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Um continente de miseráveis

Por O Globo    8 de outubro de 2001
O estudo "Panorama social da América Latina 2000/2001", elaborado pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) em 17 países, revela que, em 1999, nada menos que 76 milhões de latino-americanos viviam com menos de US$ 1 por dia e outros 175 milhões viviam com menos de US$ 2 diários. Isto significa que 43,8% da população da região naquele ano se encontravam em situação de pobreza - 18,5% dela abaixo da linha da pobreza. No Brasil, por exemplo, 29,9% dos lares estavam abaixo da linha da pobreza em 1999, o que significavam 37,5% da população, segundo o estudo.

As estatísticas oficiais brasileiras, entretanto, diferem das apresentadas pela Cepal. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o número de pobres no país em 1999 representava 34% da população. Levando em conta 155 milhões de habitantes, os pobres brasileiros eram cerca de 53 milhões.

O perfil da pobreza no continente, segundo o estudo da Cepal, é o de famílias que vivem em residências com pouco acesso a água potável e se distribuem em grupos de três pessoas, em média, por cômodo.

A pobreza acompanha a falta de instrução na região. Segundo o relatório da comissão, os chefes dessas famílias têm em média menos de três anos de estudo - o que acaba fazendo com que seus filhos também tenham baixo grau de escolaridade e entrem cedo no mercado trabalho.

Ainda segundo a Cepal, em Honduras, no mesmo período, o número de lares nesta situação era de 74,3%, o que representava 79,7% da população.

Cresce influência das mulheres

A Cepal revela, no entanto, que os esforços dos países para reduzir seus níveis de pobreza tiveram efeito: entre 1997 e 1999, o número de lares pobres teve uma redução de 35,5% para 35,3%. A porcentagem de indigência passou de 14,4% para 13,9%. Mesmo assim, o número de pobres cresceu de 204 milhões para 211 milhões no mesmo período, por causa do crescimento demográfico nos países.

O estudo da comissão mostra que o número de lares sustentados por mulheres continuou em crescimento na América Latina durante a década de 90. Em 1998, por exemplo, a Nicarágua e a República Dominicana eram os países com o maior número de lares encabeçados por mulheres: 35% e 31%, respectivamente.

Ao mesmo tempo, nestes lares, a incidência de pobreza é maior: na Costa Rica e na República Dominicana, mais da metade dos lares pobres eram encabeçados por mulheres. No Brasil, em 1999, as mulheres chefiavam 24% dos lares pobres.

A Cepal destacou os esforços de países como Brasil, Chile e Panamá, que reduziram os níveis de pobreza em mais de dez pontos percentuais durante a década. Entre 1991 e 2000, os três países conseguiram obter crescimentos econômicos anuais, por habitante, de 1,2%, 5% e 2,6%, respectivamente. Já Costa Rica, Guatemala e Uruguai conseguiram queda entre cinco e dez pontos percentuais no número de lares pobres. No entanto, na Venezuela, por exemplo, a porcentagem de lares pobres passou de 22%, em 1981, para 34% em 1990, chegando hoje ao patamar de 44%.

De acordo com o estudo, a redução da pobreza foi o resultado do aumento dos gastos sociais destes países, que cresceram 50% durante a década passada. Isso significa que os recursos desembolsados pelos governos, por habitante, passaram de uma média de US$ 360, em 1990, para US$ 540, em 1999. O aumento nestes gastos, segundo análise da Cepal, ocorreu por causa da recuperação das taxas de crescimento dos países durante o período e da decisão dos governos de aumentar os investimentos na área social.

O Brasil, por exemplo, conseguiu aumentar seus gastos sociais de US$ 786 por habitante, em 1997, para US$ 1.011 em 1999 - de acordo com a cotação da moeda americana na ocasião. Já a Argentina subiu estes gastos de US$ 1.211 para US$ 1.687 no mesmo período. A Venezuela, por sua vez, reduziu seus gastos de US$ 337 para US$ 313.

Gastos sociais foram insuficientes

O trabalho da Cepal destaca, no entanto, que o crescimento dos investimentos sociais não foi suficiente para atender às necessidades da população. O nível de desemprego na região aumentou de menos de 6% para 9% durante os anos 90, sendo que o número de desempregados passou de 7,6 milhões, em 1990, para 18,1 milhões em 1999.

Além disso, a qualidade dos empregos diminuiu nos 17 países analisados: durante a década, sete de cada dez novos postos de trabalho na América Latina foram criados no setor informal. A taxa de desemprego no Brasil em 1999 era de 7,6%, enquanto na Argentina este percentual era de 14,3%.

Para os técnicos da Comissão Econômica para América Latina e Caribe, a atual desaceleração da economia poderá comprometer a intenção dos países latino-americanos de reduzir pela metade a pobreza na região até o ano 2015. Isso porque estes países teriam que obter uma taxa de crescimento econômico de, pelo menos, 2,3% por ano.

A economia brasileira, por exemplo, só deverá ter um crescimento de 2% do Produto Interno Bruto este ano, de acordo com as mais previsões divulgadas dos técnicos do Banco Central nos últimos dois meses. Os analistas de mercado, no entanto, estão mais pessimistas e prevêem um crescimento ainda menor: 1,6% do PIB para 2001 e de 2,5% para 2002.

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