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A responsabilidade na recuperação de presos
Por Jornal Valor - Oded Grajew   28 de novembro de 2001
Pânico, paralisia, revolta, indignação. São muitos os sentimentos provocados pela situação de insegurança que caracteriza a vida na maior parte das cidades brasileiras. Trata-se de uma crise crônica, que ganhou contornos de calamidade nos últimos anos. Pesquisa realizada pelo professor Ib Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas, revelou que os assassinatos no Brasil cresceram 54.000% durante o século XX, enquanto os casos de óbitos, no total, aumentaram 82%. Na capital paulista, onde o quadro de violência é alarmante, ocorreram doze mil homicídios, por ano, contra 800 em Nova York, 15 em Buenos Aires e somente 12 em Santiago do Chile - um para cada mil homicídios ocorridos em São Paulo.
Em meio à criminalidade crescente, fica cada vez mais claro que o Estado, sozinho, não tem capacidade de viabilizar soluções para esse complexo problema. E a sociedade está começando a dar mostras de que quer compartilhar o enfrentamento da questão. No âmbito das empresas, muitas iniciativas já foram adotadas, dirigidas principalmente para fatores de prevenção à violência, como investimentos na educação fundamental, no combate ao trabalho infantil e em ações de apoio à criança e ao adolescente.
Um aspecto decisivo, entretanto, tem sido pouco considerado. Trata-se da recuperação para o convívio social da população de aproximadamente 230 mil condenados pela Justiça que cumprem penas no sistema penitenciário. As estimativas indicam que, atualmente, de cada dez presos que recuperam sua liberdade, sete voltam a praticar crimes! E, o que é pior, em geral os crimes dos reincidentes são mais graves do que os delitos que os levaram à prisão pela primeira vez. Por isso nossas penitenciárias têm sido chamadas de universidades do crime. Sem romper esse círculo vicioso, não será possível esperar por uma vida mais segura e sem medo.
Para contribuir com o debate e estimular a busca de soluções para essa problemática, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social está lançando o manual "O que as empresas podem fazer pela reabilitação do preso", em parceria com o Conselho de Cidadania do Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo. O tema, que muitas vezes provoca ceticismo, ganha novas dimensões quando encarado do ponto de vista da responsabilidade empresarial. Isso porque as empresas dispõem de um instrumento fundamental para o processo de reabilitação dos condenados: a possibilidade de oferecer-lhes alternativas de trabalho.
Entretanto, para que o trabalho cumpra um papel central no reingresso da pessoa na sociedade, é necessário vencer preconceitos e superar visões tradicionais. No passado, na maioria das vezes, a mão-de-obra dos presos era procurada por conta de interesses oportunistas, já que pode ser contratada a baixo custo, em virtude da legislação possibilitar o pagamento de salários irrisórios, sobre os quais não incidem encargos trabalhistas.
Já se constatou, porém, que trabalho de baixa qualificação pouco acrescenta na reabilitação do preso. É preciso, além de oferecer modalidades de trabalho que tenham valor e procura no mercado, garantir condições de escolarização básica, formação profissional adequada, e oferecer emprego para aqueles que saem da prisão. O trabalho do preso deve ser devidamente remunerado e respeitar sua capacidade e seu direito de escolha, já que nunca pode ser imposto.
É bastante amplo o leque de iniciativas possíveis de serem adotadas pelas empresas. Pode-se, por exemplo, contratar presos para realizar atividades produtivas dentro dos estabelecimentos prisionais, em equipamentos da própria instituição ou ainda em plantas industriais e oficinas que podem ser construídas ou alugadas pelas empresas no interior das prisões. As empresas têm, também, a opção de contratar presidiários que estejam cumprindo pena no regime semi-aberto para trabalhar nos seus próprios estabelecimentos, fora da prisão. Destinar vagas em seu quadro de pessoal para ex-presidiários é uma medida de grande importância, ao alcance de maior parte das companhias.
Também é possível apoiar a recuperação dos presos por meio de ações desvinculadas do uso da mão-de-obra presidiária. Elas podem voltar-se, por exemplo, para a melhoria das condições de vida dos presos ou para sua formação educacional e profissional. Inúmeros projetos dirigidos para o atendimento de saúde ou para atividades culturais nas prisões sobrevivem do patrocínio de empresas. Fora dos presídios, há iniciativas que buscam favorecer o retorno do preso à sociedade, como entidades que atuam na assistência às famílias dos presos e aos egressos do sistema prisional.
