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Sentimento de culpa impulsiona caridade no final do ano
Paralelamente às confraternizações, troca de presentes, decorações especiais e mesas fartas, ocorre uma sensibilização motivada, em geral, pelos princípios cristãos, pela reflexão ou por complexo de culpa.
"No Natal, come-se fartamente e gasta-se muito com presentes. Quem pode usufruir sente culpa. O modo de lidar com esse sentimento é favorecer os outros, para que eles tenham uma coisa melhor do que o nada. É um modo de expiação da culpa, não apenas a do Natal, mas a do ano todo", diz Ari Rehfeld, professor de psicologia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.
O desejo de reparar os erros cometidos no decorrer do ano e de resgatar projetos não-executados por meio de atitudes solidárias é outro fator ligado à culpa, de acordo com o professor de psiquiatria da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Mauricio Knobel.
"As pessoas procuram emendar o que não fizeram. Ficam mais generosas e praticam boas ações para consertar o que fizeram de errado ou para aliviar o sentimento de culpa", afirma Knobel.
Embora sejam comuns a todas as civilizações, os gestos de solidariedade temporária têm data certa para acontecerem e, geralmente, são associados a comemorações religiosas.
Para Knobel, o espírito natalino que motiva as ações sociais é um fator próprio da nossa cultura. "Não é a mesma coisa no Oriente e nos países islâmicos. Eles têm uma data equivalente porque a solidariedade é universal, mas tem tudo a ver com a religião", afirma o psiquiatra da Unicamp.
Num país predominantemente cristão como o Brasil, o Natal é a principal celebração religiosa do ano, e a comemoração da data simboliza os vínculos mais fortes com os ensinamentos de Cristo. A sensibilidade social, quase sempre esquecida junto da prática religiosa, fica mais latente nesta época e é evidenciada por meio da preocupação com o próximo, segundo Knobel. "Esta lembrança vem no Natal, quando há uma influência maciça da imprensa e das propagandas."
Comportamento
Mas não é só o peso do Natal e suas implicações que interferem no comportamento filantrópico. A idéia de que um ciclo se fecha, com o término de um ano e o começo de outro novo, promove outro movimento, o de reflexão.
"Esta época do ano é um momento de congraçamento porque o Natal e as festas de fim de ano suscitam os sentimentos comunitários, de família e de amizade. No final do ano também se estabelecem os balanços da vida, quando costuma-se estar mais aberto para os outros e para os problemas que não são só os seus", diz Maria Arminda do Nascimento Arruda, professora de sociologia da USP (Universidade de São Paulo).
De acordo com o professor de psiquiatria da PUC, a caridade temporária é um mecanismo de defesa, que deixa as pessoas mais calmas e tranquilas com a própria consciência. "O inconsciente vira consciente, surge a necessidade de aplacar o sentimento de culpa e a solidariedade alivia em termos porque daqui a pouco passa o Natal e o Réveillon e começa tudo de novo, como se nada tivesse acontecido", diz.
Apesar de ser um movimento paliativo e temporário, Knobel considera este tipo de comportamento benéfico porque, ao menos uma vez por ano, a sociedade lembra de ser caridosa. "É útil no sentido humanitário, apesar de ser extremamente comercial. É uma oportunidade boa de apelarmos ao inconsciente e darmos vazão aos sentimentos humanitários porque poder ajudar é um prazer. Seria bom que lembrássemos e relembrássemos disso constantemente."
Vale a doação
As doações esporádicas são consideradas extremamente positivas também pela psicóloga Mercedes Marin pelo simples fato de acontecerem sem que se espere algo em troca.
"É sempre válido, mesmo que se faça apenas uma ação por ano e sem grande intencionalidade. Indispensável é começar esse movimento. Não importa se faz por fazer ou se está imitando alguém. Tem gente que doa o ano todo e outros começam timidamente. O importante é criar dentro de si essa disponibilidade de dar sem intenção de receber, porque a emoção proporcionada quando não há barganha é diferente de quando há troca", afirma Marin.
Para a superintendente do Centro de Voluntariado de São Paulo, Maria Amália Del Bel Muneratti, o mais importante é estar aberto, disponível e consciente do papel de cidadão. "Saber qual é a sua obrigação como cidadão contribui para uma sociedade mais justa e eficiente", diz.
Trabalho voluntário
De acordo com uma pesquisa que consta do livro "Trabalho Voluntário no Brasil", da antropóloga e professora da Faculdade de Serviço Social da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Leilah Landim, os fatores que motivam as doações e o trabalho voluntário no país são a reciprocidade, a obrigação moral e religiosa e a participação cidadã.
A pesquisa constatou também que pessoas de diversas idades, renda, nível educacional e religiões são voluntárias. Os cidadãos mais propensos ao trabalho voluntário são aqueles que têm alguma prática religiosa.
Cerca de 50% dos brasileiros fazem doações em dinheiro (21%) ou em bens (29%) para entidades filantrópicas, e 22,6% dedicam parte de seu tempo a entidades ou a pessoas que não fazem parte de suas relações pessoais.