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Jovens talentos optam por fazer carreira dentro do terceiro setor

Por Jornal Valor    9 de outubro de 2001
Eles têm entre 20 e 35 anos, são formados nas principais universidades do país e apostam no trabalho em ONGs, institutos e associações. Por Roberta Lippi, De São Paulo

Quando resolveu aceitar a proposta para trabalhar na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), em agosto de 1999, Andréa Goldschmidt via reações estranhas nas pessoas: "Mas por quê? Você estudou tanto!", diziam. Para os colegas e até mesmo professores, a decisão não fazia muito sentido. Afinal, com o currículo que tinha em mãos, o caminho natural seria almejar um cargo executivo em uma grande companhia. Formada em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), ela já havia passado por companhias como Kodak e Nielsen e tinha várias propostas para trabalhar em multinacionais.

A oferta da Apae para estruturar um departamento de marketing, no entanto, acabou seduzindo Andrea. Não pelo salário, confessa, mas pela oportunidade de conciliar um trabalho remunerado com uma ação social. E não se arrepende. Hoje, aos 29 anos, ela trabalha na área de marketing do instituto Ação Comunitária do Brasil.

Casos como o de Andréa têm sido cada vez mais freqüentes no Brasil. Jovens talentos, na faixa dos 20 aos 35 anos, formados nas principais universidades do país, estão deixando de lado a iniciativa privada e apostando no trabalho no terceiro setor - em Organizações Não-Governamentais (ONGs), grandes associações e institutos sociais de empresas.

E eles, apesar de atraídos por uma causa e pela satisfação pessoal, não estão fazendo filantropia. Eles são registrados, recebem bons salários e conseguem exercer nas entidades assistenciais grande parte dos conceitos de administração e gestão aprendidos na faculdade. Esse processo ainda é novo, e as políticas de desenvolvimento de carreira no terceiro setor ainda estão engatinhando. Mas há um movimento bastante ascendente - e atraente - nesse sentido.

A administradora Juliana de Carvalho Opípari, 26 anos, é um bom exemplo. Com dois anos de experiência no Citibank, um curso de extensão em economia e recursos humanos pela universidade de Harvard e um MBA em Finanças pelo Ibmec, ela também preferiu o desafio de atuar no terceiro setor. Dirige a área de planejamento do Programa Alfabetização Solidária, em Brasília, que emprega 140 consultores.

Juliana passou por uma situação semelhante à de Andréa. Quando resolveu sair do mercado financeiro para trabalhar em uma ONG, em junho de 1998, a reação dos colegas foi a mais adversa possível. "Me achavam louca", lembra.

Hoje, ela tem um salário maior do que muitos colegas de faculdade - apesar de esta não ser a regra no terceiro setor -, supervisiona 40 pessoas e é responsável por toda a área financeira do programa, como controle de orçamento, auditoria e aplicações. "A diferença é que em um banco o seu resultado é ver as 'stock options' (opções de compra de ações) subindo, e aqui o resultado é ver um aluno escrevendo", diz. Ela foi chamada pelo Alfabetização Solidária quando tinha 22 anos, com a proposta de montar um departamento financeiro. Hoje, garante que não teria em um banco o prazer que tem no atual emprego. "Não que aqui não exista estresse e muito trabalho, mas o que mais importa é a satisfação pessoal", afirma.

Hoje, os ex-colegas de faculdade a procuram para seguir o mesmo caminho. Ela mesma dá uma prova de quanto tem crescido o interesse pelo terceiro setor: recentemente publicou em um jornal de São Paulo um anúncio para uma vaga de analista financeiro no Alfabetização Solidária e recebeu 4,5 mil currículos. Do total de 140 consultores do Programa, 88% têm nível superior e 17% destes possuem pós-graduação. A maioria tem entre 18 e 25 anos.

A diretora executiva do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), Rebecca Raposo, diz que existem poucas pesquisas sobre as entidades sem fins lucrativos no Brasil, mas ela adianta que o movimento de profissionalização é generalizado.

O terceiro setor ainda apresenta algumas desvantagens competitivas em relação às companhias tradicionais: os salários são cerca de 20% a 30% menores, dependendo do tamanho da instituição. Também não oferece a remuneração indireta (bônus, participação nos resultados, "stock options"), já que as ONGs não têm lucro. As poucas exceções em relação a benefícios indiretos ficam por conta das fundações corporativas, quando a empresa adota a sua política de benefícios para a instituição social.

A ascensão vertical também é lenta e pouco provável, explica Rebecca, porque as equipes geralmente são enxutas. "O setor compensa isso promovendo a ascensão horizontal, com um processo de produção participativo e um retorno bem maior do que nas empresas privadas", diz.

O nível de engajamento e o prazer com o trabalho, por exemplo, são bem mais visíveis no terceiro setor, o que atrai os jovens. "Eu não sairia daqui por dinheiro", garante Juliana Opípari, do Alfabetização Solidária. Rebecca, do Gife, acrescenta: "O terceiro setor permite que as pessoas unam um projeto pessoal e profissional. É por isso que aceitam ganhar menos."

Rebecca calcula que existam mais de 100 mil ONGs no Brasil. A última pesquisa realizada pela universidade americana Johns Hopkins e o Instituto de Pesquisas da Religião (Iser), mostra que entre 1991 e 1995 foram criados 340 mil empregos no terceiro setor.

A diferença entre o setor privado e as entidades sem fins lucrativos é que tem que haver, além da competência, um comprometimento com a causa. E é exatamente aí que o terceiro setor ganha no quesito competitividade, explica Regina Célia Vasconcelos Esteves, 31, MBA pela Universidade de Chicago e coordenadora do Alfabetização Solidária.

Patrícia Kanashiro, 24 anos, coordenadora de projetos do Instituto Ethos, concorda. Sua ambição em ser uma megaexecutiva de multinacional foi para segundo plano durante o curso de administração da FGV. Ela pediu demissão no estágio na Johnson & Johnson para trabalhar como voluntária no movimento estudantil. "Foi difícil em casa e com os colegas da faculdade. Eles diziam que eu era 'a hippie'", conta. Mas hoje, três anos depois de formada e um intenso trabalho em planejamento estratégico, marketing e controle orçamentário no instituto, os amigos já olham de forma diferente.

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