos, por causa da ação dos empresários na área social. “Eles despertaram. Estão começando a ver a importância e o valor estratégico de atuar na área social. Coordenador estratégico do Comitê Brasileiro do Ano Internacional do Voluntariado da ONU, Luís Norberto está comemorando. Na terça-feira 20, Milu Vilela, a presidente do Comitê, recebeu elogios na reunião da ONU em Genebra, na Suíça , por ter o Brasil se destacado entre os 123 países participantes, como aquele que conseguiu maior envolvimento da mídia e do governo no projeto.
Superintendente da DPaschoal, que fatura R$ 440 milhões ao ano nas áreas de pneus, distribuição de autopeças e exportação de café para Europa e Japão –, Luís Norberto acumula outros cargos em instituições sociais. É presidente da Fundação Educar DPaschoal, vice-presidente do Grupo de Institutos e Fundações Empresariais (Gife), diretor do Núcleo de Ação Social da Fiesp e ainda vice-presidente da Fundação Feac, organização que reúne mais de 100 projetos sociais em Campinas (SP). Ampliou sua atuação também no Exterior. É membro do conselho mundial da World Childhood Foundation (WCF), organização ligada à rainha Sílvia, da Suécia.
Luís Norberto assumiu a presidência da DPaschoal quando tinha 23 anos. Estudou na Harvard Business School e fala inglês, espanhol, italiano e francês. A DPaschoal começou com um pequeno posto de gasolina. Em 1949, abriu a primeira loja de pneus em Campinas. Hoje, tem 2.500 funcionários e 160 lojas próprias e franqueadas pelo País. Luís Norberto herdou dos pais a vocação para o trabalho social. Há anos, a família faz sua ceia de Natal em asilos. Segundo ele, os empresários mudaram sua visão sobre o trabalho na área social. “Eles viam o voluntário como um doador, não como um participante. A campanha do voluntariado veio mudar isso.”
ISTOÉ – Por que o sr. se engajou no trabalho social?
Luís Norberto Paschoal – Faço isso desde pequeno, porque meus pais me ensinaram. Eles eram voluntários desde jovens. É um direito de todos nós construir o futuro que desejamos. Quando ajudamos a sociedade a caminhar bem, não fazemos isso por dever, que tem sempre um gosto amargo, como se fosse uma dívida. O que buscamos é uma vida melhor. Para nós, para quem está ao redor e também para quem não conhecemos. Se essas pessoas desconhecidas também não estiverem bem, um dia, lá na frente, correremos o risco de perder o que temos por causa disso. Isso me impõe uma responsabilidade de lutar. Não é só dar a meia hora que sobra. É investir pesado nisso.
ISTOÉ – O que seus pais faziam?
Paschoal – Meu pai, Donato, e os seus irmãos fizeram um pacto quando a mãe deles morreu. Meu avô, por amor e paixão, deixou de se alimentar e 20 dias depois também morreu. Isso aproximou muito os irmãos. Meu pai percebeu que tinha de assumir a liderança da família, embora muito jovem, e viu a importância de as pessoas mais velhas ajudarem os jovens. Passou a ter uma visão de mundo diferente e começou a ajudar os asilos e a fazer sempre a ceia de Natal da família num lar de velhinhos. Minha mãe também começou a trabalhar com entidades de apoio à criança abandonada e eu sempre a acompanhava.
ISTOÉ – O que mudou no Brasil na área do trabalho voluntário?
Paschoal – Há uma nova forma de ver os problemas sociais. As responsabilidades sempre foram jogadas para o Estado. É preciso resgatar a importância do cidadão na administração da nação. E o Brasil está melhorando nesse aspecto. Não é de hoje. Na última década, vários institutos e fundações de destaque no País foram criados e incentivaram o trabalho voluntário, como a Fundação Abrinq, o Instituto Ethos, o Instituto Ayrton Senna, o Gife e outros. Surgiram também pessoas como Viviane Senna, Oded Grajew, Hélio Mattar e Milu Vilela (presidente do Comitê Brasileiro do Voluntariado da ONU), que levaram adiante essa idéia.
