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Reforma da Previdência coloca em risco a atuação das entidades assistenciais
A Reforma da Previdência, de repente, se voltou para as entidades ligadas ao terceiro setor. Uma das medidas que devem ser incluídas no Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que busca reduzir o déficit previdenciário envolve o fim de imunidades tributárias concedidas às instituições que possuem caráter filantrópico.
O alvo principal da medida são as instituições ligadas à educação, como creches e escolas, mas não foi descartado estender o fim, ou a revisão das imunidades, às entidades filantrópicas da saúde e assistência social.
Além disso, pessoas com deficiências, que hoje recebem um salário mínimo por meio do Benefício de Prestação Continuada (BPC), temem perder o auxílio por causa da reforma, que quer desvincular o BPC do salário mínimo.
Essas são questões que estão sendo combatidas no Congresso pela deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP). “Há o risco de conquistas históricas para as pessoas com deficiência serem perdidas no caso de a reforma ser aprovada como está”, diz.
Leia abaixo entrevista concedida pela deputada ao portal da Rebrates.
A senhora acredita que é grande o risco de a reforma da Previdência interferir em setores delicados, como no caso das entidades assistenciais?
Mara Gabrilli – É grande sim. Não só mexer com as entidades filantrópicas, mas há o risco de outras conquistas históricas serem perdidas. No caso das entidades, o relator da reforma [deputado Arthur Maia] fez um cálculo e chegou à conclusão de que as imunidades para instituições assistenciais somam R$ 12 bilhões ao ano. Não vou discutir o número, mas são entidades, como APAE e Santa Casa, que prestam serviços a milhares de pessoas. Elas cobrem uma lacuna deixada pelo governo. Eu ouvi uma fala do relator na qual propõe que para as entidades terem direito às imunidades terão de oferecer 100% de gratuidade no atendimento. Isso é insustentável.
Ou seja, caso a proposta do deputado Arthur Maia seja aprovada, dificilmente as entidades assistenciais conseguirão se sustentar...
Mara - Sim. E de alguma maneira o Estado terá de fazer o trabalho da Apae, da Santa Casa, e de tantas outras. Agora, coloque esses custos no papel. O Estado não consegue assumir essa conta. Mesmo que as entidades se mantenham sem as imunidades, vão prestar os serviços de maneira precária. É com os recursos das isenções que essas instituições conseguem se profissionalizar, comprar equipamentos e novas tecnologias para atender melhor a população.
Quais são as conquistas históricas, mencionadas pela senhora, que podem ser perdidas se a reforma da Previdência for aprovada na íntegra?
Mara - Temos um problema sério envolvendo o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Para mim é uma interrogação como foi parar na reforma, pois não é um benefício previdenciário, ele é garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas). Hoje, o critério de elegibilidade para recebimento do BPC é que a renda de cada membro da família não ultrapasse um quarto de salário mínimo. Ou seja, as pessoas que o recebem já vivem em situação de vulnerabilidade. Esse benefício é vinculado ao salário mínimo. Estou falando de um salário mínimo que muitas vezes sustenta uma casa, já que é comum a mãe deixar de trabalhar para cuidar do filho com deficiência. E agora a reforma tenta desvincular o BPC do salário mínimo. Quanto essas pessoas vão passar a receber? Qual vai ser o critério? Nada está claro no texto.
As pessoas olham os números, que são frios. O impacto do BPC para as contas do governo envolve bilhões...
Mara – O BPC não chega a 10% do déficit. Outras isenções deveriam ser melhor observadas na reforma da Previdência.
Quais seriam essas outras isenções?
Mara - Há 32 mil empresas inadimplentes com o INSS. Entre elas estão grandes bancos, mineradoras, frigoríficos. Elas representam 3% das empresas do país, mas acumulam 60% da dívida da Previdência. Por que não se discute essa questão. Poderíamos ter uma reforma menos cruel do que a que estamos discutindo.
Os debates sobre a Previdência costumam se concentrar na idade mínima. Acredita que outras questões, como o BPC ou as imunidades, merecem mais discussão?
Mara - Acho que com o fim do ministério da Previdência tenha faltado um olhar humano sobre essa questão. Sou fundadora de uma Oscip, que não se encaixa no perfil de filantrópica e por isso não recebo gratuidade. Mas eu tenho consciência do tamanho do serviço que presto ao país, porque faço atendimento na periferia, orientando pessoas com deficiências, encaminhando. São as entidades assistenciais que aliviam o problema da falta de política pública para essas pessoas. Veja, o SUS demora cinco anos para entregar uma cadeira de rodas. Apenas 22% das escolas de ensino de base no país tem acessibilidade na infra-estrutura ou no conteúdo. Não temos calçadas acessíveis no país, o atendimento de reabilitação não é suficiente para atender a demanda. O relator precisa aprofundar um pouco mais essas questões.
Já foram apresentadas mais de 160 emendas à reforma. A senhora apresentou alguma emenda?
Mara - Sim, entre elas, uma onde questiono o que pretendem fazer com a aposentadoria por invalidez, porque pela reforma, só se aposentaria por invalidez na integralidade quem sofrer um acidente de trabalho dentro do local de trabalho. Se você sofrer de estresse no trabalho, e tem um AVC em casa, não teria mais o benefício integral. Além disso, apresentei uma emenda para não desvincular o salário mínimo do BPC.
A senhora tem apoio no Congresso para essas questões ligadas às pessoas com deficiências e que tratam das entidades assistenciais?
Mara – Muito. Os deputados Eduardo Barbosa, Carmen Zanotto, a deputada Leandre, Luiz Carlos Hauly. Quem me ligou recentemente foi o governador Geraldo Alckmin. Ele disse que me dará todo o apoio e me ajudaria com a não desvinculação do salário mínimo do BPC. Eu pedi para ele intervir junto do ministro da Fazenda [Henrique Meirelles].
Como está o clima na comissão especial da reforma da Previdência?
Mara - Mesmo os deputados da base do governo estão apresentando emendas. Dizem que a reforma, como está, não pode ser aprovada. A maioria dos deputados não aceita como ela está.