Notícias

O terceiro setor pode ajudar o país a superar a crise política

Por Renato Carbonari - Jornalista Rebrates   20 de junho de 2017
Lúcia Bludeni (Divulgação OAB/SP)

As organizações do terceiro setor podem ajudar o país a superar esse momento de grave crise política. Com a maior abrangência de atuação que as entidades ganharam nos últimos anos, extrapolando o âmbito das três áreas clássicas (saúde, educação e assistência social), elas passaram a interagir mais, direta ou indiretamente, com o poder público.

Nesse contexto, explica Lúcia Bludeni, presidente da Comissão do Direito do Terceiro Setor da OAB-SP, as organizações sem fins lucrativos começaram a monitorar a gestão pública para dar mais transparência ao trato dos recursos empregados pelo Estado.

Lúcia falou ao portal da Rebrates sobre o momento atual das entidades do terceiro setor, que viram na recente Lei de Parceria um instrumento importante para expandirem ainda mais a atuação. Mas também lembrou dos desafios do setor, como fazer cumprir a Lei das Cotas.

Leia abaixo a entrevista concedida pela presidente da Comissão do Direito do Terceiro Setor da OAB-SP.

 

Rebrates - O momento atual é favorável às instituições sem fins lucrativos?

Lúcia Bludeni - Após 1988, e particularmente após 1995, com a reforma do Estado, as organizações ganharam maior vulto. Elas passaram a atuar de maneira mais efetiva onde o Estado não consegue manter, em sua totalidade, programas e serviços nas áreas de saúde, educação e assistência social. Mais recentemente ganhamos a Lei de Parceria (Lei 13.019, de 2014), que permitiu ampliar a atuação das organizações para além das três áreas clássicas, adentrando a concessão de microcrédito, a atuação em programas voltados ao meio ambiente, à defesa e garantia de direitos. É uma legislação importante, que traz a obrigatoriedade do chamamento público. Ou seja, permite que entidades concorram a um determinado serviço ou projeto público através de um edital.

 

Rebrates – Nesse contexto de maior alcance da atuação das instituições sem fins lucrativos, como elas podem contribuir nesse momento de grave crise política?

Lúcia – Muitas entidades trabalham com a questão da transparência, com controle de gastos públicos. Mesmo sem ter atuação direta no Estado, elas indiretamente realizam um trabalho de prevenção, garimpando e confrontando dados da administração pública, evitando desperdício de recursos. Com o avanço da tecnologia da informação, que é a grande revolução em termos de transparência ao permitir acesso a dados reais e imediatos, as organizações têm trabalhado para melhorar a gestão pública.

 

Rebrates – Quanto à Lei de Parceria, ela realmente pegou?

Lúcia - Sim. Como ela é federal, impôs a Estados e municípios que criem seus decretos regulamentadores da legislação. A maioria dos Estados já tem seus decretos. Claro que pequenos municípios ainda não têm, mas ao longo do tempo a expectativa é que todos integrem uma plataforma para que em tempo real, tanto o gestor público da parceria quanto as organizações, alimentem esse sistema. A parceria vai poder ser acompanhada em tempo real em todas as suas etapas por meio dessa plataforma. Principalmente no âmbito do governo federal, várias parcerias estão sendo formadas. Mas é importante destacar que essa lei, além de estabelecer critérios novos para a atuação conjunta entre entidades e Estado por meio de chamamento público, prevê a criação de comissões internas de avaliação e monitoramento da parceria. A pretensão é que seja mais um instrumento de transparência, evidenciando como os recursos estão sendo aplicados, se os serviços estão sendo entregues.

 

Rebrates – A transparência parece importante nessa relação entre poder público e o terceiro setor, especialmente em um momento no qual, no Congresso, no âmbito da reforma da Previdência, se cogitou acabar com as imunidades?

Lúcia – Uma minoria que não cumpre suas obrigações compromete a grande maioria de entidades sérias que cumprem o calvário que é manter sua regularidade formal, suas certidões e prestações de contas em dia. O fato de uma entidade se beneficiar de renúncia fiscal não significa que ela viva disso. As organizações colocam muito do próprio patrimônio para prestar os serviços. Como o terceiro setor é multidisciplinar, tem entidades que possuem certificação com o poder público, outras não. O Cebas (Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social), por exemplo, que é diretamente ligado à imunidade de contribuição à seguridade social patronal, só é outorgado para quem seguir uma série de exigências. No caso de entidades de assistência social, elas têm de oferecer 100% de gratuidade aos usuários. O fato é que se as entidades perderem as imunidades, elas irão se adequar àquilo que poderão oferecer. Irão atender o número de pessoas compatível com seus recursos. Quem de fato perderia com o fim das imunidades seria o cidadão e o governo, que terá de fazer às vezes das entidades com o próprio equipamento, com o próprio pessoal. Como o governo resolveria sozinho o problema da falta de vagas em creches?

 

Rebrates – A lei da terceirização pode afetar a Lei das Cotas já que, em teoria, pode diminuir as contratações formais a ponto de uma empresa ser dispensada de reservar vagas à pessoa com deficiência?

Lúcia – Acredito que não irá afetar a lei. A maioria dos trabalhadores não será terceirizada. As grandes empresas, que oferecem a maior parte das cotas, não irão terceirizar todas as suas áreas. O grande problema aqui é fazer a Lei das Cotas ser de fato cumprida. A realidade é que hoje temos muitas vagas para serem preenchidas, mas tem empresário que prefere pagar multa a cumprir a lei.

 

Renato Carbonari - Jornalista / REBRATES

 

 

Comentários dos Leitores