ISTOÉ – Os empresários apostaram realmente nessa proposta?
Paschoal – Nós, do comitê, tínhamos dúvida se a sociedade iria se engajar. Mas tivemos mais trabalho para atender pedidos de participação do que para convencer as pessoas. A mídia se engajou de forma extraordinária. Deu apoio e tornou-se a articuladora, indo atrás de casos, destacando voluntários e criando cadernos de cidadania. Os empresários de maior sucesso no Brasil também se engajaram. Hoje, as empresas que vão bem na área econômica são as que têm a visão estratégica social bastante evoluída. O estrategista que é bom para a empresa também o é para a sociedade. Para ser um grande empresário, é preciso uma visão estratégica que contemple a responsabilidade social. As 500 maiores empresas americanas, as que mais dão lucro, são também as mais éticas, as mais responsáveis.
ISTOÉ – O que mudou na visão do empresariado?
Paschoal – Foi a forma de ver a responsabilidade social e a ação do voluntariado. Muitos não conseguiam compreender esse trabalho de uma maneira estratégica. Achavam que voluntário é só aquela pessoa que passa a mão na cabeça de uma criancinha ou dá dinheiro para uma entidade. Eles viam o voluntário como um doador, não um participante. A campanha do ano do voluntário veio mudar isso. Ela conclama as pessoas a participar. Ou seja, a não pôr a mão no bolso, mas na massa. A idéia é fazer a sua parte e dar a melhor parte de você. O empresário brasileiro despertou para fazer um trabalho com os funcionários e as suas famílias na comunidade. Se não ajudar a comunidade a evoluir, a empresa terá problemas no futuro. As lideranças começam a ver a importância e o valor estratégico de se envolver nessas ações.
ISTOÉ – Para alguns setores, medidas como essas seriam paliativos...
Paschoal – Voluntário não tira emprego de funcionário. Quanto mais voluntários uma entidade tiver, de mais funcionários fixos ela precisará. Ele agrega valor e complementa a ação do empregado, do técnico, do assistente social. Confunde-se muito voluntariado com assistencialismo. O voluntário é o agente da ação, que faz as coisas por volição, o que quer dizer vontade. Se você tem uma causa e luta por ela, você morre por ela. Este país precisa de uma causa e nossas empresas também.
ISTOÉ – Tem empresa que atua na área por causa do marketing?
Paschoal – Hoje, no Brasil, na quase totalidade dos casos, os projetos estão vinculados muito mais à filosofia dos executivos ou dos proprietários de empresas do que a uma estratégia de marketing. A gente vê nitidamente a impressão digital dos dirigentes nas ações.
ISTOÉ – Quem não tem preocupação social perde espaço hoje no mercado?
Paschoal – A empresa que não mostrar para seus funcionários, para seus fornecedores e clientes e para o Estado que é responsável não vai atrair os melhores talentos nem o respeito da sociedade. Se precisar aprovar um loteamento, por exemplo, vai ter mais dificuldade. Mas não dá para fazer trabalho social só por uma estratégia de marketing. A estratégia da empresa precisa contemplar uma causa. Não adianta abrir um instituto se isso não for a causa da sua empresa. Muita gente está abrindo hoje o que Viviane Senna chama de prótese social. É uma mão mecânica que faz o social, não é a causa da empresa. Para ser uma causa, a empresa tem de que agir através de um braço técnico. A causa da empresa não pode ser ganhar dinheiro. Ela tem de prestar um serviço à sociedade. Se fizer isso bem, vai ganhar dinheiro.
ISTOÉ – O que faz a Fundação Educar?
Paschoal – Ela surgiu para construir modelos novos, experimentar e pesquisar formas de ajudar a educação no Brasil. Tem um foco muito objetivo. Ela investe em projetos que podem ser melhorados ou ampliados. Investe na cidadania, no protagonismo juvenil, no infantil e no universitário. Temos o projeto do Trote Cidadania nas universidades e uma escola própria que oferece aos jovens conhecimentos para se tornarem líderes sociais. Também confeccionamos livros didáticos para as crianças sobre temas como ecologia, cidadania, respeito, ética e saúde e os distribuímos gratuitamente nas escolas públicas. Em três anos, foram produzidos quase sete milhões de livros. O projeto Sócioeducando, mantido com outros parceiros, procura alterar o comportamento das lideranças sociais – governadores, prefeitos, vereadores, juízes e advogados – para que a educação seja a única forma de tratamento do adolescente infrator. Também estimulamos o “protagonismo cidadão” nas lideranças empresariais e sociais.
