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Investimento social e respeito a valores

Por Jornal Valor - Anamaria Schindler   13 de março de 2002
A Ashoka, uma organização sem fins lucrativos internacional, trabalha com o conceito de "capital de risco" desde sua fundação, na Índia, em 1981. Há vinte anos as palavras-chave conceitos e valores, que fundaram a Ashoka, eram impensáveis para a área social, mesmo para os Estados Unidos, país no qual a filantropia é força propulsora para o desenvolvimento social. Tais conceitos e valores são os de empreendedorismo social - termo ainda não oficial no dicionário brasileiro -, inovação, mudança de paradigmas e impacto social. A vinculação entre empreendedores sociais e empresários é também um foco especial da organização.

Desde então, a Ashoka vem aplicando a idéia de "capital de risco" por meio de um pequeno investimento feito ao empreendedor social, no momento em que ele ou ela já testou uma idéia inovadora capaz de gerar alto impacto social e quer torná-la um projeto social regional ou nacional. Este investimento é feito na forma de uma bolsa-salário mensal, por três anos, cujo valor é calculado com base nas despesas pessoais do indivíduo, tendo um teto máximo variável de país para país. Não é um investimento no projeto, mas sim no indivíduo, empreendedor social como profissional do Terceiro Setor. A Ashoka faz isto com respeito máximo às decisões do empreendedor social, à sua agenda social, ao seu ciclo de vida profissional e de desenvolvimento. Atuante no Brasil desde 1986, já selecionou e investiu em cerca de 200 empreendedores sociais em vários campos da área social.

O retorno deste investimento não é medido financeiramente, mas sim em termos de mudanças sociais efetivas, resultantes de uma idéia inovadora executada por um empreendedor dedicado à área social. O retorno se dá em indicadores sociais tais como hectares de florestas preservadas, qualidade de aprendizagem na escola, diminuição de reincidência em presídios, por exemplo.

Nestes vinte anos muita coisa mudou na área social ou Terceiro Setor em todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Mais recentemente, tanto no Brasil, como em vários países, ocorre um fenômeno que podemos dizer ser generalizado: a atuação de empresas na área social e a tendência a uma ação mais estratégica voltada não somente à filantropia, mas sim à inovação, impacto e mudança social. Alguns casos internacionais são especialmente exemplares e merecem uma olhada mais de perto, pois inovam em valores e conceitos, embora devam ser vistos com cautela e analisados criticamente. Tais casos indicam que a filantropia deixa de ser percebida apenas como atuação e decisão do indivíduo em ser voluntário e fazer doações e passa a ser vista como possibilidade estratégica de grupos com interesses específicos. Resta saber que interesses são esses e que resultados serão gerados a curto, médio e longo prazos.

Um desses casos é o de um projeto norte-americano chamado Sociedade de Filantropia de Risco (Venture Philanthropy Partners), que reúne empresas e empresários, líderes da nova economia, interessados em investir na área social. O projeto é coordenado pelo Instituto Mario Morino, do empresário de mesmo nome, da área de tecnologia e também sócio de firmas de investimento. O objetivo da VPP é demonstrar que a filantropia de risco é uma nova abordagem para investimento no setor sem fins lucrativos. É importante que observemos a definição de filantropia de risco, pois certamente este é um conceito que ouviremos falar cada vez mais.

Trata-se de adaptar práticas de gerenciamento de investimento estratégico - parcerias de longo prazo e assistência em gerenciamento estratégico para aumentar investimentos financeiros - para o setor sem fins lucrativos, para construir organizações capazes de gerar altos índices sociais nos investimentos que recebem. O grupo recebeu de seus fundadores e sócios um investimento inicial de US$ 6 milhões para montar sua estrutura e investir em organizações que trabalhem com crianças nos EUA. O plano futuro é gerenciar uma série de fundos semelhantes. Tais fundos privados de investimento social visam construir organizações sociais mais fortes e mais eficientes que atendam crianças de baixa renda.

Um outro exemplo bastante semelhante é o da Sociedade de Risco Social (Social Venture Partners), que também reúne um grupo de investidores que visa construir uma organização filantrópica utilizando o modelo de capital de risco, com a finalidade de guiar investimentos sociais e recursos de seus membros. Reúne voluntários que possam contribuir para o fortalecimento de organizações sociais, com investidores que querem melhores retornos. Educam e orientam indivíduos ricos, empresas e empresários, auxiliando-os na direção de seus investimentos sociais.

No Brasil, o conceito de investimento social privado também vem sendo aplicado, embora não concentrado nas mãos de grupos como os aqui relatados, nem baseado na idéia de capital de risco. Aqui, as empresas, empresários e fundações empresariais que investem no social também estimulam a aplicação de práticas de planejamento, de mensuração de resultados e de impacto inspiradas nas mesmas técnicas desenvolvidas no setor privado.

As organizações sociais tentam se adaptar às novas regras de planejamento e de avaliação, ditadas por empresas, empresários e fundações empresariais que querem investir na área social. Buscam se profissionalizar e incorporar tais práticas, uma vez que sua sustentabilidade depende, em parte, dos recursos oriundos do setor privado. Se por um lado elas ganham com isto a possibilidade de se tornarem mais eficientes e atingirem melhores resultados, por outro correm o risco de serem avaliadas pela mesma lógica de mercado e de investimentos financeiros.

A aplicação de técnicas empresariais, que visam a melhoria da eficiência de organizações sociais, está longe de poder ser confundida com interferência nos rumos do desenvolvimento social por meio de investimentos sociais de origem privada. Por trás da transferência de tais técnicas, existe a necessidade de se fazer um exame acurado dos valores das organizações sociais, respeitá-los e otimizá-los para o bem comum. Se combinarmos o foco nos valores, como base para a obtenção de resultados sociais positivos podemos ter organizações menos voltadas para responderem aos seus investidores e sim, mais aptas a mudanças sociais significativas em nosso país.



Anamaria Schindler é mestre em Sociologia, vice-presidente internacional de parcerias estratégicas da Ashoka Empreendedores Sociais

E-mail: Anamaria_Schindler@mckinsey.com

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