Mais do que recursos, que são fundamentais, as empresas têm condições de suprir também a carência de idéias e de projetos, bem como oferecer sua capacidade de empreender, contribuindo para a solução de questões diretamente relacionados à crise estrutural do sistema penitenciário brasileiro. Podem participar, assim, da promoção de uma mudança profunda na condição dos presos, criando um círculo virtuoso, em que o investimento na formação educacional e profissional do preso seja o início de sua recuperação para uma vida útil, digna e socialmente integrada.
Oded Grajew é diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e presidente do Conselho de Administração da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança
E-mail: assessoria@ethos.org.br
Em meio à criminalidade crescente, fica cada vez mais claro que o Estado, sozinho, não tem capacidade de viabilizar soluções para esse complexo problema. E a sociedade está começando a dar mostras de que quer compartilhar o enfrentamento da questão. No âmbito das empresas, muitas iniciativas já foram adotadas, dirigidas principalmente para fatores de prevenção à violência, como investimentos na educação fundamental, no combate ao trabalho infantil e em ações de apoio à criança e ao adolescente.
Um aspecto decisivo, entretanto, tem sido pouco considerado. Trata-se da recuperação para o convívio social da população de aproximadamente 230 mil condenados pela Justiça que cumprem penas no sistema penitenciário. As estimativas indicam que, atualmente, de cada dez presos que recuperam sua liberdade, sete voltam a praticar crimes! E, o que é pior, em geral os crimes dos reincidentes são mais graves do que os delitos que os levaram à prisão pela primeira vez. Por isso nossas penitenciárias têm sido chamadas de universidades do crime. Sem romper esse círculo vicioso, não será possível esperar por uma vida mais segura e sem medo.
Para contribuir com o debate e estimular a busca de soluções para essa problemática, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social está lançando o manual "O que as empresas podem fazer pela reabilitação do preso", em parceria com o Conselho de Cidadania do Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo. O tema, que muitas vezes provoca ceticismo, ganha novas dimensões quando encarado do ponto de vista da responsabilidade empresarial. Isso porque as empresas dispõem de um instrumento fundamental para o processo de reabilitação dos condenados: a possibilidade de oferecer-lhes alternativas de trabalho.
Entretanto, para que o trabalho cumpra um papel central no reingresso da pessoa na sociedade, é necessário vencer preconceitos e superar visões tradicionais. No passado, na maioria das vezes, a mão-de-obra dos presos era procurada por conta de interesses oportunistas, já que pode ser contratada a baixo custo, em virtude da legislação possibilitar o pagamento de salários irrisórios, sobre os quais não incidem encargos trabalhistas.
Já se constatou, porém, que trabalho de baixa qualificação pouco acrescenta na reabilitação do preso. É preciso, além de oferecer modalidades de trabalho que tenham valor e procura no mercado, garantir condições de escolarização básica, formação profissional adequada, e oferecer emprego para aqueles que saem da prisão. O trabalho do preso deve ser devidamente remunerado e respeitar sua capacidade e seu direito de escolha, já que nunca pode ser imposto.
É bastante amplo o leque de iniciativas possíveis de serem adotadas pelas empresas. Pode-se, por exemplo, contratar presos para realizar atividades produtivas dentro dos estabelecimentos prisionais, em equipamentos da própria instituição ou ainda em plantas industriais e oficinas que podem ser construídas ou alugadas pelas empresas no interior das prisões. As empresas têm, também, a opção de contratar presidiários que estejam cumprindo pena no regime semi-aberto para trabalhar nos seus próprios estabelecimentos, fora da prisão. Destinar vagas em seu quadro de pessoal para ex-presidiários é uma medida de grande importância, ao alcance de maior parte das companhias.
Também é possível apoiar a recuperação dos presos por meio de ações desvinculadas do uso da mão-de-obra presidiária. Elas podem voltar-se, por exemplo, para a melhoria das condições de vida dos presos ou para sua formação educacional e profissional. Inúmeros projetos dirigidos para o atendimento de saúde ou para atividades culturais nas prisões sobrevivem do patrocínio de empresas. Fora dos presídios, há iniciativas que buscam favorecer o retorno do preso à sociedade, como entidades que atuam na assistência às famílias dos presos e aos egressos do sistema prisional.
Mais do que recursos, que são fundamentais, as empresas têm condições de suprir também a carência de idéias e de projetos, bem como oferecer sua capacidade de empreender, contribuindo para a solução de questões diretamente relacionados à crise estrutural do sistema penitenciário brasileiro. Podem participar, assim, da promoção de uma mudança profunda na condição dos presos, criando um círculo virtuoso, em que o investimento na formação educacional e profissional do preso seja o início de sua recuperação para uma vida útil, digna e socialmente integrada.
Oded Grajew é diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e presidente do Conselho de Administração da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança
E-mail: assessoria@ethos.org.br