ISTOÉ – O que é a Aliança pela Educação?
Paschoal – O objetivo é fazer com que a educação não fique somente sob a responsabilidade do governo, mas seja assumida por toda a sociedade. A Aliança pela Educação em Campinas desenvolve uma série de projetos que incluem Senac, Sesc, Sesi, Senai, Câmara Americana e Comitê de Democratização da Informática. A Feac e a Fundação Educar dão apoio tático e estratégico. Nessa mesma linha de trabalho surgiu também a idéia de utilizar edifícios públicos, como as estações de trem desativadas em São Paulo, que hoje são ponto de uso de drogas. Elas devem ser resgatadas como patrimônio histórico (o caso da maioria) e locais para atividades culturais. Serão as Estações do Saber. Devem existir 500 estações desativadas no Estado que poderão ser utilizadas. Em Campinas, a estação de trem está sendo recuperada pela prefeitura. Outras também podem ser utilizadas com o mesmo objetivo na zona leste de São Paulo. Já entregamos um projeto ao secretário de Cultura do Estado, Marcos Mendonça.
ISTOÉ – Como o grupo DPaschoal chegou a faturar R$ 440 milhões ao ano?
Paschoal – Depois que meu pai faleceu, a empresa passou a ser administrada de forma colegiada. Nunca teve mudança estatutária e societária. Resolvemos manter um plano de expansão pausado. Houve um investimento grande no treinamento e sempre atuamos na comunidade, na área onde a empresa foi instalada. Onde a DPaschoal tira um dinheirinho, ela dá algo em troca na educação. É uma relação justa. Também o que ajudou a DPaschoal a crescer e a se transformar numa empresa sólida – mesmo vendendo um produto que todo mundo vende igual – foi o fato de ter um código de ética e um compromisso muito forte com o cliente. Não há uma pessoa na empresa que não conheça esse código. Temos também funcionários motivados. Desde 1970, garantimos a participação nos lucros, até 30%, para toda a equipe. Também vendemos ações para os empregados.
ISTOÉ – O sr. dá esmolas na rua?
Paschoal – Não. Dar esmola é negar a ação voluntária. Eu já dei dinheiro, mas de forma diferente. Peguei a criança, coloquei no carro, levei a um bar ou restaurante e ofereci comida. Ou levei à farmácia e lhe dei remédio. Mas esmola não se deve dar. É crime. Agora, ajudar uma instituição é fundamental. E não se deve dar dinheiro. Primeiro, faça parte. Entenda, descubra aquilo que faz sentido. Aí, você não está dando dinheiro, mas investindo.
ISTOÉ – Como o sr. avalia o Brasil hoje?
Paschoal – O Brasil passa por um momento de turbulência. Tivemos erros no governo Fernando Henrique na área econômica, além de influências externas, como o caso da Argentina e de outros países latino-americanos. Lá fora dizem que a América Latina passa por dificuldades e isso faz o País deixar de receber investimentos. Acho que o Fernando Henrique, em quem acreditei e ainda acredito, cometeu falhas terríveis de estratégia. Ele delegou mal algumas coisas e bem outras. É um bom governo, está tentando consertar, tentando corrigir, mas poderia ter feito mais no social. Na educação, quero destacar que fez bastante. Mas também poderia ter feito mais. Na área de saúde, também começou a mexer de forma correta, embora um pouco tarde demais. A dona Ruth Cardoso fez um bom trabalho no Comunidade Solidária. Mas a situação é tão crítica que, por mais que se tenha feito, ainda é muito pouco. Eu esperava mais.
ISTOÉ – O dinheiro dos impostos no Brasil é bem utilizado?
Paschoal – Eu interpreto o imposto como um tributo. Antigamente, era uma coisa para você oferecer ao rei. O tributo é uma coisa positiva. Tributar não é tomar, mas oferecer. Os reis gananciosos, porém, o transformaram num imposto. Quando você vive em sociedade democrática, isso não existe. Existe taxa condominial. Pode ser alta, baixa, mal usada, bem usada, mas não é tributo ou imposto. Eu brigo muito a favor de impostos. Se você imaginar o Brasil um dia sem impostos, como seria? Exército, Aeronáutica, Marinha, polícia, escola, como ficariam? O problema é que ele está muito elevado para certas classes sociais, principalmente as baixas. Quem paga imposto é o assalariado. E paga uma taxa alta.
ISTOÉ – Se as eleições fossem hoje, em quem o sr. votaria?
Paschoal – O quadro ainda está indefinido. O fato de Lula ter 30% agora é ruim porque vai dar uma falsa ilusão de que ele já está no poder, como nas vezes anteriores, e pode perder. O PT cresceu, evoluiu, mas quando assume o poder ele se desloca das bases e da sociedade. O Lula nunca comandou nada, mas, entre algumas pessoas que temos aí, é o melhor. Mas não existe um Lula light, como dizem. Não pode existir. Existe um Lula mais moderno, mais inteligente. Ou ele mantém o ideário socialista dele ou não sustenta um governo seu. Entre as soluções apontadas pelos candidatos aí, só vejo arremedos. A questão crucial não está sendo abordada. Não temos recursos para resolver tudo, e quem disser que vai resolver os problemas, dando educação e fazendo distribuição de riqueza, não está analisando os fatos com base na realidade. Não vejo na plataforma de ninguém uma maneira de agregar o povo ao processo de decisão. Quero saber o que eles farão para que a sociedade seja autônoma e decida em conjunto com o governo o que é bom para todos.
Líder de um grupo que investe 10% do seu lucro em projetos sociais – algo em torno de R$ 1 milhão –, o empresário Luís Norberto Paschoal, 54 anos, acha que o Brasil melhorou. Entre outros motivos, por causa da ação dos empresários na área social. “Eles despertaram. Estão começando a ver a importância e o valor estratégico de atuar na área social. Coordenador estratégico do Comitê Brasileiro do Ano Internacional do Voluntariado da ONU, Luís Norberto está comemorando. Na terça-feira 20, Milu Vilela, a presidente do Comitê, recebeu elogios na reunião da ONU em Genebra, na Suíça , por ter o Brasil se destacado entre os 123 países participantes, como aquele que conseguiu maior envolvimento da mídia e do governo no projeto.
Superintendente da DPaschoal, que fatura R$ 440 milhões ao ano nas áreas de pneus, distribuição de autopeças e exportação de café para Europa e Japão –, Luís Norberto acumula outros cargos em instituições sociais. É presidente da Fundação Educar DPaschoal, vice-presidente do Grupo de Institutos e Fundações Empresariais (Gife), diretor do Núcleo de Ação Social da Fiesp e ainda vice-presidente da Fundação Feac, organização que reúne mais de 100 projetos sociais em Campinas (SP). Ampliou sua atuação também no Exterior. É membro do conselho mundial da World Childhood Foundation (WCF), organização ligada à rainha Sílvia, da Suécia.
Luís Norberto assumiu a presidência da DPaschoal quando tinha 23 anos. Estudou na Harvard Business School e fala inglês, espanhol, italiano e francês. A DPaschoal começou com um pequeno posto de gasolina. Em 1949, abriu a primeira loja de pneus em Campinas. Hoje, tem 2.500 funcionários e 160 lojas próprias e franqueadas pelo País. Luís Norberto herdou dos pais a vocação para o trabalho social. Há anos, a família faz sua ceia de Natal em asilos. Segundo ele, os empresários mudaram sua visão sobre o trabalho na área social. “Eles viam o voluntário como um doador, não como um participante. A campanha do voluntariado veio mudar isso.”
ISTOÉ – Por que o sr. se engajou no trabalho social?
Luís Norberto Paschoal – Faço isso desde pequeno, porque meus pais me ensinaram. Eles eram voluntários desde jovens. É um direito de todos nós construir o futuro que desejamos. Quando ajudamos a sociedade a caminhar bem, não fazemos isso por dever, que tem sempre um gosto amargo, como se fosse uma dívida. O que buscamos é uma vida melhor. Para nós, para quem está ao redor e também para quem não conhecemos. Se essas pessoas desconhecidas também não estiverem bem, um dia, lá na frente, correremos o risco de perder o que temos por causa disso. Isso me impõe uma responsabilidade de lutar. Não é só dar a meia hora que sobra. É investir pesado nisso.
ISTOÉ – O que seus pais faziam?
Paschoal – Meu pai, Donato, e os seus irmãos fizeram um pacto quando a mãe deles morreu. Meu avô, por amor e paixão, deixou de se alimentar e 20 dias depois também morreu. Isso aproximou muito os irmãos. Meu pai percebeu que tinha de assumir a liderança da família, embora muito jovem, e viu a importância de as pessoas mais velhas ajudarem os jovens. Passou a ter uma visão de mundo diferente e começou a ajudar os asilos e a fazer sempre a ceia de Natal da família num lar de velhinhos. Minha mãe também começou a trabalhar com entidades de apoio à criança abandonada e eu sempre a acompanhava.
ISTOÉ – O que mudou no Brasil na área do trabalho voluntário?
Paschoal – Há uma nova forma de ver os problemas sociais. As responsabilidades sempre foram jogadas para o Estado. É preciso resgatar a importância do cidadão na administração da nação. E o Brasil está melhorando nesse aspecto. Não é de hoje. Na última década, vários institutos e fundações de destaque no País foram criados e incentivaram o trabalho voluntário, como a Fundação Abrinq, o Instituto Ethos, o Instituto Ayrton Senna, o Gife e outros. Surgiram também pessoas como Viviane Senna, Oded Grajew, Hélio Mattar e Milu Vilela (presidente do Comitê Brasileiro do Voluntariado da ONU), que levaram adiante essa idéia.
ISTOÉ – Os empresários apostaram realmente nessa proposta?
Paschoal – Nós, do comitê, tínhamos dúvida se a sociedade iria se engajar. Mas tivemos mais trabalho para atender pedidos de participação do que para convencer as pessoas. A mídia se engajou de forma extraordinária. Deu apoio e tornou-se a articuladora, indo atrás de casos, destacando voluntários e criando cadernos de cidadania. Os empresários de maior sucesso no Brasil também se engajaram. Hoje, as empresas que vão bem na área econômica são as que têm a visão estratégica social bastante evoluída. O estrategista que é bom para a empresa também o é para a sociedade. Para ser um grande empresário, é preciso uma visão estratégica que contemple a responsabilidade social. As 500 maiores empresas americanas, as que mais dão lucro, são também as mais éticas, as mais responsáveis.
ISTOÉ – O que mudou na visão do empresariado?
Paschoal – Foi a forma de ver a responsabilidade social e a ação do voluntariado. Muitos não conseguiam compreender esse trabalho de uma maneira estratégica. Achavam que voluntário é só aquela pessoa que passa a mão na cabeça de uma criancinha ou dá dinheiro para uma entidade. Eles viam o voluntário como um doador, não um participante. A campanha do ano do voluntário veio mudar isso. Ela conclama as pessoas a participar. Ou seja, a não pôr a mão no bolso, mas na massa. A idéia é fazer a sua parte e dar a melhor parte de você. O empresário brasileiro despertou para fazer um trabalho com os funcionários e as suas famílias na comunidade. Se não ajudar a comunidade a evoluir, a empresa terá problemas no futuro. As lideranças começam a ver a importância e o valor estratégico de se envolver nessas ações.
ISTOÉ – Para alguns setores, medidas como essas seriam paliativos...
Paschoal – Voluntário não tira emprego de funcionário. Quanto mais voluntários uma entidade tiver, de mais funcionários fixos ela precisará. Ele agrega valor e complementa a ação do empregado, do técnico, do assistente social. Confunde-se muito voluntariado com assistencialismo. O voluntário é o agente da ação, que faz as coisas por volição, o que quer dizer vontade. Se você tem uma causa e luta por ela, você morre por ela. Este país precisa de uma causa e nossas empresas também.
ISTOÉ – Tem empresa que atua na área por causa do marketing?
Paschoal – Hoje, no Brasil, na quase totalidade dos casos, os projetos estão vinculados muito mais à filosofia dos executivos ou dos proprietários de empresas do que a uma estratégia de marketing. A gente vê nitidamente a impressão digital dos dirigentes nas ações.
ISTOÉ – Quem não tem preocupação social perde espaço hoje no mercado?
Paschoal – A empresa que não mostrar para seus funcionários, para seus fornecedores e clientes e para o Estado que é responsável não vai atrair os melhores talentos nem o respeito da sociedade. Se precisar aprovar um loteamento, por exemplo, vai ter mais dificuldade. Mas não dá para fazer trabalho social só por uma estratégia de marketing. A estratégia da empresa precisa contemplar uma causa. Não adianta abrir um instituto se isso não for a causa da sua empresa. Muita gente está abrindo hoje o que Viviane Senna chama de prótese social. É uma mão mecânica que faz o social, não é a causa da empresa. Para ser uma causa, a empresa tem de que agir através de um braço técnico. A causa da empresa não pode ser ganhar dinheiro. Ela tem de prestar um serviço à sociedade. Se fizer isso bem, vai ganhar dinheiro.
ISTOÉ – O que faz a Fundação Educar?
Paschoal – Ela surgiu para construir modelos novos, experimentar e pesquisar formas de ajudar a educação no Brasil. Tem um foco muito objetivo. Ela investe em projetos que podem ser melhorados ou ampliados. Investe na cidadania, no protagonismo juvenil, no infantil e no universitário. Temos o projeto do Trote Cidadania nas universidades e uma escola própria que oferece aos jovens conhecimentos para se tornarem líderes sociais. Também confeccionamos livros didáticos para as crianças sobre temas como ecologia, cidadania, respeito, ética e saúde e os distribuímos gratuitamente nas escolas públicas. Em três anos, foram produzidos quase sete milhões de livros. O projeto Sócioeducando, mantido com outros parceiros, procura alterar o comportamento das lideranças sociais – governadores, prefeitos, vereadores, juízes e advogados – para que a educação seja a única forma de tratamento do adolescente infrator. Também estimulamos o “protagonismo cidadão” nas lideranças empresariais e sociais.
ISTOÉ – O que é a Aliança pela Educação?
Paschoal – O objetivo é fazer com que a educação não fique somente sob a responsabilidade do governo, mas seja assumida por toda a sociedade. A Aliança pela Educação em Campinas desenvolve uma série de projetos que incluem Senac, Sesc, Sesi, Senai, Câmara Americana e Comitê de Democratização da Informática. A Feac e a Fundação Educar dão apoio tático e estratégico. Nessa mesma linha de trabalho surgiu também a idéia de utilizar edifícios públicos, como as estações de trem desativadas em São Paulo, que hoje são ponto de uso de drogas. Elas devem ser resgatadas como patrimônio histórico (o caso da maioria) e locais para atividades culturais. Serão as Estações do Saber. Devem existir 500 estações desativadas no Estado que poderão ser utilizadas. Em Campinas, a estação de trem está sendo recuperada pela prefeitura. Outras também podem ser utilizadas com o mesmo objetivo na zona leste de São Paulo. Já entregamos um projeto ao secretário de Cultura do Estado, Marcos Mendonça.
ISTOÉ – Como o grupo DPaschoal chegou a faturar R$ 440 milhões ao ano?
Paschoal – Depois que meu pai faleceu, a empresa passou a ser administrada de forma colegiada. Nunca teve mudança estatutária e societária. Resolvemos manter um plano de expansão pausado. Houve um investimento grande no treinamento e sempre atuamos na comunidade, na área onde a empresa foi instalada. Onde a DPaschoal tira um dinheirinho, ela dá algo em troca na educação. É uma relação justa. Também o que ajudou a DPaschoal a crescer e a se transformar numa empresa sólida – mesmo vendendo um produto que todo mundo vende igual – foi o fato de ter um código de ética e um compromisso muito forte com o cliente. Não há uma pessoa na empresa que não conheça esse código. Temos também funcionários motivados. Desde 1970, garantimos a participação nos lucros, até 30%, para toda a equipe. Também vendemos ações para os empregados.
ISTOÉ – O sr. dá esmolas na rua?
Paschoal – Não. Dar esmola é negar a ação voluntária. Eu já dei dinheiro, mas de forma diferente. Peguei a criança, coloquei no carro, levei a um bar ou restaurante e ofereci comida. Ou levei à farmácia e lhe dei remédio. Mas esmola não se deve dar. É crime. Agora, ajudar uma instituição é fundamental. E não se deve dar dinheiro. Primeiro, faça parte. Entenda, descubra aquilo que faz sentido. Aí, você não está dando dinheiro, mas investindo.
ISTOÉ – Como o sr. avalia o Brasil hoje?
Paschoal – O Brasil passa por um momento de turbulência. Tivemos erros no governo Fernando Henrique na área econômica, além de influências externas, como o caso da Argentina e de outros países latino-americanos. Lá fora dizem que a América Latina passa por dificuldades e isso faz o País deixar de receber investimentos. Acho que o Fernando Henrique, em quem acreditei e ainda acredito, cometeu falhas terríveis de estratégia. Ele delegou mal algumas coisas e bem outras. É um bom governo, está tentando consertar, tentando corrigir, mas poderia ter feito mais no social. Na educação, quero destacar que fez bastante. Mas também poderia ter feito mais. Na área de saúde, também começou a mexer de forma correta, embora um pouco tarde demais. A dona Ruth Cardoso fez um bom trabalho no Comunidade Solidária. Mas a situação é tão crítica que, por mais que se tenha feito, ainda é muito pouco. Eu esperava mais.
ISTOÉ – O dinheiro dos impostos no Brasil é bem utilizado?
Paschoal – Eu interpreto o imposto como um tributo. Antigamente, era uma coisa para você oferecer ao rei. O tributo é uma coisa positiva. Tributar não é tomar, mas oferecer. Os reis gananciosos, porém, o transformaram num imposto. Quando você vive em sociedade democrática, isso não existe. Existe taxa condominial. Pode ser alta, baixa, mal usada, bem usada, mas não é tributo ou imposto. Eu brigo muito a favor de impostos. Se você imaginar o Brasil um dia sem impostos, como seria? Exército, Aeronáutica, Marinha, polícia, escola, como ficariam? O problema é que ele está muito elevado para certas classes sociais, principalmente as baixas. Quem paga imposto é o assalariado. E paga uma taxa alta.
ISTOÉ – Se as eleições fossem hoje, em quem o sr. votaria?
Paschoal – O quadro ainda está indefinido. O fato de Lula ter 30% agora é ruim porque vai dar uma falsa ilusão de que ele já está no poder, como nas vezes anteriores, e pode perder. O PT cresceu, evoluiu, mas quando assume o poder ele se desloca das bases e da sociedade. O Lula nunca comandou nada, mas, entre algumas pessoas que temos aí, é o melhor. Mas não existe um Lula light, como dizem. Não pode existir. Existe um Lula mais moderno, mais inteligente. Ou ele mantém o ideário socialista dele ou não sustenta um governo seu. Entre as soluções apontadas pelos candidatos aí, só vejo arremedos. A questão crucial não está sendo abordada. Não temos recursos para resolver tudo, e quem disser que vai resolver os problemas, dando educação e fazendo distribuição de riqueza, não está analisando os fatos com base na realidade. Não vejo na plataforma de ninguém uma maneira de agregar o povo ao processo de decisão. Quero saber o que eles farão para que a sociedade seja autônoma e decida em conjunto com o governo o que é bom para todos.